Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0001304-77.2016.4.03.6006
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
27/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 01/06/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A
TRABALHADORA RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA
NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE
RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS DE
BOA-FÉ PELA BENEFICIÁRIA.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- A prova produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício
vindicado.
- Indevida a cobrança de valores percebidos pela autora a título de aposentadoria por idade, visto
que a autarquia ré não logrou êxito em afastar a presunção de boa fé na percepção do benefício.
Precedente do STJ (Tema 979).
- Apelações da autora e do INSS improvidas.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001304-77.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA MARIA SOARES
PEREIRA
Advogados do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A, LEANDRO
FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N
APELADO: ANA MARIA SOARES PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELADO: LEANDRO FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N,
THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001304-77.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA MARIA SOARES
PEREIRA
Advogados do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A, LEANDRO
FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N
APELADO: ANA MARIA SOARES PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELADO: LEANDRO FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N,
THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando o restabelecimento do benefício de aposentadoria por idade a
trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, desde o dia seguinte à data de
cessação do benefício (30/04/2016). Pleiteia a suspensão de cobrança administrativa, referente
a valores supostamente indevidos.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, “para determinar ao INSS
que se abstenha de cobrar da parte autora qualquer valor referente ao benefício cessado (
aposentadoria por idade NB 150.228.001-6)”.
O INSS apela, requerendo a reforma parcial da sentença, sustentando “serem exigíveis os
valores cobrados pela Autarquia, a fim de obter ressarcimento pelo período em que o benefício
foi indevidamente pago”.
A parte autora também apela, sustentando, em síntese, o cumprimento dos requisitos legais
necessários à concessão pretendida e pleiteando a reforma da sentença para que seja
concedido o benefício, com o pagamento dos valores retroativos desde o dia seguinte à data de
cessação do benefício.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001304-77.2016.4.03.6006
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANA MARIA SOARES
PEREIRA
Advogados do(a) APELANTE: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A, LEANDRO
FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N
APELADO: ANA MARIA SOARES PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELADO: LEANDRO FERNANDES DE CARVALHO - SP154940-N,
THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Tempestivos os recursos e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao
exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts.
39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de
1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha
que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a
concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural
deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do
pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou
para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do
benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve
comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de
Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício
laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos
rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante
15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como
segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a
uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2
(dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na
Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu
nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu
art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º
8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e,
em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor
equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro
de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991;
II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado
por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016
a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a
12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra
permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria
por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que
de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por
tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício
pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em
08/10/2002, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 126 meses.
A autora afirma que “por toda a vida laborou como trabalhadora rural”; que “nunca teve vínculo
urbano”. Argumenta que “trabalhou como segurada especial diarista/boia-fria, em fazendas e
lavouras na região de Naviraí, dentre elas: Arrendamento dos Alagoanos, Fazenda Santa
Terezinha, Fazenda do Sakae, Santa Inês e outras, em lavouras de algodão, soja, feijão,
mandioca, milho e outras, para o sustento próprio e de sua família.”
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- certidão de nascimento da autora, em 1947, em Minas Novas - Minas Gerais, sem a
qualificação de seus genitores;
- declaração de atividade rural emitida em 29/11/2010 pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais
de Naviraí/MS, em nome da autora, em que consta o exercício de atividade rural no período de
01/01/1980 a 30/12/2004, em regime de trabalho: “individualmente”, na condição de
“diarista/boia fria”, especificando que (sic) “a segurada trabalhou na lavoura, sem registro, em
diversas propriedades rurais para diversos patrões, no município de Naviraí”;
- cópia da “ficha geral de atendimento ambulatorial”, emitida pela Prefeitura de Naviraí,
registrando a profissão de trabalhadora rural;
- cópia do cadastro de pessoa física da empresa “Jubilar Móveis”, no qual foi anotada a
profissão da autora como sendo agricultora/trabalhadora rural;
Com relação aos documentos constantes dos autos, cabe ressaltar que, até a edição da Lei n.º
13.846, de 18/06/2019, que alterou o artigo 106 da Lei n.º 8.213/91, revogando o inciso III, a
Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais constituía início de prova material da
comprovação do exercício de atividade rural, desde que homologada pelo órgão competente.
No presente caso, a autora juntou a Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Naviraí/MS, sem homologação do órgão competente, não podendo ser considerada como início
de prova documental, equivalendo a simples depoimento unilateral reduzido a termo e não
submetido ao crivo do contraditório.
Causa espécie o longo período “reconhecido” pelo mencionado Sindicato (de 1980 a 2004),
apesar da ausência de prova documental que comprovasse o exercício de labor rural.
Insta salientar que o documento foi emitido em 29/11/2010 (logo após a data de entrada do
requerimento do benefício no INSS – que ocorreu em 21/10/2010), o que sugere ter sido
produzido apenas com o intuito de instruir o procedimento administrativo para concessão do
aludido benefício.
Assim, insuficiente o valor probatório da documentação em questão. Confira-se o entendimento
jurisprudencial desta Corte:
“PREVIDENCIÁRIO. RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PROVA DOCUMENTAL E
TESTEMUNHAL INSUFICIENTES. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS. PERÍODO DE
CARÊNCIA NÃO CUMPRIDO.
- Não há nos autos provas suficientes que justifiquem o reconhecimento do exercício de
atividade rural para efeito de aposentadoria por idade.
(...) - A declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, informando que o cônjuge é
trabalhador rural, não foi homologada pelo órgão competente, portanto, não pode ser
considerada como prova material da atividade rurícola alegada.
(...) - Não resta comprovada a alegada condição de trabalhador rural.
- Não houve cumprimento dos requisitos dos arts. 142 e 143 da Lei n.º 8.213/91, segundo os
quais, ainda que descontínuo esse trabalho deve corresponder ao período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência. (...)”
(TRF/3.ª Região – AC n.º 5026560-15.2018.4.03.9999 – Relatora: Desembargadora Federal
Tânia Marangoni – 8.ª TURMA, Julgado em 08/11/2018 – g.n.).
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
IMÓVEL RURAL ACIMA DE 4 (QUATRO) MÓDULOS FISCAIS. DESCARACTERIZAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA CONHECIDA E DESPROVIDA. APELAÇÃO DO INSS NÃO CONHECIDA.
(...) no caso em tela, inexiste início de prova que estabeleça liame entre o demandante e a lida
campesina asseverada.
- As declarações do sindicato rural são extemporâneas aos fatos e não foram homologadas
pela autarquia. Desse modo, equiparam-se a simples testemunhos, com a deficiência de não
terem sido colhidos sob o crivo do contraditório.
(...) Diante da ausência de elementos seguros que demonstre o labor rural, o período não pode
ser reconhecido.
(...) - Apelação da parte autora conhecida e desprovida.
- Apelação do INSS não conhecida.”
(TRF/3ª Região – AC n.º 5000126-86.2018.4.03.6119 – Relator: Juiz Federal Convocado
Rodrigo Zacharias – 9.ª TURMA, Julgado em 18/03/2019 – g.n.).
Cumpre mencionar que a ficha de atendimento da Prefeitura Municipal de Naviraí e a ficha
cadastral do comércio local, apesar de qualificarem a autora como '"trabalhadora rural" e
"lavradora" também não podem ser consideradas como “início de prova documental”,
equivalendo a simples depoimentos unilaterais reduzidos a termo e não submetidos ao crivo do
contraditório, não garantida a bilateralidade da audiência.
Tenha-se presente que a Autarquia Federal esclareceu que o benefício de aposentadoria por
idade foi concedido à parte autora, com DIB 21/10/2010 (data do requerimento administrativo).
No entanto, em virtude de inquérito policial em trâmite na Polícia Federal e em decorrência de
requisição da Procuradoria da República, o INSS instaurou procedimento para averiguação de
irregularidades, o que envolveu a concessão do benefício ora pleiteado.
Cumpre destacar que, ao reanalisar a concessão do benefício após nova entrevista com a
requerente, o servidor do INSS concluiu que “a autora exerceu atividade rural somente até o
ano 2000, quando então parou para cuidar do companheiro, que se encontrava doente e,
embora possua carência em período superior a 180 meses, ocorreu a perda da qualidade de
segurada, pois entre a data da cessação da atividade (06/2000) até a data da implementação
da idade em 10/2002, a autora não comprovar o exercício de atividade rural, conforme cópia do
processo concessório” adunado aos autos.
Nesse contexto, em 11/05/2016, a Autarquia Previdenciária comunicou a suspensão do referido
benefício à segurada.
Dentre as apurações do INSS, merecem destaque as seguintes:
A autora requereu o benefício como “solteira”, como comprova a identidade e certidão de
nascimento, o que evidencia que não possui certidão de casamento e que mantinha união
estável com o "marido".
Na primeira entrevista rural, realizada perante a Autarquia em 01/12/2010 (logo após requerer o
benefício), a autora não menciona a existência de “marido” ou “companheiro” em nenhum
momento e afirmou “que parou de trabalhar por motivo de saúde fraca”.
Todavia, no “Termo de Declaração” realizado em julho de 2015 (no procedimento instaurado
pelo INSS para averiguação de irregularidades), a autora declarou que “parou de trabalhar por
motivo de doença do marido”.
Na referida declaração “a termo”, a requerente também declarou que “não trabalhou mais desde
que o marido ficou doente em 2000, quando o marido ficou cego”; que "não possui outros
documentos que constem a profissão de trabalhadora rural além dos já constantes do processo
administrativo" (que são os mesmos documentos que instruem a inicial, quais sejam: certidão
de nascimento, sem indicar a profissão dos genitores, declaração de atividade rural de STR,
ficha de atendimento ambulatorial e cadastro em loja).
A consulta ao sistema CNIS revela que a demandante recebe pensão por morte do “marido”
(companheiro) desde 17/11/2014 e que a forma de filiação do segurado instituidor da pensão é
a de “facultativo” (“comerciário”).
Na conclusão da revisão administrativa, a Autarquia Previdenciária constatou que a autora não
comprovou o exercício de atividade rural no implemento da idade (em 2002) nem na data do
requerimento administrativo (21/10/2010), por considerar que “as fichas de cadastro em
comércio local e em entidades de saúde, ainda que mantidas pelo Poder Público não podem
ser consideradas como provas, pois são preenchidas sem qualquer formalidade, em meio
manuscrito, podendo nelas se lançar qualquer conteúdo de cunho declaratório fornecido pela
parte autora.”
Cabe destacar a existência de prova oral nos presentes autos. O áudio e vídeo de todos os
depoimentos foram captados e gravados em arquivo na mídia.
Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou que mora há 45 anos na zona urbana do
município de Naviraí e que exercia a profissão de lavradora/boia fria; “que parou de trabalhar
quando se aposentou”; que seu marido, falecido, também foi boia fria; que só trabalhava em
fazendas, mas não tinha a carteira assinada.
A testemunha IVONE MARIA CONCEIÇÃO DOS SANTOS declarou conhecer Dona Ana Maria
há 43 anos, tendo trabalhado junto com ela como boia fria; que, inicialmente, moravam na
FAZENDA BONANZA e, posteriormente, a autora mudou-se para a cidade, mas não lembra
quando, apenas que 'faz tempo".
Informou que ambas trabalharam juntas por mais de 20 anos; “que não se lembra quando a
autora parou de trabalhar”, mas, quando a depoente se aposentou, há quatro anos, a autora já
não mais trabalhava.
Por sua vez, a testemunha MARIA JOSÉ CAETANO ALVES (ouvida como informante) afirmou
que a autora mora há 40 anos na cidade de Naviraí, na zona urbana, e que ela e o marido
atuavam como boias frias.
Relatou ter trabalhado junto com a autora nas fazendas Sakai, Maringá, entre outras.
Esclareceu que “a autora parou de trabalhar quando seu marido adoeceu” e faleceu.
Por fim, a testemunha IVONE DA SILVA GARAIS (ouvida como informante) afirmou conhecer a
autora há 32 anos.
Informou que ambas trabalharam como boias frias nas fazendas Santa Rita, Paquetá, Santa
Helena do Vasco, entre outras.
Relatou que a depoente e Dona Ana Maria trabalharam juntas por volta de 10 anos, quando a
depoente passou a trabalhar como doméstica.
Indagada pelo Juízo, a depoente afirmou que acredita que “a autora parou de trabalhar há
aproximadamente cinco anos”.
No caso em tela, verifica-se que os referidos depoimentos chegaram a entrar em contradição
quanto ao fato de a autora ter declarado na audiência (sic) “que parou de trabalhar quando se
aposentou”. Consta dos autos que a data de início do benefício de aposentadoria por idade foi
fixada em 21/10/2010.
Porém, não se pode perder de vista que, no “Termo de Declaração” realizado em julho de 2015
(no procedimento instaurado pelo INSS para averiguação de irregularidades), a autora declarou
que “parou de trabalhar por motivo de doença do marido”; que “não trabalhou mais desde que o
marido ficou doente em 2000, quando o marido ficou cego”.
Essa declaração firmada perante a Autarquia Previdenciária no procedimento administrativo de
revisão do benefício está em total dissonância com o depoimento pessoal da autora perante o
MM. Juízo a quo.
Diante dessas considerações, conclui-se que a prova produzida é insuficiente para comprovar o
exercício da atividade rural, pelo prazo exigido em lei.
Como bem ressaltou o magistrado sentenciante, in verbis:
“(...) autora não logrou êxito em comprovar o exercício de atividade rural, pelo período de
carência, sendo incabível, portanto, a concessão do benefício previdenciário pretendido.
No entanto, é indevida a cobrança de valores percebidos pela autora a título de aposentadoria
por idade, visto que a Autarquia ré não logrou êxito em afastar a presunção de boa fé na
percepção do benefício.
Nesse sentido entende o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3.ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES
RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE
l. Apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp n.º 1.40I.560/MT,
entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR,
este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de devolução de
valores recebidos de boa-fé, em razão de sua natureza alimentar.
2. Ademais, não há qualquer indício de fraude ou ilegalidade na conduta do segurado.
3. A hipótese analisada não se trata interpretação errônea má aplicação da lei ou erro da
administração, mas de revogação da decisão que antecipou a tutela, razão pela qual não há
que se falar em suspensão do feito.
4. Agravo de instrumento desprovido,
(TRF 3.ª Região, 10.ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 50028957.2019.4.03.0000,
Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFÍRIO JUNIOR - julgado em
18/06/2019, e - DJF3 judicial I DATA: 24/06/2019, grifo nosso).
Dito isto, em que pese reconhecido ser indevido o pagamento do benefício de NB n.°
150.228.001-6 e ser correta sua cessação pela autarquia previdenciária, deverá a ré se abster
de cobrar os valores já pagos.
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo o processo
com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil,
para determinar ao INSS que se abstenha de cobrar da parte autora qualquer valor referente ao
benefício cessado aposentadoria por idade de NB n° 150.228.001-6. (...)”. (ID n.º 145082277–
Págs. 30 e 31).
Por fim, quanto ao pedido do INSS para devolução dos valores pagos desde o deferimento
administrativo do benefício, insta salientar que esse debate foi recentemente julgado pelo
Colendo Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979 -que tratou
da devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social).
Em 10/03/2021, a Primeira Seção, por unanimidade, conheceu parcialmente do recurso
especial e, nesta parte, negou-lhe provimento, nos termos da reformulação de voto do Sr.
Ministro Relator. Vencida, quanto à tese, a Sra. Ministra Assusete Magalhães. Confira-se:
“O colegiado acompanhou o voto do relator, Excelentíssimo Ministro BENEDITO GONÇALVES,
para quem, na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença
da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a
irregularidade do pagamento.
Os ministros também modularam os efeitos da decisão, que será aplicada aos processos
distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão.
Boa-fé imprescindível
O relator ressaltou que a administração pública tem o dever-poder de rever seus próprios atos,
quando houver vícios insanáveis, para anulá-los, pois deles – em tese – não se originam
efeitos. “Assim, detectando erro do ato administrativo no pagamento dos benefícios, tem o
dever de efetuar a correção de forma a suspender tal procedimento, respeitado o devido
processo legal”, declarou.
Contudo, o ministro ponderou que o beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação
errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido, uma vez que
também é dever-poder da administração bem interpretar a legislação.
Segundo Benedito Gonçalves, a jurisprudência do STJ considera que é imprescindível, para a
não devolução dos valores pagos indevidamente pela Previdência Social – além do caráter
alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício –, a presença da boa-fé
objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração.
Caso a caso
Para o relator, diferentemente das hipóteses de interpretação errônea e má aplicação da lei –
em que se pode concluir que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, o que lhe assegura o
direito de não devolvê-lo –, as hipóteses de erro material ou operacional devem ser analisadas
caso a caso, pois é preciso verificar se o beneficiário tinha condições de compreender que o
valor não era devido e se seria possível exigir dele comportamento diverso, diante do seu dever
de lealdade para com a administração previdenciária.
De acordo com Benedito Gonçalves, há erros materiais ou operacionais que se mostram
incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva e que dão ensejo ao ressarcimento do
indébito – como a situação, mencionada a título de exemplo noMS 19.260, de um servidor sem
filhos que, por erro da administração, recebe o auxílio-natalidade.”
(https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/15032021-Salvo-boa-fe--
segurado-do-INSS-deve-devolver-pagamento-decorrente-de-erro-nao-vinculado-a-
interpretacao-de-lei.aspx - g.n.).
Frise-se, por oportuno, que, no caso em tela, a demandante é analfabeta, não lhe sendo
exigível a referida compreensão. Não se pode perder de vista que a revisão na esfera
administrativa somente apurou que “a autora exerceu atividade rural somente até o ano 2000,
quando então parou para cuidar do companheiro, que se encontrava doente e, embora possua
carência em período superior a 180 meses, ocorreu a perda da qualidade de segurada, pois
entre a data da cessação da atividade (06/2000) e a data da implementação da idade (10/2002),
a autora não comprovou o exercício de atividade rural, conforme cópia do processo
concessório”.
De rigor, portanto, amanutenção da sentença, porquanto não comprovado o exercício de
atividade rural pelo período de carência legalmente exigido, sendo indevida a cobrança de
valores percebidos pela autora a título de aposentadoria por idade, visto que a autarquia ré não
logrou êxito em afastar a presunção de boa fé na percepção do benefício.
Posto isso, nego provimento às apelações da parte autora e do INSS.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A
TRABALHADORA RURAL. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA
NO PERÍODO ANTERIOR AO REQUERIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE
RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS
DE BOA-FÉ PELA BENEFICIÁRIA.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- A prova produzida, inconsistente, é insuficiente para ensejar a concessão do benefício
vindicado.
- Indevida a cobrança de valores percebidos pela autora a título de aposentadoria por idade,
visto que a autarquia ré não logrou êxito em afastar a presunção de boa fé na percepção do
benefício. Precedente do STJ (Tema 979).
- Apelações da autora e do INSS improvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento às apelações da parte autora e do INSS, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
