Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5156728-37.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
07/04/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/04/2021
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
PRELIMINAR. TUTELA DE URGÊNCIA. CABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.
DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS
RECEBIDAS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA. DESNECESSIDADE. SUCUMBÊNCIA.
I-Retomando entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que
assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito
controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II-O entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência, atualmente prevista
no artigo 300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão
previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em
pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação
provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à
disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em
impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
III - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. “In casu” tratando-se de
pessoa portadora de incapacidade parcial e permanente, reconhecendo-se que as limitações por
ele apresentadas autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas.
IV – Em que pese a deficiência da autora, não se encontra caracterizada a miserabilidade
alegada, ante a renda do núcleo familiar, que reside em casa própria e, ainda, possuem uma
motocicleta, não se caracterizando, assim, a miserabilidade alegada.
V-Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo eletrônico
DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
VI-Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). A exigibilidade da verba honorária
ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos
que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do
artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
VII- Preliminar arguida pelo réu rejeitada. Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu
providas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156728-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEUSELI SANCHES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156728-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEUSELI SANCHES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo Sr Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se apelação interposta
em face de sentença que julgou procedente o pedido para condenar o réu a conceder à parte
autora o benefício de prestação continuada, desde a data do pedido administrativo (07/03/2017).
Sobre as prestações atrasadas deverá incidir correção monetária, consoante IPCA-E e juros
moratórios, nos termos da Lei n.º 11.960/09. O réu foi condenado, ainda, ao pagamento de
honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas
até a data da sentença (Súmula 111 do STJ). Isento de custas processuais. Concedida a tutela
provisória de urgência determinando-se a imediata implantação do benefício, tendo sido cumprida
a decisão judicial pelo réu.
O réu recorre pugnando, em preliminar, pela suspensão da tutela concedida, visto que causará
lesão grave e de difícil reparação, razão pela qual pleiteia a suspensão do cumprimento da
decisão, conforme artigo 995, § único do CPC. No mérito, pleiteia a reforma da sentença, requer
a recorrente seja a recorrida condenada a devolver os valores recebidos a título de tutela de
urgência, nos próprios autos, não restando preenchidos os requisitos para a concessão da
benesse em tela, visto que a autora não apresenta enfermidade que impossibilita a reabilitação,
não se caracterizando, ainda, a miserabilidade alegada, vez que a autora reside com o
companheiro e sua sogra, a qual pertence a residência em que vivem, com rendimentos do casal
(filha e genro) ultrapassam R$ 3.724,62 (três mil e setecentos e vinte quatro reais e sessenta e
dois centavos), pelo que a renda per capita do núcleo familiar em muito supera um quarto do
salário mínimo. Subsidiariamente, requer que o termo inicial do benefício seja fixado a contar da
data da juntada do laudo pericial aos autos.
Contrarrazões da parte autora.
O i. representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do réu.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156728-37.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEUSELI SANCHES DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: RODOLFO DA COSTA RAMOS - SP312675-N, GABRIEL DE
OLIVEIRA DA SILVA - SP305028-N, LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES -
SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Da remessa oficial tida por interposta
Retomando entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que
assim dispõe:
A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for
inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
Da preliminar
Suspensão da tutela de urgência
Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência,
atualmente prevista no artigo 300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente
feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não
importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A
implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está
sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se
em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da
sentença.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
(...)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº
12.470, de 2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo
e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o
beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, a perícia médica
realizada em 10.07.2019, atestou que a autora, lavradora, do lar no momento da perícia, com
ensino fundamental, é portadora de espondiloartrose cervical, bem como lúpus eritematoso
sistêmico, doença degenerativa que evolui para a cronicidade, encontrando-se incapacitada de
forma parcial e definitiva para o trabalho, suscetível de reabilitação profissional. O perito fixou o
início da incapacidade em 2016.
Em que pese o perito concluir pela incapacidade parcial e permanente, há que se reconhecer que
as limitações por ele apresentadas autorizam a concessão do benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)
4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
(...)
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o estudo social realizado em 05.03.2019, atestou que o núcleo familiar da
autora é formado por ela, 50 anos de idade, ensino fundamental incompleto (3ª. Série), do lar, seu
companheiro, Ataíde Bonin Hauch, 56 anos de idade, ensino fundamental incompleto (3ª. Série),
serviços gerais e Maria Bonin Hauch, 83 anos de idade, viúva, analfabeta, pensionista e
aposentada, sogra da autora. A autora possui dois filhos, Michele Sanches da Silva, vinte e nove
anos, casada, três filhos, tratadora de peixes, residente em Santa Clara D’ Oeste/SP, e; Michel
Sanches da Silva, vinte e seis anos, casado, dois filhos, trabalha na Usina Colombo, mas não
soube informar a profissão dele, residente em Santa Albertina/SP. A autora está em uma união
estável com o senhor Ataíde há cerca de doze anos. Refere possuir “graves problemas físicos
nos braços e coluna”, realizando tratamento para hipertensão, varizes, fibromialgia, lombalgia,
lúpus. A autora não está cadastrada em qualquer programa de Transferência de Renda do
Governo Federal, Estadual ou Municipal, porém, está cadastrada no CAD Único. O rendimento
familiar auferido advém da atividade laboral de seu companheiro, Ataíde, perfazendo o valor de
R$ 1.200,00 (Hum mil, duzentos reais), referente ao mês de fevereiro 2019, sendo a renda per
capta de R$ 600,00 (Seiscentos reais). A sogra da autora recebe dois salários mínimos (um como
pensionista de seu marido falecido e outro de sua aposentadoria), entretanto as receitas desta
senhora, bem como suas despesas com alimentação não foram computadas, ela contribui
pagando mensalmente a conta de energia elétrica e água resultando em R$ 312,00 (Trezentos e
doze reais). Como a autora e seu companheiro residem com ela, eles assumem todas as
despesas da residência, bem como alimentação e demais gastos. A autora relata que seus filhos
não possuem recursos financeiros para prestar-lhes auxilio, como único patrimônio do casal, faz
referência a uma moto Yamada 125, ano de fabricação e modelo 2005, pertencente ao senhor
Ataíde. Residem em imóvel pertencente à sogra da autora, que também é moradora da casa;
localizada na zona urbana e periférica de Santa Clara D ́Oeste/SP, em local provido de
infraestrutura urbana, guarnecida com móveis simples pertencentes à autora e à sua sogra.
Verifica-se dos dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais que a renda atual do
companheiro da autora no valor de R$ 1.789,13 (um mil, setecentos e oitenta e nove reais e treze
centavos), competência 01/2021 e sua sogra recebe aposentadoria por idade e pensão por morte,
cada qual em um salário mínimo.
Em que pese a deficiência da autora, entendo que não se encontra caracterizada a
miserabilidade alegada, ante a renda do núcleo familiar, que reside em casa própria e, ainda,
possuem uma motocicleta, não se caracterizando, assim, a miserabilidade alegada.
Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo eletrônico
DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). A exigibilidade da verba honorária
ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos
que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do
artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelo réu e, no mérito, dou provimento à apelação
do réu e à remessa oficial tida por interposta para julgar improcedente o pedido da parte autora.
Comunique-se ao INSS (Gerência Executiva) o cancelamento do benefício de prestação
continuada.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA.
PRELIMINAR. TUTELA DE URGÊNCIA. CABIMENTO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO
CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º.
DEFICIÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS
RECEBIDAS A TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA. DESNECESSIDADE. SUCUMBÊNCIA.
I-Retomando entendimento inicial, aplica-se ao caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que
assim dispõe: A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito
controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
II-O entendimento de que não é possível a concessão de tutela de urgência, atualmente prevista
no artigo 300 do CPC, em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão
previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em
pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação
provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à
disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em
impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
III - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de deficiência" para fins de proteção
estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido significativamente ampliado com as
alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, aprovada pelo Decreto Legislativo
186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da República. “In casu” tratando-se de
pessoa portadora de incapacidade parcial e permanente, reconhecendo-se que as limitações por
ele apresentadas autorizam a concessão do benefício assistencial, caso preencha o requisito
socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com potencialidade para
'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com outras
pessoas.
IV – Em que pese a deficiência da autora, não se encontra caracterizada a miserabilidade
alegada, ante a renda do núcleo familiar, que reside em casa própria e, ainda, possuem uma
motocicleta, não se caracterizando, assim, a miserabilidade alegada.
V-Não há de se cogitar sobre eventual devolução dos valores recebidos a título de tutela
antecipada, levando-se em conta a boa fé do demandante, decorrendo de decisão judicial, e o
caráter alimentar do benefício, consoante tem decidido a E. Suprema Corte (STF, ARE 734242
AgR, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 04.08.2015, processo eletrônico
DJe-175, divulg. 04.09.2015, public. 08.09.2015).
VI-Honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). A exigibilidade da verba honorária
ficará suspensa por 05 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos
que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, nos termos do
artigo 98, §3º, do mesmo estatuto processual.
VII- Preliminar arguida pelo réu rejeitada. Remessa Oficial tida por interposta e Apelação do réu
providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por
unanimidade, decidi rejeitar a preliminar arguida pelo réu, e, no mérito, dar provimento a sua
apelação, bem como à remessa oficial tida por interposta, sendo que o Des. Fed. Nelson Porfirio
ressalvou o entendimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
