
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000269-38.2023.4.03.6107
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: RITA MARIA MESQUITA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA EMANUELLE FABRI - SP220105-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000269-38.2023.4.03.6107
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: RITA MARIA MESQUITA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA EMANUELLE FABRI - SP220105-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde a data do requerimento administrativo (30/1/2009).
O juízo a quo julgou extinguiu o feito, sem resolução de mérito ante a fragilidade da prova material.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000269-38.2023.4.03.6107
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: RITA MARIA MESQUITA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA EMANUELLE FABRI - SP220105-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 10/11/2018, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- CTPS com vínculos entre 18/2/2013 a 22/6/2013 (rural), 20/6/2013 a 31/8/2013 (rural) e de 15/4/2016 a 10/7/2016 (rural);
- Requerimento administrativo de aposentadoria por idade rural, apresentado em 30/1/2019, indeferido em razão do não cumprimento da carência necessária;
- CNIS com vínculos entre 18/2/2013 a 23/5/2013, 20/6/2013 a 31/8/2013 e de 15/4/2016 a 10/7/2016;
- Cálculo de tempo de contribuição elabora pelo INSS, reconhecido o tempo total de carência de 20 meses de atividade rural;
- Ficha cadastral de paciente em que a autora informou como profissão trabalhadora da cultura de cana-de-açúcar, sem data especificada.
Há prova testemunhal produzida nos autos em que os ouvidos afirmam ser a autora trabalhadora do campo.
Em que pese a prova testemunhal confirme a atividade desempenhada pela parte autora é, por si só, insuficiente para atestar o reconhecimento do tempo de serviço rural alegado, porquanto inexistente indicativo material do trabalho campesino, exigido para a comprovação do labor sem registro, conforme balizas estabelecidas na legislação de regência e parâmetros consolidados na jurisprudência.
Há registro em CTPS de somente três vínculos rurais de períodos curtos. Mesmo se contabilizado como termo inicial dos vínculos rurais, no lapso temporal de 2013 a 2018, teriam transcorrido somente 60 meses.
A ficha médica apresentada é oriunda de declaração unilateral da autora, que sequer indica o dia em que foi informado ser trabalhadora rural.
Ademais, conforme bem pontuado pelo juízo a quo, não há documentos recentes, de data próxima a apresentação do requerimento administrativo, que indiquem o labor rural.
Diante da inexistência de conjunto probatório consistente, representado por início de prova material corroborado por prova testemunhal, impossível reconhecer o exercício de atividade rural pela autora.
Importante ressaltar que a Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp nº 1.352.721/SP, em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, de Relatoria do Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, firmou posição na linha de que a ausência de prova material apta a comprovar o exercício de atividade rural implica a extinção do processo, sem resolução de mérito, por falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido, possibilitando ao segurado o ajuizamento de nova demanda, caso reúna os elementos necessários à concessão do benefício.
Confira-se, a propósito, a ementa do aludido julgado:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
À situação em questão – em relação à qual outrora se decretaria a improcedência do pedido – aplica-se, assim, o atual entendimento acima adotado.
De rigor, portanto, a extinção do processo tal como decidido pelo STJ no REsp 1.352.721/SP, porquanto ausente o início de prova material do exercício de atividade rural.
Majoro a condenação ao pagamento de honorários fixados pelo juízo a quo em 2%, com base no art. 85, § 11, do CPC, observada a suspensão de exigibilidade decorrente do deferimento da gratuidade da justiça.
Posto isso, nego provimento a apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. RESP REPETITIVO 1.352.721/SP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
- Para o reconhecimento do tempo de serviço de trabalhador rural, mister a conjugação do início de prova material com prova testemunhal (Artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, Súmula 149 do STJ e REsp 1.133.863/RN).
- Os documentos coligidos não podem ser considerados início de prova material do labor campesino.
- Ausente o início de prova material do exercício de labor campesino, a extinção do feito, sem resolução do mérito (CPC, art. 485, inciso IV), impõe-se de rigor diante do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.352.721/SP.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
