
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6246698-65.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRANI FULANETTI GAVIOLI
Advogados do(a) APELADO: MARCIA GARDENAL DE SOUZA - SP382218-N, CAROLINE DE SOUZA PAZIAN - SP381944-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 6246698-65.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRANI FULANETTI GAVIOLI
Advogados do(a) APELADO: MARCIA GARDENAL DE SOUZA - SP382218-N, CAROLINE DE SOUZA PAZIAN - SP381944-N
OUTROS PARTICIPANTES:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 16/05/2015, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- cópia da escritura de compra e venda, lavrada em 01/06/1983, relativamente ao móvel rural denominado “Sítio Boa Esperança”, com 20 alqueires, em nome do autor (qualificado como “pecuarista”);
- cópia da escritura de compra e venda, lavrada em 01/06/1983, relativamente ao móvel rural denominado “Sítio São Pedro”, com 14,40 alqueires, em nome do autor (qualificado como “pecuarista”);
- cópia da escritura de compra e venda, lavrada em 01/06/1983, relativamente ao móvel rural denominado “Sítio São Jorge”, com 15 alqueires, em nome do autor (qualificado como “pecuarista”);
- cópia da escritura de compra e venda, lavrada em 01/06/1983, relativamente ao móvel rural denominado “Sítio São João”, com 22,75 alqueires, em nome do autor (qualificado como “pecuarista”);
- diversas cópias de notas fiscais de produtor rural em nome do requerente, comprovando a venda de gado nos anos de 1986/1987/1989/1990/1991/1994/1995/1999/2000/2001/2002/2003/2007/2009/2010/2015/2016/2017;
- comprovante de pagamento do ITR relativamente ao imóvel rural denominado “Sítio Boa Esperança”, emitido em nome do autor, nos anos de 1999 a 2016;
- cópia do certificado de cadastro de imóvel rural – CCIR do “Sítio Boa Esperança”, em nome do autor, em relação aos anos de 1998 a 2017;
- comprovante de que o benefício de aposentadoria por idade rural requerido pela autora (em 07/03/2017) foi indeferido na esfera administrativa, sob a alegação de “falta de comprovação da atividade rural em números de meses idênticos à carência do benefício”.
Na peça contestatória, o INSS alega que o autor não pode ser enquadrado como trabalhador rural, tampouco segurado especial, ainda que praticasse atividade rural, porque o fazia distante da qualidade de pequeno produtor rural.
A autarquia previdenciária informou que “o autor se qualifica nas escrituras públicas como PECUARISTA. Nos autos há registros de quatro propriedades rurais, totalizando 72 alqueires paulista.” (ID n.º 111154347- Pág. 4).
Salientou, outrossim, que “os valores das notas fiscais variam de 6 mil a 36 mil reais
.
” Assim, “não se trata de pequeno trabalhador rural em economia de subsistência, mas de produtor rural, proprietário de terras, comerciante do campo, que pode e tem dever legal de contribuir para se aposentar.” (ID n.º 111154347- Pág. 4).O autor teve a oportunidade de se manifestar a respeito das alegações do INSS e reiterou a hipossuficiência afirmada, argumentando que “as alegações ofertadas pela requerida não condizem com a realidade fática do postulante, vez que de seu trabalho retira apenas o necessário à própria mantença e de sua família, pedido este corroborado pela prova documental acostada que afasta a alegada “negociação de gado com bons rendimentos”. (ID n.º 111154351- Pág. 2).
Afirmou, ainda, ser “filho de pequenos pecuaristas, cuja subsistência sempre derivou da criação de poucas cabeças de gado para venda, e prova inequívoca disto, é que de todo esse tempo atuando nesse ramo, não amealhou grandes fortunas; que “nunca exerceu atividade empresarial rural”; que “já ocupava a condição de segurado especial da Previdência Social desde tenra idade, pois trabalhava no campo, junto de seus pais e irmãos desde a mocidade, vindo a tornar-se proprietário das quatro propriedades da família mais tardiamente, especificamente no ano de 1983, quando o autor já contava com a idade de 28 anos” (ID n.º 111154351- Págs. 3 e 4).
Cabe destacar a existência de prova oral. A audiência foi realizada no dia 01/02/2019 perante o MM. Juízo da 2.ª Vara da Comarca de Penápolis/SP. As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há muitos anos e afirmam o alegado labor rural.
O valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar, é inconteste.
Consta do CNIS que o autor trabalhou como empregado do Município de Luziânia de 01/08/1985 a 31/12/1985 e que, a partir de 31/12/2007, está cadastrado como "segurado especial".
No entanto, o extrato atualizado do CNIS comprova a existência das propriedades rurais abaixo relacionadas em nome do requerente:
- SÍTIO SÃO JOÃO - localizado no município de Braúna/SP - Área total (ha): 55,60 - quantidade de módulos fiscais:1,86;
- SÍTIO BOA ESPERANÇA - localizado no município de Braúna/SP - Área total (ha): 62,30 - quantidade de módulos fiscais: 2,08;
- SÍTIO SÃO PEDRO - localizado no município de Braúna/SP - Área total (ha): 34,80 - quantidade de módulos fiscais: 1,16;
- SÍTIO SÃO JORGE - localizado no município de Braúna/SP - Área total (ha): 36,30 - quantidade de módulos fiscais: 1,21.
A soma das propriedades rurais titularizadas pelo demandante totaliza uma área compreendida por
6,31
módulos fiscais – o que supera o limite legal de 4 módulos fiscais para sua qualificação como segurado especial em regime de economia familiar.O endereço indicado na inicial como de residência do autor é Rua Floriano Peixoto, n.º 749,
Centro
, Braúna/SP. A consulta ao CNIS (em 01/12/2020) indica o mesmo endereço.Paralelamente a esses dados, a pesquisa ao
cadastro de empresas
em nome do demandante indica quatro registros, conforme se transcreve a seguir:- CNPJ n.º 07.900.884/0002-60 - razão social: IRANI FULANETTI GAVIOLI - data de início da atividade: 27/03/2006 - situação: ATIVA - endereço:
SÍTIO BOA ESPERANCA
S/N - localizado em Perobal, no município de Braúna/SP - natureza jurídica: PRODUTOR RURAL - CNAE: 0151.2/01 - CRIACAO DE BOVINOS PARA CORTE;CNPJ n.º 07.900.884/0001-80 - razão social: IRANI FULANETTI GAVIOLI - data de início da atividade: 27/03/2006 - situação: ATIVA - endereço:
SÍTIO SÃO PEDRO
S/N - localizado em Perobal, no município de Braúna/SP - natureza jurídica: PRODUTOR RURAL - CNAE: 0151.2/01 - CRIACAO DE BOVINOS PARA CORTE;- CNPJ n.º 07.900.884/0003-41 - razão social: IRANI FULANETTI GAVIOLI - data de início da atividade: 27/03/2006 - situação: ATIVA - endereço:
SÍTIO SÃO JOÃO
S/N - localizado em Perobal, no município de Braúna/SP - natureza jurídica: PRODUTOR RURAL - CNAE: 0151.2/01 - CRIACAO DE BOVINOS PARA CORTE;- CNPJ n.º 07.900.884/0004-22 - razão social: IRANI FULANETTI GAVIOLI - data de início da atividade: 27/03/2006 - situação: ATIVA - endereço:
SÍTIO SÃO JORGE
S/N - localizado em Perobal, no município de Braúna/SP - natureza jurídica: PRODUTOR RURAL - CNAE: 0151.2/01 - CRIACAO DE BOVINOS PARA CORTE.
Nesse diapasão, a pesquisa revela que, além de produtor rural - "criação de bovinos para corte", o autor é empresário.
Diante dessas considerações, em que pese a prova testemunhal confirmar a atividade rural desempenhada pela parte autora, em regime de economia familiar, é, por si só, insuficiente para acolher a pretensão do requerente, porquanto produzida prova em contrário, descaracterizando o trabalho familiar em auxílio mútuo para fins de subsistência, nos termos do art. 11, inciso VII, § 1. , da Lei de Benefícios (“entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes”).
Registre-se não ser caso de aplicar o decidido no REsp n.º 1.352.721/SP e extinguir o processo sem resolução do mérito porque, diferentemente da situação em que o inicio de prova documental é inexistente ou frágil, no caso em análise o conjunto probatório foi robusto no sentido de descaracterizar o regime de economia familiar, o que leva ao decreto de improcedência.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício. Por fim, quanto ao pedido do INSS para devolução dos valores pagos desde o deferimento da tutela antecipada, esse debate não foi definitivamente julgado pelos Tribunais Superiores, havendo, neste momento, dois temas relativos a essa questão em julgamento no Superior Tribunal de Justiça, quais sejam, os temas 692 (possibilidade da devolução de valores recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada) e 979 (devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social). Em ambos os julgamentos, há determinação pelo Superior Tribunal de Justiça de suspensão do andamento das ações individuais e coletivas que digam respeito aos temas.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação do INSS, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado, revogando-se a tutela concedida. Prejudicada, por ora, a apreciação do pedido de devolução dos valores pagos, em cumprimento à referida determinação do STJ.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do art. 98, § 3.º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
É o voto.
AUDREY GASPARINI
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL.
EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO.
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE
DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- No caso em tela, os documentos coligidos aos autos e a consulta atualizada ao CNIS descaracterizam o regime de economia familiar (art. 11, VII, § 1.º, da Lei de Benefícios).
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado. Revogada a tutela concedida.
- Prejudicada, por ora, a apreciação do pedido de devolução dos valores pagos, em cumprimento à determinação do STJ de suspensão do andamento das ações individuais e coletivas que digam respeito aos Temas 692 e 979.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e revogar a tutela concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
