Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5073397-31.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
10/04/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 12/04/2019
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PRELIMINAR. TUTELA DE
URGÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. TERMO INICIAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. I-Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a antecipação
de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está
ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas
vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do
benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da
Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do
benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.II - Aplica-se ao presente caso o
Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário,
quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos,
não se aplica às sentenças ilíquidas.III - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de
deficiência" para fins de proteção estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido
significativamente ampliado com as alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
República. No caso dos autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com
as demais pessoas'.IV- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada
no âmbito do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º,
da Lei 8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a
comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício.
(Precedente do E. STJ).V- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento
recente dos Recursos Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação
4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para
entender pela inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.VI - O
entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.VII - Termo inicial do benefício fixado a partir da data da citação
(28.03.2017), ante a impossibilidade de aferição da situação de miserabilidade em período
anterior.VIII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a
lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947,
realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da
caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.IX- Tendo em vista o parcial provimento do recurso
do réu, nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, mantidos os honorários advocatícios em
10% (dezpor cento) sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da
Súmula 111 do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.X - Preliminar
rejeitada. Apelação do réu e remessa oficial tida por interposta parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5073397-31.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIEL ESPECIATO
REPRESENTANTE: JANAINA MORAIS OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: WANESSA CANTO PRIETO BONFIM - SP327617-N,
APELAÇÃO (198) Nº 5073397-31.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIEL ESPECIATO
REPRESENTANTE: JANAINA MORAIS OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: WANESSA CANTO PRIETO BONFIM - SP327617-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação de
sentença pela qual foi julgado procedente o pedido do autor para condenar o réu a conceder-lhe o
benefício de prestação continuada previsto no art. 203, V, da Constituição da República, no valor
mensal de um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo (17.02.2014). As
parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente pelo IPCA-Ee acrescidas de juros
moratórios na forma da Lei n. 11.960/09. Pelasucumbência, o réu foi condenado ao pagamento
de honorários advocatícios fixados em 10% (dezpor cento) sobre o valor das prestações vencidas
até a data da sentença. Concedida a antecipação da tutela, para a implantação imediata do
benefício, sob pena de multa diária.
Noticiada pelo réu a implantação do benefício.
Em sua apelação, o réu alega, preliminarmente, a necessidade de suspensão dos efeitos da
tutela, sob pena de irreversibilidade da medida. Quanto ao mérito, argumenta, em síntese, que o
autor não faz jus à concessão do benefício, vez que possui rendimento familiar mensal per capita
superior ao limite estabelecido no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93. Subsidiariamente, requer sejam
observados os critérios de correção monetária da Lei n. 11.960/2009.Prequestiona a matéria para
acesso às instâncias recursais superiores.Com a apresentação de contrarrazões de apelação,
vieram os autos a este Tribunal.Em parecer, o i. representante do Parquet Federal, opinou pelo
desprovimento do recurso de apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5073397-31.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIEL ESPECIATO
REPRESENTANTE: JANAINA MORAIS OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: WANESSA CANTO PRIETO BONFIM - SP327617-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1011 do CPC/2015, recebo a apelação do réu.
Da preliminar
Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da
Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado,
porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que
estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto
previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da
República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício
perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.
Da remessa oficial tida por interposta
Aplica-se ao presente caso o Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa
de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a
sessenta salários mínimos, não se aplica às sentenças ilíquidas.
Do mérito
O benefício pretendido pela parte autora está previsto no artigo 203, V, da Constituição da
República, que dispõe:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:(...)V - a garantia de um salário mínimo de
benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios
de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação legislativa do dispositivo constitucional restou materializada com o advento da
Lei 8.742/93, que dispõe na redação atualizada do caput do seu artigo 20:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Assim, para fazer jus ao amparo constitucional, o postulante deve ser portador de deficiência ou
ser idoso (65 anos ou mais) e ser incapaz de prover a própria manutenção ou tê-la provida por
sua família.
Quanto ao requisito relativo à deficiência, a Lei 8.742/93, que regulamentou a concessão do
dispositivo constitucional acima, dispunha no § 2º do seu artigo 20, em sua redação original:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não
possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2º
Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
Nesse ponto, cumpre salientar que o texto constitucional garante o pagamento de um salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência, sem exigir, como fez a norma
regulamentadora, em sua redação original, a existência de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Nota-se, portanto, que ao definir os contornos da expressão pessoa portadora de deficiência
constante do dispositivo constitucional, a norma infraconstitucional reduziu a sua abrangência,
limitando o seu alcance aos casos em que a deficiência é geradora de incapacidade laborativa.
Todavia, observa-se que, em 10.07.2008, o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo
186/2008, aprovando, pelo rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição da República, o texto da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, e conferindo à referida Convenção status
normativo equivalente ao das emendas constitucionais.
A Convenção, aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, já no seu Artigo 1, cuidou de tratar do
conceito de "pessoa com deficiência", definição ora constitucionalizada pela adoção do rito do
artigo 5º, § 3º, da Carta, a saber:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais
pessoas.
Em coerência à alteração promovida em sede constitucional, o artigo 20, § 2º, da Lei 8.742/93,
viria a ser alterado pela Lei 12.470/11, passando a reproduzir em seu texto a definição de
"pessoa com deficiência" constante da norma superior. Dispõe a LOAS, em sua redação
atualizada:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.(...)§ 2o Para efeito
de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de
2011).
Não há dúvida, portanto, de que o conceito de 'deficiência' atualmente albergado é mais extenso
do que aquele outrora estabelecido, vez que considera como tal qualquer impedimento, inclusive
de natureza sensorial, que tenha potencialidade para a obstrução da participação social do
indivíduo em condições de igualdade.
Coerente com esta nova definição de 'deficiência' para fins de concessão do benefício
constitucional, a mencionada Lei 12.470/11 acrescentou à Lei 8.742/93 o artigo 21-A, com a
seguinte redação:
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).§ 1o Extinta a relação
trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso,
encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido
direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do
benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da
deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no
caput do art. 21.
Verifica-se, portanto, que a legislação ordinária, em deferência às alterações promovidas em sede
constitucional, não apenas deixou de identificar os conceitos de 'incapacidade laborativa' e
'deficiência', como passou a autorizar expressamente que a pessoa com deficiência elegível à
concessão do amparo assistencial venha a exercer atividade laborativa - seja como empregada,
seja como microempreendedora - sem que tenha sua condição descaracterizada pelo trabalho,
ressalvada tão somente a suspensão do benefício enquanto este for exercido.
Observados estes parâmetros para a aferição da deficiência, no caso dos autos, de acordo com o
laudo médico pericial elaborado em 16.03.2018, o demandante, com 15anos de idade, é portador
de Síndrome de Down, apresentando incapacidade total e permanente para o trabalho. Faz-se
mister, aqui, observar o que dispõe o art. 4º, §1º, do Decreto 6.214/2007:
Art. 4o Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:§ 1o Para fins de
reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação continuada às crianças e adolescentes
menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência e o seu
impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social, compatível
com a idade.
Neste passo, em se tratando de criança/adolescente, não há que se perquirir quanto à sua
capacidade laborativa, mas deve-se ter em conta as limitações que a deficiência de que é
portadora impõem ao seu desenvolvimento e a atenção especial de que necessita.
Há que se reconhecer, portanto, que a parte autora fará jus ao benefício assistencial, caso
preencha o requisito socioeconômico, haja vista possuir 'impedimentos de longo prazo', com
potencialidade para 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas'.
No que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da Lei
8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o limite
de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11, acima
transcrita.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente, por acórdão
que recebeu a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O
CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A
RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE
REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO
MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ
HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.(STF. ADI 1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J.
01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - Resp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalizarão". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar. Verifique-se:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. (...)4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e
Processo de inconstitucionalizarão dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.(...)Verificou-se a
ocorrência do processo de inconstitucionalizarão decorrente de notórias mudanças fáticas
(políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares
econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte
do Estado brasileiro).5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade,
do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.6. Reclamação constitucional julgada improcedente.(Cl 4374,
Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, o relatório de estudo social, realizado em 05.04.2018, atesta que o núcleo
familiar do autor é composto por ele e sua genitora. Residem em imóvel cedido por um amigo da
família, o Sr. Luiz Carlos Simão,que mora nos fundos do imóvel. A residência é construída em
madeira, em precário estado de conservação. É composta por dois quartos, sala, cozinha e
banheiro, possuindo poucos móveis e utensílios. Aresidência não possui telefonee a genitora
relata que não possui veículo automotor.O autor não frequenta a escola ou entidades
congêneres, não pratica atividades esportivas e de lazer e não se relaciona com outros jovens de
sua idade. A genitora está desempregada, em virtude dos cuidados contínuos com o autor. A
renda mensal familiar é proveniente da pensão alimentícia que o autor percebe do genitor, o Sr.
Everton Rogério Especiato, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos Reais). A Sra. Janaina relata
que o mesmo se casou e estaria residindo em São Paulo, mantendo contato telefônico pouco
regular, para obter notícias do filho. Refereque a gravidez foi resultado de um breve
relacionamento, que não resultou em casamento ou união estável. A família possui os seguintes
gastos mensais: R$ 43,73, referente à conta de água; R$ 37,41 referente à conta de luz;
sobrando aproximadamente R$ 300,00 (trezentos reais) do valor da pensãopara gastos com
alimentação, itens de higiene pessoal e medicamentos.Portanto, o conjunto probatório existente
nos autos, demonstra que o autor preenche o requisito referente à deficiência e comprovou sua
hipossuficiência econômica, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data da citação (28.03.2017),tendo em
vista a impossibilidade de aferição da situação de miserabilidadeem período anterior.
A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a lei de regência,
observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947, realizado em
20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da caderneta de
poupança a partir de 30.06.2009.
Tendo em vista o provimento parcial do recurso do réu, nos termos do § 11 do artigo 85 do
CPC/2015, mantidos os honorários advocatícios em 10% (dezpor cento) sobre o valor das
prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ e de acordo com
entendimento firmado por esta 10ª Turma.
No tocante às custas processuais, as autarquias são isentas destas (artigo 4º, inciso I da Lei
9.289/96), porém devem reembolsar, quando vencidas, as despesas judiciais feitas pela parte
vencedora (artigo 4º, parágrafo único).
Diante do exposto, rejeito a preliminar e, no mérito,dou parcial provimento à apelação do réu e à
remessa oficial tida por interposta, para fixar o termo inicial do benefício em 28.03.2017.As
prestações em atraso serão resolvidas em fase de liquidação de sentença, compensando-se as
adimplidas por força da tutela antecipada.
Expeça-se e-mail do INSS, comunicando-lhe a alteração do termo inicial do benefício para
28.03.2017.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. REMESSA OFICIAL TIDA POR INTERPOSTA. PRELIMINAR. TUTELA DE
URGÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 203, V, CF. REQUISITOS
LEGAIS COMPROVADOS. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. DEFICIÊNCIA.
INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. TERMO INICIAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. I-Cumpre assinalar que o entendimento de que não é possível a antecipação
de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está
ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas
vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do
benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da
Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do
benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença.II - Aplica-se ao presente caso o
Enunciado da Súmula 490 do E. STJ, que assim dispõe: A dispensa de reexame necessário,
quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos,
não se aplica às sentenças ilíquidas.III - Não se olvida que o conceito de "pessoa portadora de
deficiência" para fins de proteção estatal e de concessão do benefício assistencial haja sido
significativamente ampliado com as alterações trazidas após a introdução no ordenamento pátrio
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo,
aprovada pelo Decreto Legislativo 186/2008, na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição da
República. No caso dos autos, a parte autora apresenta 'impedimentos de longo prazo' de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem 'obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com
as demais pessoas'.IV- Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada
no âmbito do E. STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º,
da Lei 8.742/93 define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a
comprovação da miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício.
(Precedente do E. STJ).V- Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento
recente dos Recursos Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação
4.374, o E. Supremo Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para
entender pela inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.VI - O
entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.VII - Termo inicial do benefício fixado a partir da data da citação
(28.03.2017), ante a impossibilidade de aferição da situação de miserabilidade em período
anterior.VIII - A correção monetária e os juros de mora deverão ser calculados de acordo com a
lei de regência, observando-se as teses firmadas pelo E.STF no julgamento do RE 870.947,
realizado em 20.09.2017. Quanto aos juros de mora será observado o índice de remuneração da
caderneta de poupança a partir de 30.06.2009.IX- Tendo em vista o parcial provimento do recurso
do réu, nos termos do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, mantidos os honorários advocatícios em
10% (dezpor cento) sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da
Súmula 111 do STJ e de acordo com entendimento firmado por esta 10ª Turma.X - Preliminar
rejeitada. Apelação do réu e remessa oficial tida por interposta parcialmente providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no
mérito, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial tida por interposta, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
