
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080204-57.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: GILSON VALVERDE DOMINGUES DA SILVA - SP200445-N, MARCELA CARVALHO DA SILVA - SP383347-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080204-57.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: GILSON VALVERDE DOMINGUES DA SILVA - SP200445-N, MARCELA CARVALHO DA SILVA - SP383347-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao benefício pretendido, a partir da do requerimento administrativo (26/7/2023).
O INSS apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em questão.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080204-57.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA
Advogados do(a) APELADO: GILSON VALVERDE DOMINGUES DA SILVA - SP200445-N, MARCELA CARVALHO DA SILVA - SP383347-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 24/12/2017 devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- Certidão de casamento da autora e de J. F. dos S., celebrado em 13/2/2009;
- CTPS da autora com vínculos entre 20/12/2006 a 25/6/2007 (rural);
- CTPS do esposo da autora com vínculos entre 1.º/10/1980 a 1.º/10/1981 (rural), 13/9/1982 a 21/12/1982 (rural), 11/3/1983 a 14/5/1983 (urbano), 4/7/1989 a 29/9/1989 (rural), 3/10/1989 a 9/4/1990 (rural), 16/4/1990 a 16/4/19991 (rural), 2/5/1991 a 30/6/1992 (rural), 8/7/1992 a 13/3/1993 (rural), 1/º/4/1993 a 31/10/1993 (rural), 1.º/5/1994 a 30/9/1994 (rural), 1.º/1/1995 a 10/7/1997 (rural), 8/1/1998 a 29/4/1999 (rural), 1.º/12/1999 a 1.º/8/2001 (rural), 1.º/10/2002 a 17/1/2003 (rural), 1.º/3/2003 a 30/4/2003 (rural), 1.º/6/2004 a 17/9/2004 (rural), 1.º/4/2005 a 22/5/2006 (rural), 1.º/10/2006 a 18/12/2006 (rural), 20/12/2006 a 25/6/2007 (rural), 28/8/2007 a 22/2/2008 (rural), 1.º/9/2008 a 1.º/5/2010 (rural), 1.º/10/2010 a 11/6/2012 (rural), 1.º/9/2015 a 30/11/2019 (rural);
- CNIS da autora com um único vínculo entre 20/12/2006 a 25/6/2007;
- Ficha médica da autora, atualizada em 28/11/2022, constando que mora na zona rural;
- Comunicação de que a aposentadoria por idade rural foi concedida ao cônjuge da autora;
- Requerimento de aposentadoria por idade rural apresentado pela autora em 26/7/2023, indeferido em razão de não ter cumprido o prazo mínimo de carência para a concessão do benefício.
Há prova testemunhal produzida nos autos.
A testemunha Antônio Garcia afirmou que conhece a autora há 25 anos, os conhece da fazenda, ela e o marido dela, a testemunha prestava serviço de veterinário. Via a autora no curral, tratava do gado, não sabe de ela trabalhar na agricultura. Nunca a viu trabalhando na cidade. O marido da autora sempre via trabalhando no meio rural, ela sempre o ajudava. Não vê ela trabalhando há aproximadamente um ano.
A testemunha Eduardo Gomes relatou que conhece a autora há 20 anos, ela sempre trabalhou na roça, tirando leite, limpando pasto, tratando de gado, cortando cana. Não sabe de ela ter trabalhado na cidade. A última vez que a viu trabalhando foi no ano anterior.
A testemunha Luiz Pinheiro aduziu que conhece a autora há mais de 20 anos, nesse período ela trabalhou na zona rural, ajudava o marido em todo o serviço rural, carpia, plantava cuidava de gado. Até o ano passado a autora trabalhou.
Em que pese a prova testemunhal confirme a atividade desempenhada pela parte autora é, por si só, insuficiente para atestar o reconhecimento do tempo de serviço rural alegado, porquanto inexistente indicativo material do trabalho campesino, exigido para a comprovação do labor sem registro, conforme balizas estabelecidas na legislação de regência e parâmetros consolidados na jurisprudência.
A autora contabiliza apenas um vínculo rural, por si só insuficiente para subsidiar a procedência do pedido. Visa utilizar os documentos do esposo para comprovar seu labor rural, em que pese tal possibilidade, verifica-se que o casamento ocorreu em 2009 e a aposentadoria foi requerida em 26/7/2023, logo, mesmo que admitida a utilização dos comprovantes de labor rural do cônjuge, a autora não teria completado 180 contribuições, dai advém a impossibilidade de concessão do benefício.
Além dos documentos do esposo, há ficha médica, atualizada em 2022 que consta que a autora mora na zona rural, a moradia por si só também não pode ser confundida com o efetivo labor rural. Em suma, não há prova documental suficiente de que a autora é trabalhadora rural.
Diante da inexistência de conjunto probatório consistente, representado por início de prova material corroborado por prova testemunhal, impossível reconhecer o exercício de atividade rural pela autora.
Importante ressaltar que a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.352.721/SP, em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou posição na linha de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício.
Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
À situação em questão – em relação à qual outrora se decretaria a improcedência do pedido – aplica-se, assim, o atual entendimento acima adotado.
De rigor, portanto, a extinção do processo tal como decidido pelo STJ no REsp 1.352.721/SP, porquanto ausente o início de prova material do exercício de atividade rural.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
Posto isso, de ofício, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV e § 3.º, do CPC, restando prejudicada a análise do recurso de apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- Para o reconhecimento do tempo de serviço de trabalhador rural, mister a conjugação do início de prova material com prova testemunhal (Artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, Súmula 149 do STJ e REsp 1.133.863/RN).
- Os documentos coligidos não podem ser considerados início de prova material do labor campesino.
- Ausente o início de prova material do exercício de labor campesino, a extinção do feito, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso IV), impõe-se de rigor diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.352.721/SP.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
