Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6230929-17.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
14/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/05/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A
TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO
PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO
CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- No caso em tela, os documentos coligidos aos autos e a consulta atualizada ao CNIS
descaracterizam o regime de economia familiar (art. 11, VII, § 1.º, da Lei de Benefícios).
- A prova produzida é insuficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6230929-17.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: JUSTO MARQUES NETO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogados do(a) APELANTE: ANTONINO JORGE DOS SANTOS GUERRA - SP190872-N,
FABIANO LAINO ALVARES - SP180424-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6230929-17.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: JUSTO MARQUES NETO
Advogados do(a) APELANTE: ANTONINO JORGE DOS SANTOS GUERRA - SP190872-N,
FABIANO LAINO ALVARES - SP180424-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural,
prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido formulado.
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença, sustentando, em síntese, o
cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão pretendida, desde o requerimento
administrativo.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6230929-17.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: JUSTO MARQUES NETO
Advogados do(a) APELANTE: ANTONINO JORGE DOS SANTOS GUERRA - SP190872-N,
FABIANO LAINO ALVARES - SP180424-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts.
39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de
1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha
que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a
concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural
deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do
pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou
para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do
benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve
comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de
Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício
laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n.º 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos
rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante
15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como
segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a
uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2
(dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na
Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu
nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu
art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º
8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e,
em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor
equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro
de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991;
II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado
por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016
a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a
12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra
permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria
por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que
de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por
tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício
pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em
05/07/2017, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
O autor sustenta que “iniciou sua vida de trabalhador rural aos 12 anos de idade, juntamente
com seus pais, na condição de volante, ou seja, cada semana trabalhava em uma fazenda”. (ID
n.º 110032406 - Pág. 1).
Afirma que “após seu casamento, mais precisamente no ano de 1986, foi contratado pelo Sr.
Adão Marques, para trabalhar no Sítio São Benedito, em serviços agrícolas diversos, sendo
certo que, trabalhou nessa condição até o ano 2000. A partir de 2000, o Autor arrendou a
propriedade do Sr. Adão Marques; que, em 2012, recebeu em doação o imóvel rural do. Sr.
Adão Marques, onde permanece trabalhando até os dias atuais”. (ID n.º 110032406 - Pág. 1).
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- título eleitoral, emitido em 1975, constando a profissão do autor como a de “tratorista”;
- certificado de dispensa de incorporação, emitido em 1977, constando o domicílio no município
de óleo/SP, sem registro da profissão do autor;
- cópia da CTPS, com registro de apenas um vínculo empregatício, sendo este de natureza
rural, para o empregador ADÃO MARQUES, no cargo de “serviços diversos” em
estabelecimento agrícola localizado na zona rural – “SÍTIO SÃO BENEDITO”, no ano de 1986
(sem data de saída);
- cópia do Contrato de Arrendamento Agrícola firmado em 2000, constando como arrendadores:
o Sr. ADÃO MARQUES e sua esposa MAFALDA PELLISSARI MARQUES e como
arrendatários: o autor e sua esposa VILMA LÚCIA BERTALIA MARQUES, tendo por objeto um
imóvel agrícola denominado FAZENDA SÃO BENEDITO, com área total de 191,6 há, localizado
no bairro do Lajeado, distrito de Batista Botelho, integrante do município de Óleo- São Paulo,
cadastrado no INCRA, sendo que o referido contrato de arrendamento abrange a área de 48,4
ha, a ser explorada pelos arrendatários com “plantio de cereais, plasticultura, 5000 pés de café
em franca produção”. O referido contrato entrou em vigor em 01/05/2000, por prazo
indeterminado;
- cópia do Contrato de Arrendamento Agrícola firmado em 2007, constando como arrendadores:
o Sr. ADÃO MARQUES e sua esposa MAFALDA PELLISSARI MARQUES e como
arrendatários: o autor e sua esposa VILMA LÚCIA BERTALIA MARQUES, tendo por objeto um
imóvel agrícola denominado FAZENDA SÃO BENEDITO, com área total de 191,6 há, localizado
no bairro do Lajeado, distrito de Batista Botelho, integrante do município de Óleo- São Paulo,
cadastrado no INCRA.
O referido contrato de arrendamento entrou em vigor em 01/08/2007, por prazo de dez anos e
abrange a área de 62,9 ha, a ser explorada pelos arrendatários com: 25,0 ha de eucalipto, 7,2
ha de eucalipto (velho), 3,8 ha de café, 5,0 ha de terras inaproveitáveis, 7,5 ha de terras para o
plantio de culturas, 14,4 ha de terras de pasto para pecuária.;
- cópia da escritura de doação com reserva de usufruto vitalício firmado em 2012, do imóvel
agrícola denominado FAZENDA SÃO BENEDITO, com área total de 191,6 ha (com 9,58
módulos fiscais), localizado no bairro do Lajeado, distrito de Batista Botelho, integrante do
município de Óleo- São Paulo, cadastrado no INCRA, contando com as seguintes benfeitorias:
(sic) “03 casas e 01 tulhas de tábuas, 01 paiol, 01 terreiro ladrilhado”, constando como
doadores: o Sr. ADÃO MARQUES e sua esposa MAFALDA PELLISSARI MARQUES e como
donatários: o autor (qualificado como agricultor) e sua esposa VILMA LÚCIA BERTALIA
MARQUES;
- notas fiscais de produtor rural, emitidas em nome do requerente, desde 1986, comprovando a
venda da produção agrícola (soja, pimentão, berinjela, café, milho, tomate, pepino, lenha de
eucalipto), bem como de gado bovino (vacas e garrotes) da FAZENDA SÃO BENEDITO;
- comprovante de que o benefício de aposentadoria por idade rural requerido pelo autor (em
07/07/2017) foi indeferido na esfera administrativa.
Interessante observar que o documento de identificação do demandante (fls. 12) revela como
genitores: Sr. ADÃO MARQUES e sua esposa MAFALDA PELLISSARI MARQUES.
O extrato da consulta ao CNIS em nome da parte autora não aponta qualquer vínculo de
emprego rural (ID n.º 110032454 - Pág. 1), em que pese a CTPS ter indicado contrato de
trabalho firmado com seu genitor (Sr. ADÃO MARQUES) a partir de 1986, sem data de saída.
Na peça contestatória, o INSS afirma ter encontrado registro de empresa com o mesmo nome
do autor, em Bernardino de Campos (Comarca razoavelmente perto de Piraju/SP), tendo por
objeto “Comércio Atacadista de Mercadorias em Geral, com predominância de insumos
agropecuários e comércio varejista de quinquilharias para uso na agricultura”; que está situada
na Rua Floriano Peixoto, 620, Centro, Bernardino de Campos/SP, é constituída desde
01/09/1992, atuando sob o CNPJ 68.305.655/0001-01.
A Autarquia Previdenciária encontrou, ainda, “o registro de duas ações propostas contra a
esposa do autor em Bernardino de Campos/SP”, a saber: as execuções fiscais n.º 1002321-
21.2017.8.26.0452 e n.º 0002524-39.2013.8.26.0452, que versam sobre o pagamento de ISS
–Imposto Sobre Serviço. As CDA’s indicam domicílio na Avenida Coronel Guilherme Arruda
Castanho, 30, Centro, Bernardino de Campos/SP. A esposa do autor é qualificada como
“costureira”, em 2017, na Certidão de Dívida Ativa.
A parte autora teve a oportunidade de se manifestar a respeito das alegações do INSS, ocasião
em que reiterou as afirmações da inicial, deixando de se pronunciar sobre as diversas
apurações da Autarquia (ID n.º 110032460- Págs. 01 a 04).
Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 21/03/2019 perante o
MM. Juízo da 1.ª Vara da Comarca de Piraju/SP.
Da oitiva das mídias constantes do PJe, é possível verificar que, em seu depoimento pessoal, o
autor afirmou que trabalha como lavrador desde a mais tenra idade, em regime de economia
familiar, na fazenda da família e que não conta com a ajuda de empregados. Indagado pelo
Juízo, afirmou que somente raramente contrata trabalhadores diaristas (boias frias).
As testemunhas ABEL LEITE e JOÃO BATISTA BRAITE confirmaram o alegado labor
campesino do requerente, em regime de economia familiar, no cultivo de soja, milho e eucalipto,
e relataram que o autor mora e trabalha na FAZENDA SÃO BENEDITO, sem o auxílio de
empregados (só com a ajuda da família).
Nas razões de apelação, o autor reitera a afirmação de que (sic) “sempre exerceu atividade
remunerada como lavrador, sendo certo que, desde 1986 trabalha em regime de economia
familiar” e chama atenção para os seguintes fatos, in verbis:
“(...) o Juízo a quo foi induzido a erro pelo documento de fls. 102 anexado na contestação do
Instituto-Apelado.
Ao analisarmos o documento de fls. 113, constata-se que se trata de empresa de pequeníssimo
porte, cujo capital social é pífio, que foi aberta pelo primo do Apelante, que tem o mesmo nome.
Trata-se de homônimo, pois, tanto os pais do primo como o do Apelante quiseram homenagear
o avô.
Isso tanto é verdade que segue em anexo a este recurso xerocópia do CPF e do RG do primo
do Apelante, visando demonstrar que a pequena firma individual nunca pertenceu ao Apelante.
Conforme se observa pela ficha cadastral do CNPJ n.º 68.305.655/0001-01 em anexo (doc. 01),
verifica-se que a firma mencionada pelo INSS, que induziu o R. Juízo a equívoco, pertence ao
CPF de nº 797.737.408-87 (doc. 02), que é do primo do Apelante.
Assim sendo, a empresa mencionada nos autos, jamais pertenceu ao Apelante.
Ainda, ficou demonstrado nos autos que o Apelante sempre exerceu atividade remunerada
como lavrador, e após 1986, trabalhou somente em regime de economia familiar.
Com relação à empresa de costura em nome da esposa do Apelante, esclarecemos que, é de
fácil percepção, pelos documentos anexados aos autos, que tal empresa é de pequeníssimo
porte, e teve duração de 01 (um) ano e alguns meses. Tempo este que não serve para
descaracterizar uma vida de trabalho rural.
Destaca-se que na mencionada empresa de costura somente trabalhava a esposa do Apelante,
ou seja, sem funcionários, e tal empresa apenas foi aberta por orientação de contador, visando
o recolhimento previdenciário.
O Apelante deixa claro que, após 1 (um) ano sua esposa parou com a costura e voltou a ajudá-
lo, trabalhando na lavoura.
Importante observar que o documento de fls. 114, anexado pela própria Autarquia em sua
contestação confirma que o Apelante e sua esposa são produtores rurais de pequeno porte.
Logo, está havendo um excesso de rigor, pois o Apelante nunca foi comerciante urbano, mas
tão somente comercializa, em pequena escala, os alimentos que produz no campo.
Em assim sendo, o R. Juízo foi induzido ao equívoco, haja vista que não houve, em momento
algum, a descaracterização do labor campesino.” (ID n.º 110032496- Págs. 03 e 04 -g.n.).
Da análise da documentação apresentada pela autarquia, verifica-se que o registro da empresa
apontada pelo INSS como tendo por objeto o “comércio atacadista de mercadorias em geral,
com predominância de insumos agropecuários e comércio varejista de quinquilharias para uso
na agricultura” foi constituída em 01/09/1992, sob o CNPJ n.º 68.305.655/0001-01, situada na
Rua Floriano Peixoto, 620, Centro, Bernardino de Campos/SP, com o mesmo nome do autor
(JUSTO MARQUES NETO).
Ocorre que o apelante logrou comprovar que essa empresa foi aberta por seu primo, que
também é chamado pelo nome de JUSTO MARQUES NETO, mas é portador do CPF de nº
797.737.408-87, tratando-se de homônimo (pessoa estranha à lide). Restou esclarecido que
tanto os pais do primo como os genitores do autor homenagearam o avô JUSTO MARQUES.
Por outro lado, há comprovação nos autos de que o autor e sua esposa são produtores rurais e
que o apelante (inscrito no CPF n.º 114.407.098-82) figura como sócio e administrador da
empresa “JUSTO MARQUES NETO E OUTRA”, inscrita no CNPJ sob o n.º 08.589.191/0001-
80, com o endereço na “FAZENDA SÃO BENEDITO”, localizada na zona rural do município de
Óleo, em São Paulo, tendo por atividade econômica principal a “criação de bovinos para corte”
e como atividades econômicas secundárias: “horticultura, exceto morango”, bem como o “cultivo
de eucalipto e de milho” (ID n.º 110032452 - Pág. 1).
No que concerne ao tamanho da propriedade pertencente ao autor, cumpre mencionar que o
art. 11, inciso VII, alínea “a”, item 1 da Lei de Benefícios dispõe que segurado especial é “a
pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que,
individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de
terceiros, na condição de produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado,
parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade
agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais” (g.n.).
Insta salientar que o conceito de módulo fiscal foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro
por meio da Lei n.º 6.746/79, que alterou a Lei n.º 4.504/64 - Estatuto da Terra - norma que
regula os direitos e obrigações relativos aos imóveis rurais, para os fins de execução da reforma
agrária e promoção da política agrícola nacional.
Nesse contexto, módulo fiscal é uma unidade de medida de área, expressa emhectares e fixada
diferentemente para cada município, levando em consideração as peculiaridades locais, tais
como: o tipo de exploração predominante no município (hortifrutigranjeira, cultura permanente,
cultura temporária, pecuária ou florestal), a renda obtida com essa exploração predominante;
outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas
em função da renda ou da área utilizada e o conceito de propriedade familiar (art. 4.º, II, Lei n.º
4.504/64).
Assim, o módulo fiscal corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que
sua exploração seja economicamente viável. O tamanho do módulo fiscal para cada município
está fixado através de Instruções Especiais (IE) expedidas pelo INCRA.
No caso em tela, a cópia da escritura de doação ao autor, datada de 2012, revela que o imóvel
agrícola denominado “FAZENDA SÃO BENEDITO”, localizado no bairro do Lajeado, distrito de
Batista Botelho, integrante do município de Óleo- São Paulo, tem área total de 191,6 hectares,
correspondentes a 9,58módulos fiscais, contando com as seguintes benfeitorias: (sic) “03 casas
e 01 tulhas de tábuas, 01 paiol, 01 terreiro ladrilhado.
Diante dessas considerações, há descaracterização da economia familiar em razão da
extensão da propriedade, pois o total da área pertencente ao autor e sua esposa tem
correspondência muito superior ao limite legal disposto na legislação de regência (equivalente a
4 módulos fiscais – ex vi art. 11, inciso VII, alínea “a”, item 1 da Lei de Benefícios).
Nesse aspecto, cabe trazer à colação o entendimento jurisprudencial desta Corte quando do
julgamento, em 13/06/2016, da Apelação Cível n.º 0018257-05.2015.4.03.9999/SP, de Relatoria
do Excelentíssimo Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS, in verbis:
“... as circunstâncias do caso tornam totalmente incompatíveis a condição de regime de
economia familiar, porque a parte autora possuía plena capacidade contributiva de recolher
contribuições à previdência social como produtora rural... A lei não permite o reconhecimento de
segurado especial quando proprietário de imóvel superior a 4 (quatro) módulos fiscais da
região, nos termos do artigo 11, VII, “a”, item 1, da Lei 8.213/91. Enfim, a soma das
circunstâncias indica que não se trata de economia de subsistência, afigurando-se absurda a
concessão do benefício não contributivo neste caso...”
Oportuno assinalar que há notícia de que, em 17/10/2019 (durante o trâmite do presente feito),
foi realizada audiência de instrução e julgamento nos autos do processo n.º 1002963-
39.2018.8.26.0452, que também tramita perante o MM. Juízo da 1.ª Vara Cível de Piraju/SP.
Na referida audiência, foi colhido o depoimento pessoal da autora (Sra. MARIA MADALENA DE
JESUS ANDRADE), no qual relatou que “vem trabalhando normalmente para o Sr. JUSTO
MARQUES NETO, e que ele é seu patrão; que ele paga o salário mensalmente; que há
aproximadamente 30 empregados na propriedade.” (g.n.).
Por sua vez, a testemunha ABEL LEITE (que também foi testemunha no presente feito e
afirmou que o autor trabalhava sem auxílio de ajudantes ou empregados) declarou, na
audiência realizada em 17/10/2019, nos autos do processo n.º 1002963- 39.2018.8.26.0452,
que “a Sra. MARIA MADALENA é empregada do Sr. JUSTO MARQUES NETO; que ela mora e
trabalha na propriedade dele; que há aproximadamente dez empregados na propriedade.”
Por fim, a testemunha LÁZARO MARTIMIANO disse que “também é empregado do Sr. Justo
Marques Neto, e que a autora trabalha lá há 15 anos; que o Sr. JUSTO é o patrão e quem dá
ordens aos empregados.” (g.n.)
O depoente afirmou que “teve CTPS assinada até se aposentar, e, quando se aposentou, foi
dada baixa em sua CTPS, porém continuou e continua trabalhando normalmente na
propriedade.”
Nesse contexto, foram coletadas informações da localização do imóvel rural mencionado nos
autos do processo n.º 1002963- 39.2018.8.26.0452, tendo sido apurado que a propriedade está
localizada no Bairro do Caracol, no Município de Óleo/SP, sendo acessível por meio da rodovia
que liga Batista Botelho a Bernardino de Campos, o que se coaduna com as descrições da
propriedade rural do apelante.
Cabe mencionar que o resultado da pesquisa no CNIS em nome da Sra. MARIA MADALENA
DE JESUS ANDRADE confirma as afirmações da condição de empregada do Sr. JUSTO
MARQUES NETO (ora apelante) de 01/03/2011 até 12/2018.
Frise-se, ainda, que o extrato do CNIS em nome do Sr. LÁZARO MARTIMIANO também revela
que ele foi empregado do Sr. JUSTO MARQUES NETO de 01/03/2011 a 06/2017, ou seja, até
dois meses antes do referido segurado se aposentar por idade.
Em face dessas constatações, em que pese a prova testemunhal confirmar genericamente a
atividade rural desempenhada pelo demandante, por si só, é insuficiente para acolher a
pretensão do autor, porquanto produzida prova em contrário, descaracterizando o trabalho
familiar em auxílio mútuo para fins de subsistência, nos termos do art. 11, inciso VII, § 1., da Lei
de Benefícios (“entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho
dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e
colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”).
Registre-se não ser caso de aplicar o decidido no REsp n.º 1.352.721/SP e extinguir o processo
sem resolução do mérito porque, diferentemente da situação em que o início de prova
documental é inexistente ou frágil, no caso em análise o conjunto probatório foi robusto no
sentido de descaracterizar o regime de economia familiar, o que leva ao decreto de
improcedência.
De rigor, portanto, amanutenção da sentença para indeferimento do pleito, tendo em vista que a
prova produzida é insuficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
Posto isso, nego provimento à apelação.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A
TRABALHADOR RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA
NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO
CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- No caso em tela, os documentos coligidos aos autos e a consulta atualizada ao CNIS
descaracterizam o regime de economia familiar (art. 11, VII, § 1.º, da Lei de Benefícios).
- A prova produzida é insuficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
