
| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária, dar provimento parcial ao recurso de apelação do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS para reduzir o percentual de honorários advocatícios para 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, dar provimento à apelação adesiva da parte autora para fixar a data do início do benefício em 27/02/2014, e, por fim, de ofício, ante a ausência de impugnação da parte interessada, determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036236-77.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Tratam-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e por ELOA STHEFANI HERMENEGILDO, na forma adesiva, além de remessa necessária, em ação ajuizada pela última em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença de fls. 92/95-verso julgou procedente o pedido inicial e condenou o INSS ao pagamento de benefício à autora, desde a data da citação, além de honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação. Concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
Em razões recursais de fls. 101/107, o INSS requer, em sede de preliminar, a aplicação da remessa necessária, tendo em vista a natureza ilíquida da sentença. No mérito, pugna pela reforma da decisão, ao fundamento da ausência dos requisitos necessários à concessão do benefício previdenciário. Postula, de forma subsidiária, pela redução da verba honorária e pela aplicação dos juros na forma da Lei nº 11.960/09. Por fim, prequestiona a matéria.
A parte autora também interpôs recurso de apelação, na forma adesiva, às fls. 116/118, na qual requer a fixação da DIB de acordo com a data do indeferimento do pedido administrativo.
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 129/132-verso), no sentido do provimento parcial do recurso do INSS.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
De início, cumpre lembrar que descabida a remessa necessária no presente caso.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 23/03/2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/73:
No caso, a r. sentença condenou o INSS no pagamento do benefício de assistência continuada, no valor de um salário mínimo, a partir da data da citação, em 30/04/2014 (fl. 24). Assim, tendo em vista o tempo transcorrido entre o termo inicial do benefício até a data de prolação da sentença - 23/03/2015, afigura-se que o montante da condenação é muito inferior ao limite de alçada estabelecido na lei processual.
Desta feita, afastada a hipótese de remessa necessária, passo a análise apenas do mérito recursal.
Adiante, analiso o mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
Pleiteia a autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O laudo pericial de fls. 70/76 diagnosticou a requerente como portadora de "paralisia cerebral" e "atrofia na coluna".
Registrou o expert que a autora se apresentou nervosa, com senso de percepção alterado, afetividade comprometida e que, apesar da idade (5 anos), não conseguiu se comunicar por meio de linguagem falada, emitindo apenas "gemidos".
Além disso, informou o perito que a autora não terá cura e uma vida normal, sendo totalmente dependente dos seus familiares.
Conclui que "diante da perícia da examinada constatamos pelos atestados e exames apresentados por médicos especialistas que é portadora de doenças de ordem neurológica sendo que sua incapacidade é total e permanente", razões pelas quais entendo presente o impedimento de longo prazo.
No que tange à hipossuficiência econômica, o estudo social realizado em 27 de maio de 2014 (fls. 62/68) informou ser o núcleo familiar composto pela autora, seus genitores e mais cinco irmãos, todos menores de idade, os quais residem em imóvel alugado, "composto por cinco cômodos, sendo: sala, cozinha e dois dormitórios sendo de piso e com forro de madeira. Também com uma varanda nos fundos da casa, toda murada de bloco. A pintura da casa é bastante antiga alguns lugares com danificações. Existe um corredor ao lado que dá acesso ao portão principal da casa sendo este de ferro e abertura manual. Não existe quintal e a calçada da residência é toda cimentada com comércios ao lado. No momento da visita a casa estava mal organizada com muitas roupas espalhadas no interior da casa e em cima das camas. Os móveis da casa são bem velhos, alguns em péssimo estado de conservação e outros até quebrados".
As despesas familiares mensais envolvem gastos com aluguel (R$600,00), água (R$13,00), energia elétrica (R$120,00), alimentação (R$450,00) e gás (R$42,00), contabilizando um montante total de aproximadamente R$1.225,00.
A renda familiar decorre do ofício de pedreiro exercido pelo genitor da requerente, recebendo valor mensal aproximado de R$700,00, somado ao benefício de prestação continuada percebido por um dos irmãos da autora (Paulo Cristiano Hermenegildo), no montante de um salário mínimo, e a quantia de R$160,00, referente ao programa Bolsa Família.
Além disso, extrai-se das informações do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS do genitor da requerente, Paulo Sérgio Hermenegildo, as quais seguem anexas, que este manteve seu último vínculo empregatício junto a Laurenice Quaresma em 2013, tendo percebido apenas dois salários, no valor de R$1.298,00, por todo aquele ano.
Em resumo, a autora informou que "a renda da família é insuficiente para suprir todas as despesas da casa, uma vez que os filhos são todos menores de idade e dois deles requerem maiores cuidados".
Conforme se extrai do estudo social, e das próprias fotos colacionadas aos autos pela requerente (fls. 16/17), afere-se que a residência da família é bem humilde. Não há informações da existência de parentes que possam prestar assistência. As moléstias neurológicas e incapacitantes, de dois membros do grupo familiar, aliados a uma vida difícil e com privações, exigem cuidados e, com isto, gastos maiores para ambos e evidenciam a presença da vulnerabilidade social e da hipossuficiência econômica a justificar a concessão do benefício vindicado.
Alie-se a isso tudo, o fato de que as condições de habitabilidade que antes eram ruins, aparentemente, se agravaram, com a mudança de residência da família, fato noticiado no estudo social. A moradia localizada à Rua Brasil, nº 193, Bairro Industrial, Guararapes/SP, ainda apresenta melhores condições que a atual casa, objeto de visita pela assistente, situada à Rua Washington Luiz, 554, fundos, na mesma municipalidade. É o que se depreende de pesquisas realizadas na rede mundial de computadores, especificamente pelos sites do "Google Maps" e "Street View".
Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
É bem verdade que, em hipóteses excepcionais, o termo inicial do benefício pode ser fixado com base na data do laudo, nos casos, por exemplo, em que a data do início da miserabilidade ou incapacidade é fixada no momento da realização da perícia, até porque, entender o contrário, seria conceder o benefício ao arrepio da lei, isto é, antes da presença dos requisitos autorizadores para a concessão, o que configuraria inclusive enriquecimento ilícito do postulante.
O caso em apreço não foge à regra geral, adequando-se exatamente ao precedente citado. Nota-se, particularmente, que houve pedido administrativo (fl. 18). Assim, o termo inicial do benefício deveria ser fixado na data do pleito junto ao INSS (11.02.2014), momento no qual se consolida a pretensão resistida. No entanto, como a parte interessada pleiteou que fosse fixado quando do indeferimento do pedido, determino a DIB em 27/02/2014, conforme informações extraídas do Sistema Único de Benefícios - DATAPREV, ora anexas.
No que se refere aos juros moratórios, o INSS pugna para que sejam fixados conforme a Lei nº 11.960/09, porém, assim o foi determinado pela sentença. Logo, não assiste razão ao apelo do ente autárquico.
Quanto à correção monetária, a despeito de não impugnada pela autarquia e diante do não conhecimento da remessa necessária, devida a sua apreciação, de ofício, em atenção ao disposto nos arts. 293 do CPC/1973 e 322, §1º, do CPC/2015. É certo, aliás, que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Por fim, relativamente à verba patronal, inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual de 10% (dez por cento), devendo a sentença ser reformada neste ponto.
Ante o exposto, não conheço da remessa necessária, dou provimento parcial ao recurso de apelação da do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS apenas para reduzir o percentual de honorários advocatícios para 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, bem como dou provimento à apelação adesiva da parte autora para fixar a data do início do benefício em 27/02/2014, data do indeferimento do pedido administrativo e, por fim, de ofício, ante a ausência de impugnação da parte interessada, determino que a correção monetária dos valores em atraso seja calculada segundo o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.
É como voto.
CARLOS DELGADO
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