
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002185-37.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: NILDA PONTES
Advogado do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002185-37.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: NILDA PONTES
Advogado do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002185-37.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: NILDA PONTES
Advogado do(a) APELANTE: DANILA BALSANI CAVALCANTE - MS18297-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 18/9/2020, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- CTPS com vínculos entre 2/5/2013 a 3/9/2013 (rural) e de 22/6/2015 a 3/9/2015 (rural);
- Registro de nascimento dos filhos da autora, nascidos em 11/12/1984 e 11/7/1989 e, que consta que o pai era agricultor, no segundo registro a apelante também aparece como agricultora;
- Certidão eleitoral em que consta que a autora tem como ocupação o labor rural, datada de 4/12/2018;
- Requerimento de aposentadoria por idade rural apresentado em 18/9/2020 e indeferido
Há prova testemunhal produzida nos autos.
A testemunha Nilvo afirmou que conhece a autora há um pouco mais de trinta anos, ela sempre trabalhou rural, colheita de mandioca, carpida, hoje ela trabalha com Sergio Tarqueto, colheita de mandioca, ela já trabalhou em outros locais. Não sabe de ela ter trabalhado na cidade, também não trabalhou na usina. Ela já morou em Ivinhema, foi casada, teve filho. Separou tem uns oito anos,
A testemunha Isidoro relatou que conhece a autora há 18 ou 20 anos, ela trabalhou “rancando” mandioca, carpindo e tirando ramo, citou alguns empregadores. Trabalhou em Ivinhema um tempo, já trabalhou na usina. A autora e o esposo estão separados há uns 20 anos.
A autora afirmou que mora sozinha e trabalha na roça, desde que começou a aguentar trabalhar, tinha uns 8 anos de idade. Veio para cidade com 17 anos, depois de casar. Não sabe quando se separou, tem oito anos ou mais, tinham sítio lá, depois que separou foi par Ivinhema para procurar trabalho, trabalhou um tempo na usina. Depois trabalhou em uma madeireira, em 2015 mais ou menos. Nunca trabalhou na cidade, o serviço foi só em roça. Trabalha as vezes por diária, as vezes por sacola, as vezes empreita. Atualmente trabalha colhendo mandioca.
Em que pese a prova testemunhal confirme a atividade desempenhada pela parte autora é, por si só, insuficiente para atestar o reconhecimento do tempo de serviço rural alegado, porquanto inexistente indicativo material do trabalho campesino, exigido para a comprovação do labor sem registro, conforme balizas estabelecidas na legislação de regência e parâmetros consolidados na jurisprudência.
Foram registrados somente dois vínculos rurais em CTPS, o mais recente datado de cinco aos antes da apresentação do pedido administrativo, a certidão dos filhos data mais de trinta anos e em somente uma das hipóteses a autora é descrita como trabalhadora rural. Além disso, o registro na Justiça Eleitoral tem caráter meramente declaratório, não sendo suficiente para constituir prova em favor da autora.
Não há notas fiscais rurais, comprovantes de residência rural, registros fotográficos, nenhuma prova segura que ateste o labor rural, o conjunto probatório e escasso e insuficiente para comprovar o trabalho rural da apelante.
Diante da inexistência de conjunto probatório consistente, representado por início de prova material corroborado por prova testemunhal, impossível reconhecer o exercício de atividade rural pela autora.
Importante ressaltar que a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.352.721/SP, em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou posição na linha de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício.
Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
À situação em questão – em relação à qual outrora se decretaria a improcedência do pedido – aplica-se, assim, o atual entendimento acima adotado.
De rigor, portanto, a extinção do processo tal como decidido pelo STJ no REsp 1.352.721/SP, porquanto ausente o início de prova material do exercício de atividade rural.
Posto isso, de ofício, julgo extinto o feito, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV e § 3.º, do CPC, restando prejudicada a análise do recurso de apelação.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- Para o reconhecimento do tempo de serviço de trabalhador rural, mister a conjugação do início de prova material com prova testemunhal (Artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, Súmula 149 do STJ e REsp 1.133.863/RN).
- Os documentos coligidos não podem ser considerados início de prova material do labor campesino.
- Ausente o início de prova material do exercício de labor campesino, a extinção do feito, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso IV), impõe-se de rigor diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.352.721/SP.
ACÓRDÃO
JUÍZA FEDERAL CONVOCADA
