Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5005733-31.2018.4.03.6103
Relator(a)
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
17/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/04/2020
Ementa
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FGTS. CONTRIBUIÇÃO DO ART. 1º DA LEI
COMPLEMENTAR 110/2001. INEXISTÊNCIA DE PERÍODO DELIMITADO. EMENDA
CONSTITUCIONAL 33/2001. RECEPÇÃO. EXIGIBILIDADE.
- Com a edição da MP 905/2019 (DOU de 12/11/2019) e da Lei nº 13.932/2019 (DOU de
12/12/2019), foi extinto o adicional de 10% da multa de FGTS em caso de rescisão sem justa
causa, o que enseja a extinção do feito sem julgamento do mérito, de ofício, por ausência
superveniente de interesse de agir no que tange aos períodos posteriores ao início da eficácia
jurídica do art. 24 da MP 905/2019.
- Ainda há ações judiciais versando sobre expurgos inflacionários que levaram à imposição da
contribuição social geral do art. 1º da Lei Complementar 110/2001, cuja extinção ficou sujeita ao
juízo discricionário do legislador federal, e não a período delimitado (diversamente da exação do
art. 2º da mesma lei complementar).
- Na ADI 2.556 e na ADI 2.568, ambas Rel. Min. Joaquim Barbosa, em 13/06/2012, o Pleno do
E.STF decidiu pela validade das incidências previstas na Lei Complementar 110/2001, quando já
vigia a nova redação do art. 149 da Constituição Federal (dada pela Emenda 33/2001). Atuando
como Corte Constitucional, o Pretório Excelso não está preso à causa de pedir no controle
abstrato de constitucionalidade, levando à conclusão no sentido da recepção da contribuição
combatida.
- A decisão monocrática que confere poderes ao relator para decidir recurso manifestamente
improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao
órgão colegiado, não importa em infringência ao CPC ou aos princípios do direito.
- É assente a orientação pretoriana, reiteradamente expressa nos julgados desta C. Corte
Regional, no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo na
hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer dos
vícios da ilegalidade e for passível de resultar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.
- Extinção do processo sem julgamento de mérito, de ofício, por falta de interesse de agir, no
tocante às exigências da contribuição referente aos períodos posteriores ao início da eficácia
jurídica da MP 905/2019. No mais, recurso desprovido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005733-31.2018.4.03.6103
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: ITAVEMA ITALIA VEICULOS E MAQUINAS LIMITADA
Advogado do(a) APELANTE: ELIANE ZOGHBI - RJ85147-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005733-31.2018.4.03.6103
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: ITAVEMA ITALIA VEICULOS E MAQUINAS LIMITADA
Advogado do(a) APELANTE: ELIANE ZOGHBI - RJ85147-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO:
Cuida-se de agravo interno, interposto por ITAVEMA ITALIA VEICULOS E MAQUINAS
LIMITADA, em face da decisão monocrática (ID 90251785) proferida pelo então relator com fulcro
no artigo 932, IV e V, do CPC, que negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a
sentença que denegou a segurança requerida com vistas à declaração de inexistência de relação
jurídica que obrigue a impetrante ao recolhimento da contribuição prevista no artigo 1º da lei
Complementar 110/2001.
Alega a agravante, em síntese, o exaurimento da finalidade específica da contribuição em debate,
qual seja, a recomposição patrimonial das contas vinculadas ao FGTS, em decorrência do
“rombo” causado pelos Planos Econômicos Verão e Collor I. Aduz, também, que o Poder
Executivo passou a desvirtuar o produto da arrecadação em questão. Afirma, ainda, que houve
derrogação da LC 110/2001 pela EC 33, por inadequação da base de cálculo. Reitera o pedido de
restituição dos valores indevidamente pagos.
Pede, em juízo de retratação, que a decisão proferida seja reconsiderada, para dar provimento ao
recurso de apelação. Caso não seja esse o entendimento, requer que o presente agravo seja
levado a julgamento pelo órgão colegiado.
Com contraminuta (ID 102625200).
Manifestou-se o Ministério Público Federal (ID 104195393).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005733-31.2018.4.03.6103
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: ITAVEMA ITALIA VEICULOS E MAQUINAS LIMITADA
Advogado do(a) APELANTE: ELIANE ZOGHBI - RJ85147-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO:
Primeiramente cumpre esclarecer que a possibilidade de julgamento do recurso por decisão
monocrática está prevista no Art. 1.011 do CPC, nas hipóteses admitidaspelo legislador.
De outro lado, ressalta-se que eventual nulidade do decisum resta superada com a reapreciação
do recurso pelo órgão colegiado na via deste agravo interno, sendo remansosa a jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito (STJ, Quarta Turma, AINTARESP nº 382.047,
Registro nº 201302616050, Rel. Des. Fed. Conv. Lázaro Guimarães, DJ 29.06.2018; STJ,
AINTARESP 0142.320-2, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, Data do Julgamento 16/11/2017,
Data da Publicação/Fonte DJe 24/11/2017; TRF 3ª Região, Nona Turma, Ap. nº 2260199,
Registro nº 00005409420164036102, Rel. Juiz Fed. Conv. Rodrigo Zacharias, DJ 23.05.2018).
Assentado esse ponto, prossigo no exame do recurso.
A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:
“Trata-se de apelação, em sede de mandado de segurança, contra sentença que denegou a
segurança em ação que objetivava afastar a cobrança da contribuição social instituída pelo art. 1º
da LC n.º 110/2001.
Apela a impetrante requerendo a reforma da sentença, concedendo a segurança nos termos
pleiteados na inicial.
Houve parecer do Ministério Público.
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
De início, cumpre explicitar que o art. 932, iv e v do cpc de 2015 confere poderes ao relator para,
monocraticamente, negar e dar provimento a recursos .
Ademais, é importante clarificar que, apesar de as alíneas dos referidos dispositivos elencarem
hipóteses em que o Relator pode exercer esse poder, o entendimento da melhor doutrina é no
sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo.
Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero:
"Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em
que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento
monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas"
e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas,
arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de
competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal
Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça
e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas
ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes
para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o
julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência
firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de
competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes
podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões
retratadas em súmulas."("Curso de Processo Civil", 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017).
Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que"a alusão do legislador a súmulas ou a
casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da
existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para
incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não
estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos"("Novo
Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos).
Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e
V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova
aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora
Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).
Nessa linha, o STJ, antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, aprovou a Súmula 568 com
o seguinte teor:"O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou
negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".Veja-se
que a expressãoentendimento dominanteaponta para a não taxatividade do rol em comento.
Além disso, uma vez que a decisão singular do relator é recorrível por meio de agravo interno (art.
1.021, caput, CPC/15), não fica prejudicado o princípio da colegialidade, pois a Turma pode ser
provocada a se manifestar por meio do referido recurso. Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, DO CPC). APOSENTADORIA
ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 932 DO CPC PERMITIDA. TERMO INICIAL FIXADO NA
DATA DA CITAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA COM LAUDO JUDICIAL.
INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO SINGULAR DO RELATOR. CABIMENTO. - O denominado
agravo interno (artigo Art. 1.021 do CPC/15) tem o propósito de impugnar especificadamente os
fundamentos da decisão agravada e, em caso de não retratação, possa ter assegurado o direito
de ampla defesa, com submissão das suas impugnações ao órgão colegiado, o qual, cumprindo o
princípio da colegialidade, fará o controle da extensão dos poderes do relator e, bem assim, a
legalidade da decisão monocrática proferida, não se prestando, afora essas circunstâncias, à
rediscussão, em si, de matéria já decidida, mediante reiterações de manifestações anteriores ou à
mingua de impugnação específica e fundamentada da totalidade ou da parte da decisão
agravada, objeto de impugnação. - O termo inicial do benefício foi fixado na data da citação,
tendo em vista que a especialidade da atividade foi comprovada através do laudo técnico judicial,
não havendo razão para a insurgência da Autarquia Federal. - Na hipótese, a decisão agravada
não padece de qualquer ilegalidade ou abuso de poder, estando seus fundamentos em
consonância com a jurisprudência pertinente à matéria devolvida a este E. Tribunal. - Agravo
improvido."
(ApReeNec 00248207820164039999, DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN,
TRF3 - NONA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017).
Assim, passo a proferir decisão monocrática, com fulcro no artigo 932, IV e V do Código de
Processo Civil de 2015.
A matéria versada nos presentes autos concerne ao exame de exigibilidade ou não das
contribuições previstas na Lei Complementar 110/01 em seus artigos 1º e 2º.
A lei instituidora da obrigação dispõe nestes termos:
"Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de
empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos
devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, durante a vigência do
contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.
Parágrafo único. Ficam isentos da contribuição social instituída neste artigo os empregadores
domésticos.
Art. 2º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos
por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas
de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990."
Observa-se que a prescrição legal supra não é temporária, ou seja, ela não trouxe em seu bojo
prazo algum de validade expresso, como fez o legislador no caso específico do art. 2º da mesma
lei. Assim, enquanto eficaz a norma, a autoridade fiscal não pode mesmo ignorá-la.
Nesse passo, o entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a
contribuição social instituída pelo art. 1º, da Lei Complementar nº 110/01 tem natureza de
contribuição social geral e, sendo assim, o legislador não previu sua limitação temporal, nem
vinculou sua exigibilidade ao término do pagamento dos expurgos inflacionários.
Ademais, os argumentos no sentido de perda superveniente da justificativa para manutenção da
cobrança da referida contribuição e sua consequente inconstitucionalidade, diante do suposto
atendimento de sua finalidade, devem ser analisados a tempo e modo próprios.
Nesse sentido, os julgamentos proferidos na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2556 e no AI
763.010 AgR/DF:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A CUSTEAR DISPÊNDIOS DA UNIÃO
ACARRETADOS POR DECISÃO JUDICIAL (RE 226.855). CORREÇÃO MONETÁRIA E
ATUALIZAÇÃO DOS DEPÓSITOS DO FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO
(FGTS). ALEGADAS VIOLAÇÕES DOS ARTS. 5º, LIV (FALTA DE CORRELAÇÃO ENTRE
NECESSIDADE PÚBLICA E A FONTE DE CUSTEIO); 150, III, b (ANTERIORIDADE); 145, § 1º
(CAPACIDADE CONTRIBUTIVA); 157, II (QUEBRA DO PACTO FEDERATIVO PELA FALTA DE
PARTILHA DO PRODUTO ARRECADADO); 167, IV (VEDADA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DE
PRODUTO ARRECADADO COM IMPOSTO); TODOS DA CONSTITUIÇÃO, BEM COMO
OFENSA AO ART. 10, I, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS -
ADCT (AUMENTO DO VALOR PREVISTO EM TAL DISPOSITIVO POR LEI COMPLEMENTAR
NÃO DESTINADA A REGULAMENTAR O ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO). LC 110/2001, ARTS.
1º E 2º.
A segunda contribuição criada pela LC 110/2001, calculada à alíquota de cinco décimos por cento
sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, extinguiu-se por ter alcançado
seu prazo de vigência (sessenta meses contados a partir da exigibilidade - art. 2º, §2º da LC
110/2001). Portanto, houve a perda superveniente dessa parte do objeto de ambas as ações
diretas de inconstitucionalidade.
Esta Suprema Corte considera constitucional a contribuição prevista no art. 1º da LC 110/2001,
desde que respeitado o prazo de anterioridade para início das respectivas exigibilidades (art. 150,
III, b, da Constituição).
O argumento relativo à perda superveniente de objeto dos tributos em razão do cumprimento de
sua finalidade deverá ser examinado a tempo e modo próprios.
Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas prejudicadas em relação ao artigo 2º da LC
110/2001 e, quanto aos artigos remanescentes, parcialmente procedentes, para declarar a
inconstitucionalidade do artigo 14, caput, no que se refere à expressão "produzindo efeitos", bem
como de seus incisos I e II.
(STF, Tribunal Pleno, ADI nº 2.556/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa j. 13/06/2012, DJe
20/09/2012)
EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS AO CUSTEIO DAS OBRIGAÇÕES
DA UNIÃO DECORRENTES DE CONDENAÇÕES À RECOMPOSIÇÃO DO FGTS.
CONSTITUCIONALIDADE. RESPEITO À REGRA DA ANTERIORIDADE. LC 110/2001, ARTS. 1º
E 2º. AGRAVO REGIMENTAL.
Esta Suprema Corte considerou constitucionais os tributos destinados ao custeio das
condenações sofridas pela União à atualização das contas vinculadas ao Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço, ressalvada a proibição de cobrança no período definido pela regra da
anterioridade.
A perda superveniente da justificativa para manutenção das cobranças e consequente
inconstitucionalidade devem ser examinadas a tempo e modo próprios.
Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AI 763.010 AgR/DF)
Alega-se que a contribuição do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 passou a ser
inconstitucional a partir do atendimento da finalidade que se invocou para a sua instituição, o que
estaria reconhecido pelo próprio Governo Federal, pelo banco gestor do FGTS e pelo Decreto nº
3.913/2001, pelo que estaria havendo desvio de finalidade na sua exigência atual, em violação ao
art. 167, VI, da Constituição Federal.
Todavia, tal argumento de impugnação da exigência contributiva foi analisado e rejeitado pelo C.
Supremo Tribunal Federal naquele mesmo julgamento em que se decidiu pela constitucionalidade
de referida contribuição (ADIn nº 2.556/DF, julgado em 26/06/2012, DJe 20/09/2012), quando se
decidiu que "o argumento relativo à perda superveniente de objeto dos tributos em razão do
cumprimento de sua finalidade deverá ser examinado a tempo e modo próprios", sendo que a
Suprema Corte reconheceu a repercussão geral sobre essa questão, no sentido de que
alterações supervenientes no contexto fático podem justificar um novo exame acerca da validade
do art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, objeto do RE nº 878.313/SC, pendente de
julgamento.
Portanto, enquanto não examinada pela Colenda Corte tal questão, não se encontra fundamentos
relevantes que possam afastar a conclusão pela constitucionalidade e plena exigibilidade da
contribuição do artigo 1º, eis que a tese de superação da sua finalidade institutiva contraria uma
razoável interpretação no sentido de que apenas a contribuição do artigo 2º seria temporária (o
que é expresso em seu § 2º) para suprir a referida finalidade transitória.
Alega-se, de outro lado, que teria havido superveniente inconstitucionalidade da contribuição
instituída no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, em razão da alteração promovida pela
Emenda Constitucional nº 33/2001 à redação do artigo 149, § 2º, III, alínea "a", da Constituição
Federal, pela qual se determinou que as contribuições sociais com alíquotasad valorempoderiam
incidir apenas, taxativamente, sobre faturamento, receita bruta, valor da operação ou valor
aduaneiro, com o que não poderia haver a exigência, a partir de então, da contribuição ora
questionada, eis que incidente sobre base de cálculo - 10% sobre o saldo da conta de FGTS
demitido sem justa causa - diversa daquelas estabelecidas pela Emenda 33/2001.
O dispositivo constitucional tem a seguinte redação:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no
domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento
de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem
prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de
seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência
social. (Parágrafo Renumerado pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus
servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40,
cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da
União. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste
artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 33, de 2001)
II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados
e álcool combustível; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III - poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de
importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 33, de 2001)
§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa
jurídica, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
Entendo não haver fundamento para acolhida desta argumentação, posto que, primeiramente,
reputa-se também analisado e rejeitado pela Suprema Corte naquele julgamento em que decidiu
pela constitucionalidade de referida contribuição (ADIn nº 2.556/DF, julgado em 26/06/2012, DJe
20/09/2012), assim considerada válida justamente com fundamento no artigo 149 da Constituição
Federal, mas, em segunda consideração, a alteração redacional não importa em conclusão no
sentido da invalidade das contribuições anteriormente criadas com base na redação original do
dispositivo constitucional, e, em terceira consideração, a interpretação de seu enunciado
normativo há de realizar-se no contexto sistemático constitucional, nesse contexto não se
podendo apreender que o termo "poderão" deve ter o significado linguístico de "deverão", mas
sim que expressa a admissibilidade de novas contribuições sociais sobre tais bases de cálculo,
para o fim de que não conflitem com a regra proibitiva do artigo 195, § 4º c/c/ artigo 154, I, da Lei
Maior.
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº
20, de 1998)
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à
pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
- - - - - -
Art. 154. A União poderá instituir:
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-
cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta
Constituição;
A propósito, esse é o entendimento desta Corte:
TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL GERAL. ART. 1º DA LC
110/2001. INDETERMIÇÃO TEMPORAL DA EXAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE REVOGAÇÃO.
FINALIDADES: APORTE DE RECURSOS AO FUNDO E IMPORTANTE MECANISMO
EXTRAFISCAL DE COIBIÇÃO À DEPEDIDA SEM JUSTA CAUSA. EFETIVAÇÃO DE DIREITOS
SOCIAIS CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDOS. PREEMINÊNCIA DA MENS LEGIS SOBRE
A MENS LEGISLATORIS. RATIO LEGIS AUTÔNOMA DE EVENTUAL OCCASIO LEGIS. VETO
DO PLC 200/2012 MANTIDO. CONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO JÁ DECLARADA
PELO STF. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE.
1 - A alegação de exaurimento finalístico da norma em comento, além de imiscuir-se
indevidamente em valoração ínsita ao Poder Legislativo, não é acompanhada de prova
inequívoca quer permita o convencimento da arguição, valendo-se a autora apenas de
presunções e ilações. Adicionalmente, inexiste dano irreparável ou de difícil reparação frente lei
de já longa vigência.
2 - A contribuição instituída pelo art. 1º da Lei Complementarnº 110/2001, diversamente da do art.
2º, foi instituída por tempo indeterminado.
3 - Consoante dicção do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não se
destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. Por sua
vez, conforme determina o art. 9º da LC nº 95/98, com a redação dada pela LC nº 107/01, a
cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais
revogadas. Igualmente, dispõe o art. 97, I, do Código Tributário Nacional que somente a lei pode
estabelecer a extinção de tributos.
4 - Inexiste revogação, expressa ou tácita, do dispositivo guerreado, não havendo presumi-la
quanto à norma jurídica validamente estabelecida.
5 - A finalidade do dispositivo se encontra em seu art. 3º, §1º, qual seja o aporte de recursos ao
Fundo. Nesse viés, observa-se que é axioma hermenêutico a preeminência da mens legis sobre a
mens legislatoris, máxime por aquela, neste caso, ter como fundamento de validade direitos
sociais previstos expressamente na Carta Magna (art. 7º, III, CF). A ratio legis, propriamente dita,
por força do dispositivo indigitado, encontra-se autônoma de eventual ocassio legis, mormente
por força do aspecto socializante exigido do intérprete e aplicador do direito pátrio (art. 5º LINDB).
6 - Com efeito, diversamente do sustentado, o telos jurídico do diploma não está adstrito
exclusivamente aos expurgos inflacionários de planos econômicos, servindo de importante
mecanismo extrafiscal de coibição à despedida sem justa causa (arts. 1º, IV; 7º, I, CF), consoante
pode se dessumir da própria exposição de motivos levantada pela parte autora.
7 - Nessa senda, o art. 10, I, da ADCT limitou a indenização indigitada a 40% dos depósitos tão-
somente até o advento de norma complementar; embora pendente esta - no sentido de diploma
mais global -, esta, no viés de medida protetiva, consubstancia-se exatamente a Lei
Complementar nº 110/2001.
8 - Na verdade, não só inexiste revogação como o Projeto de Lei Complementar nº 200/2012, que
objetivava exatamente estabelecer prazo para a extinção da contribuição, foi vetado pela
Presidenta da República, veto este que foi mantido pelo Congresso Nacional em Sessão de
setembro de 2013, o que reafirma a indeterminação temporal da exação e que mesmo a mens
legislatoris não imputa à exação caráter precário.
9 - Outrossim, o art. 13 da LC nº 101/2001 expressamente consigna que as receitas recolhidas
são destinadas integralmente ao Fundo, não havendo alegar seu desvirtuamento, ressaltando-se
que o FGTS, considerado na globalidade de seus valores, constitui um fundo social dirigido a
viabilizar financeiramente a execução de programas de habitação popular, saneamento básico e
infraestrutura urbana, ex vi do disposto nos artigos 6º, IV, VI e VII; 7º,III, da Lei nº 8.036/90.
10 - Assim, em vigência a norma, apenas haveria afastá-la em caso de inconstitucionalidade
material ou formal. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, assentou a constitucionalidade
dessa contribuição na ADI 2556/DF. Nesse viés, o Ministro Moreira Alves exarou asserto de que a
natureza jurídica das duas exações criadas pela lei em causa é a de tributo, caracterizando-se
como contribuições sociais que se enquadram na subespécie "contribuições sociais gerais" que
se submetem à regência do artigo 149 da Constituição, e não à do artigo 195 da Carta Magna.
11 - Dessa maneira, não há alegar inconstitucionalidade superveniente pelo advento da EC nº
33/2001, que incluiu disposições no art. 149, porquanto quando do julgamento da ADI indigitada,
13/06/2012, tal alteração promovida pelo Poder Constituinte derivado reformador já era então
vigente, e foi utilizado exatamente o art. 149 para legitimar a validade da contribuição.
12 - Obter dictum, como o início e o limite da cognição da norma é o próprio enunciado normativo,
não há razão para afastar a modalidade deôntica do artigo 149, 2º, III, da Carta Magna "poder"
pelo operador adverso "obrigatório", quando é inexistente no texto normativo uma contradição
performativa nas enunciações linguísticas utilizadas. Pelo contrário, o conjunto das reformas
operacionalizadas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 torna clara sua finalidade de
aumentar a legiferação de contribuições extrafiscais para combustíveis, não sendo valida a
interpretação que imputa ao inciso indigitado a diminuição das hipóteses de base de cálculo
possíveis para contribuições sociais, até porque tal silogismo é contrário ao plano ideológico
socializante da Constituição Federal.
13 - Inexistindo fundamentos hábeis a alterar a decisão monocrática, nega-se provimento ao
agravo legal.
(TRF3, 1ª Turma, unânime. AI 00190904720154030000, AI 564133. Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA. e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2015; julgado em 01/12/2015)
"PROCESSO CIVIL: AGRAVO LEGAL. ARTIGO 557 DO CPC. APELAÇÃO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE OS DEPÓSITOS REFERENTES AO FGTS.
DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. LEI COMPLEMENTAR Nº 110/01.
I - Observa-se que o artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei
nº 9.756, de 17 de dezembro de 1998, trouxe inovações ao sistema recursal, com a finalidade de
permitir maior celeridade à tramitação dos feitos, vindo a autorizar o relator, por mera decisão
monocrática, a negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Da mesma forma, o parágrafo 1º-A do
referido artigo prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estiver
em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal
Federal ou de Tribunal Superior. Justificada, portanto, a decisão solitária deste Relator.
II -O assunto referente ao presente mandamus já passou pelo crivo do Supremo Tribunal Federal
- STF por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.556/DF, sendo
reconhecida a inexigibilidade das exações apenas no exercício de 2001.
III - No caso dos autos, os pedido é de suspensão da exigibilidade da contribuição social instituída
pelo artigo 1º da Lei Complementar nº 110/01, sendo proposta a ação em 11.04.2014, momento
em que a contribuição já era devida.
III - Agravo legal não provido. "
(TRF3, AMS 00025533720144036102, Rel. Des. Fed. Antônio Cedenho, Segunda Turma, j.
23.06.15, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/07/2015).
"AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DO ART.
557 DO CPC. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇAO SOCIAL. LEI COMPLEMENTAR N. 110/01. ADI
2.556-2/DF, STF. CONSTITUCIONALIDADE. DESVIO DE FINALIDADE. NÃO OCORRENCIA. 1.
Escorreita a decisão monocrática. A referência à jurisprudência dominante do art. 557 do CPC
revela que, apesar de existirem decisões em sentido diverso, acabam por prevalecer, na
jurisprudência, as decisões que adotam a mesma orientação invocada pelo relator. 2. A Caixa
Econômica Federal não possui legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que visa
discutir relação jurídico-tributária referente à contribuição ao FGTS instituída pela Lei
Complementar nº 110/01, pois não tem competência para arrecadar, administrar e cobrar tal
exação que possui caráter tributário amplamente reconhecido. (REsp 781.515/RS, Rel. Ministro
TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/03/2006, DJ 03/04/2006, p. 272)
3. O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Constitucionalidade n. 2.556-2/DF, em
13/06/2012, julgou constitucional a contribuição prevista no art. 1º da LC 110, de 29 de junho de
2001, desde que respeitado o prazo de anterioridade para início da respectiva exigibilidade (art.
150, III, b, da Constituição). 4. Assim, tem-se que as contribuições instituídas pela LC 110/2001
são constitucionais, podendo ser cobradas a partir do exercício financeiro de 2002. 5. A
contribuição instituída pela Lei Complementar nº 110/2001 tem natureza jurídica de contribuição
social geral e, como tal, não tem finalidade estipulada necessariamente pelo legislador. Tal
paradigma foi adotado pelo então Ministro Moreira Alves, na ocasião da Medida Cautelar da ADI
nº 2556-2. 6. A Lei Complementar nº 110/2001 tem respaldo constitucional, independentemente
de qualquer situação de ordem econômica ou financeira. Precedentes. 7. Agravo legal improvido."
(AMS 00243654420144036100, Rel. Juiz Fed. Convocado Renato Toniasso, e-DJF3 Judicial 1
DATA:07/12/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO)
Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são
suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos.
Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação supra.
Publique-se. Intime-se.
Após as formalidades legais, baixem-se os autos à Vara de origem.”
Inicialmente, necessário consignar que, com a edição da MP 905/2019 (DOU de 12/11/2019) e da
Lei nº 13.932/2019 (DOU de 12/12/2019), foi extinto o adicional de 10% da multa de FGTS em
caso de rescisão sem justa causa, o que enseja a extinção do feito sem julgamento do mérito, de
ofício, por ausência superveniente de interesse de agir.
Resta interesse de agir no tocante às exigências dessa contribuição no que tange aos períodos
anteriores ao início da eficácia jurídica do art. 24 da MP 905/2019.
Quanto ao tema de mérito, lembro que, desde 2001, passaram a existir três contribuições ao
FGTS: 1ª) com natureza de direito fundamental do trabalhador (prevista na Lei 7.839/1989 e na
Lei 8.036/1990), depositada pelo empregador na Caixa Econômica Federal – CEF, na proporção
de 8% sobre o salário, cujo saldo poderá ser movimentado pelo empregado-titular da conta
vinculada em casos específicos; 2ª) com natureza jurídica de tributo, na espécie contribuição
social geral (art. 1º da Lei Complementar 110/2001), recolhida aos cofres da União Federal por
empregadores, à alíquota de 10% sobre o montante de todos depósitos nas contas vinculadas do
FGTS, devida na hipótese de demissão sem justa causa; 3ª) também com natureza tributária de
contribuição social geral (art. 2º da Lei Complementar 110/2001), recolhida aos cofres da União
Federal por empregadores, na ordem de 0,5% sobre os rendimentos.
Conforme previsto no art. 2º, § 2º, da Lei Complementar 110/2001, o adicional de 0,5% foi devido
pelo prazo de 60 meses, contados do início de sua exigência, tendo se exaurido desde então. No
caso dos autos,está em discussão a exação veiculada pelo art. 1º da Lei Complementar
110/2001, à alíquota de 10% sobre o montante dos depósitos ao FGTS, exigida na hipótese de
demissão sem justa causa.
É verdade que a instituição da contribuição social geral promovida pela Lei Complementar
110/2001 foi gerar receita para a União Federal cobrir despesas arcadas pela CEF com a
recomposição inflacionária das contas do FGTS. A consolidação da jurisprudência no sentido da
obrigatoriedade de a CEF repor os denominados “expurgos inflacionários” das contas vinculadas
do FGTS exigiu extraordinário volume de recursos, de tal modo que União Federal foi levada a
instituir fonte de receita cobrada da sociedade na forma de contribuições tributárias. Assim, as
imposições tributárias da Lei Complementar 110/2001 tinham justificativa associada à ideia de
transitoriedade, de maneira que, repostas as perdas inflacionárias das contas do FGTS, não
haveria mais justificativa para essas imposições.
Contudo, se de um lado a cobrança do adicional de 0,5% sobre a remuneração foi delimitada no
tempo expressamente pelo art. 2º, §2º da Lei Complementar 100/2001, o mesmo não se deu em
relação à exigência de 10% sobre o saldo das contadas vinculadas ao FGTS em caso de
demissão sem justa causa. Isso porque há de se considerar que esses “expurgos inflacionários”
envolvem diversos momentos que se alongam desde meados dos anos de 1980, concentrando-
se especialmente no início dos anos 1990.
Consigno também que, em se tratando de recomposição do FGTS sem natureza tributária (direito
fundamental do trabalhador, decorrente de relação de trabalho e sucedâneo da estabilidade de
emprego), inicialmente havia firme orientação jurisprudencial no sentido de o prazo prescricional
ser trintenário (a propósito, a Súmula 210 do E.STJ e a Súmula 362 do E.TST). Ocorre que o
E.STF, na ARE 709212, reconheceu que o prazo prescricional para cobrança de valores
referentes ao FGTS é de 5 anos, por inconstitucionalidade do artigo 23 da Lei 8.036/1990 e do
artigo 55 do Decreto 99.684/1990, mas nesse julgamento realizado em 13/11/2014, foram
modulados os efeitos temporais dessa decisão: para casos cujo termo inicial da prescrição (p. ex.,
a ausência ou insuficiência de depósito no FGTS) ocorra após a data desse julgamento, aplica-se
desde logo o prazo de 5 anos; para casos em que o prazo prescricional já esteja em curso,
aplica-se o que ocorrer primeiro, 30 anos (contados do termo inicial), ou5 anos, a partir desse
julgamento.
Por esse motivo, corretamente a Lei Complementar 110/2001 não estabeleceu prazo para a
cobrança da exação prevista em seu art. 1º, mesmo porque até hoje há ações judiciais versando
sobre expurgos inflacionários dos famigerados planos econômicos que levaram às imposições
tributárias, notadamente em fase de cumprimento de sentença. Não bastassem, surgem ainda
novas argumentações em outras ações judiciais justamente sobre índices inflacionários e juros
aplicados às contas vinculadas
Assim, a imposição da contribuição tributária do art. 1º da Lei Complementar 110/2001 ficou
sujeita ao juízo discricionário da União Federal, a quem cabe, em vista de dados quantitativos,
fixar o momento correto para cessar a tributação. A existência de projeto de lei que não
prosperou, no qual se anunciava a inexistência de motivos para a permanência da tributação, a
rigor é indicativo exatamente inverso ao pretendido nestes autos, mostrando que ainda há razões
associadas aos expurgos inflacionários das décadas de 1980 e 1990 para justificar essas
imposições, aspecto corroborado pelo fato notório da existência de ações ainda transitando em
várias instâncias judiciárias federais.
O E.STF, na ADI 2.556, e na ADI 2.568, Pleno, ambas Rel. Min. Joaquim Barbosa, em
13/06/2012, decidiu pela validade das incidências previstas na Lei Complementar 110/2001 a
título de FGTS (0,5% sobre a remuneração mensal e 10% sobre o saldo das contas vinculadas
em casos de demissão sem justa causa), afirmando que tais imposições têm natureza tributária,
configurando-se como contribuição social geral. Nesses julgamentos, o E.STF concluiu pela
invalidade do art. 14,caput, e incisos I e II, da Lei Complementar 110/2001, que impunha tais
contribuições para o ano de 2001, tendo em vista a violação ao art. 150, III, “b”, da Constituição
(afastando a disposição do art. 195, § 6º, da Constituição, pertinente às contribuições para a
Seguridade Social).
O E.STF tinha pleno conhecimento das razões que levaram à edição da Lei Complementar
110/2001, e em vista de o decidido na ADI 2.556 e na ADI 2.568 não ter limitado a imposição no
tempo, creio claro que houve o reconhecimento dessa Corte acerca da competência discricionária
do legislador complementar para revogar a imposição ora combatida.
Registro ainda que a Emenda Constitucional 33/2001 procurou estabelecer alguns parâmetros
para o crescente aumento de contribuições, introduzindo previsões no art. 149 da ordem de 1988,
mas a análise jurídica possível dessas modificações não traduz restrições rigorosas. Tomando
como exemplo os elementos quantitativos, a redação dada pela Emenda 33/2001 ao art. 149 da
Constituição menciona que contribuições “poderão” (e não deverão) ter alíquotasad
valorem(incidentes sobre o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de
importação, o valor aduaneiro) ou específica (tendo por base a unidade de medida adotada),
apresentando-se mais como recomendação ao Legislador do que efetiva delimitação.
Nada há na nova redação do art. 149 da ordem de 1988 que induza à não recepção da exigência
da contribuição tratada no art. 1º da Lei Complementar 110/2001, justamente pela amplitude
confiada por esse preceito constitucional à discricionariedade política do legislador federal.
Ademais, a nova redação do art. 149 da Constituição Federal (dada pela Emenda 33/2001) já
estava em vigor por ocasião do julgamento da ADI 2.556 e da ADI 2.568, quando o E.STF
concluído pela constitucionalidade da exação à luz da atual redação do referido preceito da
ordem de 1988, levando à conclusão no sentido da recepção da exação combatida. Como se
sabe, atuando como Corte Constitucional, o Pretório Excelso não está preso à causa de pedir no
controle abstrato de constitucionalidade, de maneira que o decidido nas mencionadas ADIs
possui efeito vinculante (art. 102 e art. 103, ambos da Constituição, e Lei 9.868/1999). E, pelas
mesmas razões, estão superadas discussões quanto a violação do art. 165, §2º, e art. 167, VIII,
ambos do diploma constitucional.
Há orientação nesta Corte a esse respeito, como se nota na ApReeNec 5002330-
61.2017.4.03.6112, 1ª Turma, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS
NOGUEIRA, julgado em 26/04/2019, no AI 5022859-36.2019.4.03.0000, 2ª Turma, Rel.
Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/01/2020, e na
ApCiv 0021102-33.2016.4.03.6100, 2ª Turma, Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO
JUNIOR, julgado também em 29/01/2020.
Cumpre ainda ressaltar que a decisão monocrática, que confere poderes ao relator para decidir
recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a
jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal
Superior, sem submetê-lo ao órgão colegiado, não importa em infringência ao CPC ou aos
princípios do Direito.
Por fim, é assente a orientação pretoriana, reiteradamente expressa nos julgados desta C. Corte
Regional, no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo na
hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer dos
vícios da ilegalidade e for passível de resultar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.
Ante o exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem apreciação do mérito, por falta de
interesse de agir no tocante às exigências dessa contribuição no que tange aos períodos
posteriores ao início da eficácia jurídica da MP 905/2019; no mérito, nego provimento ao agravo
interno.
É o voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. FGTS. CONTRIBUIÇÃO DO ART. 1º DA LEI
COMPLEMENTAR 110/2001. INEXISTÊNCIA DE PERÍODO DELIMITADO. EMENDA
CONSTITUCIONAL 33/2001. RECEPÇÃO. EXIGIBILIDADE.
- Com a edição da MP 905/2019 (DOU de 12/11/2019) e da Lei nº 13.932/2019 (DOU de
12/12/2019), foi extinto o adicional de 10% da multa de FGTS em caso de rescisão sem justa
causa, o que enseja a extinção do feito sem julgamento do mérito, de ofício, por ausência
superveniente de interesse de agir no que tange aos períodos posteriores ao início da eficácia
jurídica do art. 24 da MP 905/2019.
- Ainda há ações judiciais versando sobre expurgos inflacionários que levaram à imposição da
contribuição social geral do art. 1º da Lei Complementar 110/2001, cuja extinção ficou sujeita ao
juízo discricionário do legislador federal, e não a período delimitado (diversamente da exação do
art. 2º da mesma lei complementar).
- Na ADI 2.556 e na ADI 2.568, ambas Rel. Min. Joaquim Barbosa, em 13/06/2012, o Pleno do
E.STF decidiu pela validade das incidências previstas na Lei Complementar 110/2001, quando já
vigia a nova redação do art. 149 da Constituição Federal (dada pela Emenda 33/2001). Atuando
como Corte Constitucional, o Pretório Excelso não está preso à causa de pedir no controle
abstrato de constitucionalidade, levando à conclusão no sentido da recepção da contribuição
combatida.
- A decisão monocrática que confere poderes ao relator para decidir recurso manifestamente
improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do
respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao
órgão colegiado, não importa em infringência ao CPC ou aos princípios do direito.
- É assente a orientação pretoriana, reiteradamente expressa nos julgados desta C. Corte
Regional, no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo na
hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer dos
vícios da ilegalidade e for passível de resultar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.
- Extinção do processo sem julgamento de mérito, de ofício, por falta de interesse de agir, no
tocante às exigências da contribuição referente aos períodos posteriores ao início da eficácia
jurídica da MP 905/2019. No mais, recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu,
por unanimidade, de ofício, julgar extinto o processo sem apreciação do mérito, por falta de
interesse de agir no tocante às exigências dessa contribuição no que tange aos períodos
posteriores ao início da eficácia jurídica da MP 905/2019 e, no mérito, negar provimento ao
agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
