
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010515-55.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: SIRLENE MARIA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: FABIANA CASEMIRO RODRIGUES - SP317815-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: SIRLENE MARIA DE SOUZA
Ad
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010515-55.2017.4.03.9999
vogado do(a) APELANTE: FABIANA CASEMIRO RODRIGUES - SP317815-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação ajuizada em 26/06/2013, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença a trabalhadora rural, em substituição ao benefício assistencial ao deficiente de que é titular, com pedido de tutela de urgência.
O feito foi sentenciado em 05/09/2016. O pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de estar configurada a decadência, “já que decorrido prazo superior a 10 (dez) anos, entre a data de recebimento da primeira prestação (03/2002) e o ajuizamento desta ação (06/2013)”.
A autora interpôs apelação. Nas razões desfiadas, alega a inocorrência da decadência prevista no art. 103 da Lei nº 8.213/1991, “já que a pretensão postulada não foi objeto de análise do pedido administrativo”. Defende que se demonstraram cumpridos os requisitos necessários à obtenção do benefício por incapacidade pretendido, notadamente qualidade de segurada. Sustenta que o início de prova material corroborado pelos depoimentos testemunhais demonstram a sua condição de segurada especial até a aquisição das moléstias incapacitantes. Pugna, ainda, pela concessão do adicional de 25% previsto no art. 45 da Lei nº 8.213/1991.
Com contrarrazões, nas quais o INSS requer a manutenção da sentença, acederam os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010515-55.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: SIRLENE MARIA DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: FABIANA CASEMIRO RODRIGUES - SP317815-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso desfiado.
De saída, verifico que a parte autora moveu a presente ação em 26/06/2013, pleiteando na inicial a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a trabalhadora rural, a partir do requerimento administrativo do benefício assistencial (espécie 87) formulado em 13/03/2002 (ID 90362868 - Pág. 18).
A sentença acolheu a preliminar de decadência da revisão do ato de concessão do benefício assistencial e julgou improcedente o pedido.
No caso, o pleito de concessão de benefício previdenciário por incapacidade constitui relação jurídica de trato sucessivo e de cunho alimentar.
A respeito do assunto, o C. Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assentou o entendimento de que inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. O direito à previdência social constitui direito fundamental. Preenchidos os pressupostos para fazê-lo valer, sua concessão não pode ser afetada pelo decurso do tempo. Verifique-se:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE nº 626.489/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 23/09/2014, grifos apostos).
Porquanto o núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imune aos efeitos do tempo e da inércia de seu titular, também não corre prescrição do fundo do direito aviado ou indeferido administrativamente. Apenas são atingidas pela prescrição as parcelas que recuam além dos 5 (cinco) anos que precedem o ajuizamento da ação, consoante exegese do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e da Súmula nº 85 do STJ, hipótese que, acaso ocorrente, será no final proclamada.
Com essas considerações, deve ser afastada a decadência decretada no decisum guerreado.
Em prosseguimento, tratando-se de benefício por incapacidade, os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Colimando benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores (nas situações de trabalho assalariado) ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
Ademais, como ressabido, nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente, ao menos, a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
É importante realçar, no tocante ao reconhecimento do tempo de serviço rural, que início material de prova possui eficácia probante tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que conte com bastante confirmação oral (Agint no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, DJe de 29/05/2017; AgRg no AREsp 320558/MT, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 30/03/2017; Agint no AREsp 960539/SP, Rel. Miistro Herman Benjamin, DJe de 06/03/2017; Agint no AREsp 908016/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe de 29/11/2016, Tema 638 e Súmula 577/STJ).
Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ).
O STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por consistente prova testemunhal (REsp 1321493/PR).
É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
Diante da dificuldade de obter-se documentos a respeito do trabalho mesmo, que amiúde se desenvolve de maneira informal, documentos públicos referentes ao trabalhador, qualificando-o lavrador, erigem o começo de prova de que se necessita (STJ - AgRg no AREsp 577.360/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe de 22/06/2016 e AR 4.507/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 24/08/2015)
Vale registrar ainda que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar (Súmula 73 do TRF4), situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003 e TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
O artigo 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91 define o regime de economia familiar e o artigo 106 do mesmo compêndio legal dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018).
Muito bem.
A autora, intitulando-se rurícola, persegue benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
Principie-se por dizer que está ela deveras incapacitada.
O exame pericial realizado em 19/11/2013 (ID 90362869 – Págs. 24/30) assere ser a autora portadora de paraplegia crural com bexiga neurogênica. Em seu bojo, descreve-se: “em maio de 2000 no pós-parto evoluiu com perda da força de membros inferiores sem melhora com tratamento medicamentoso e fisioterápico. Referiu que concomitantemente ao quadro de paralisia de membros inferiores apresentou retenção urinária com necessidade de uso de sonda vesical de demora” (ID 90362869 – Pág. 25). Bem por isso, vislumbrou-se na autora incapacidade total e definitiva para o trabalho. Indagada a senhora Perita sobre a data de início da incapacidade, afirmou que “Não há dados objetivos que permitam identificar a data de início da doença e da incapacidade” (ID 90362869 – Pág. 27).
Em outro giro, percebo que a autora, nascida em 17/07/1981 (ID 90363868 – Pág. 13), requereu administrativamente, em 13/03/2002, benefício assistencial de prestação continuada a portador de deficiência (espécie 87) (ID 90363868 – Pág. 18). Aludido pleito foi deferido e o BPC passou a lhe ser pago. Das prestações correspondentes a autora desfruta até a presente data, conforme consulta feita no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS (ID 90363868 – Págs. 50/52 e consulta atualizada).
Em 20/12/2005 requereu a transformação de seu benefício assistencial em aposentadoria por invalidez (ID 90362858, p. 85, e ID 90362869, ps. 1/3), pedido inacolhido na seara administrativa.
Inconformada, a autora intentou a presente ação em 26/06/2013.
Afirma na inicial: “A requerente nasceu no dia 17 de julho do ano de 1981, sendo que seus pais sempre foram lavradores. Com idade aproximada de 10 (dez) anos também passou a ajudar seus genitores no serviço rural. No ano de 1995 a senhora Valdevina Correia da Silva, mãe de seu esposo com o qual passou a conviver maritalmente também nesta data foi beneficiada com um lote rural no assentamento denominado ‘Gleba XV de Novembro’, onde passaram a trabalhar em regime de economia familiar. No entanto a requerente no ano de 2002, por motivos de complicações pós-parto de um de seus filhos, ficou completamente inválida, perdendo a maior parte de seus movimentos, mas o requerido ao invés de conceder um benefício de aposentadoria por invalidez na condição de trabalhadora rural concedeu um benefício assistencial, que foi processado pelo nº 124.079.507-3, de 13/01/2002” (ID 90362868 – Págs. 2/3).
Para demonstrar o exercício da atividade rural assoalhada, a autora trouxe a lume os seguintes documentos:
- CTPS, sem registros de atividades (ID 90363868 – Pág. 15);
- certidão de seu casamento, núpcias havidas em 10/02/2006, na qual se atribui a Jair Abel da Silva, cônjuge varão, a qualificação de trabalhador rural (ID 90363868 – Pág. 16);
- certidão de residência e atividade rural do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), datada de 14/06/2012, atestando que Valdevina Correia da Silva (sogra) é trabalhadora rural e reside desde 1989 em lote agrícola no “Assentamento Gleba XV de Novembro”, localizado em Rosana/SP, e que a autora é sua agregada no referido lote, fazendo parte da força de trabalho desde 1995 (ID 90363868 – Pág. 17);
- conta de energia elétrica em nome da autora, emitida em 07/08/2012, constando como seu endereço a “Gleba XV de Novembro”, em Rosana/SP (ID 90362868 – Pág. 20);
- certidão de nascimento da autora, lavrado em 17/07/1981, dando o seu genitor, Francisco Alves de Souza, como lavrador (ID 90362868 – Pág. 59);
- certidão de nascimento de seu marido, Jair Abel da Silva, lavrado em 26/09/1988, sem qualificação dos genitores (ID 90362868 – Pág. 60); e
- certidão de nascimento de seus filhos, registrados em 21/03/1996 e 09/05/2000, qualificando Jair Abel como lavrador (ID 90362868 – Págs. 61/62).
Conforme consulta realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (ID 90362868 - Pág. 71 e consulta atualizada), verifica-se que o cônjuge da demandante, Jair Abel, possui registros de atividades rurais no estabelecimento “Ativos Bioenergia Pontal Agropecuária S.A.”, nos períodos de 02/06/1998 a 07/02/1999 e 14/07/1999 a 04/12/1999.
Por sua vez, o CNIS da autora não possui vínculos laborativos cadastrados e, como dito, está ela a desfrutar de amparo social à pessoa portadora de deficiência NB 124.079.507-3, desde 13/03/2002.
O CNIS de Valdevina Correia da Silva, sogra da autora, não revela vínculos laborais. Consta a informação de que goza de aposentadoria por idade rural NB 137.730.586-1 (forma de filiação "segurado especial") desde 21/06/2005 e pensão por morte previdenciária rural NB 148.048.074-3 (forma de filiação "segurado especial") desde 26/10/2009, em decorrência do falecimento de seu marido.
Na audiência realizada em 24/08/2016 (ID 90362869 – Pág. 71), foram colhidos os depoimentos de 2 (duas) testemunhas (sistema de gravação audiovisual).
Adenilza Pereira da Silva Lima afirmou conhecer a autora há 20 (vinte) anos, porque são vizinhas e quando a conheceu trabalhava na roça, na colheita de algodão. A autora trabalhou para Cidão, na colheita de algodão. A autora casou e foi morar com o marido, passando a trabalhar no sítio do sogro. Continuou trabalhando na roça de algodão, inclusive em outras fazendas também. Sabe que a autora trabalhou somente no campo. Quando adoeceu a autora trabalhava no campo.
Benedita Francisca da Costa afirmou conhecer a autora desde a infância, porque são vizinhas. A autora trabalhava na roça como boia-fria. O genitor era lavrador na gleba. A autora trabalhava com os pais. Ao se casar, a autora passou a trabalhar no sítio do sogro. Sempre trabalhou na roça até o evento da doença. A autora ficou doente por complicações no parto.
A combinação dos elementos probatórios coligidos permite inferir que a autora trabalhou na lavoura até cair incapacitada.
De acordo com eles, a autora trabalhou em lote rural no assentamento “Gleba XV de Novembro”, juntamente com os sogros, por muitos anos, até maio de 2000, comparando-se o ano em que colhidos os depoimentos (2016) e o que disseram as testemunhas (“que a autora sempre trabalhou na roça até o evento da doença, decorrente de complicações de parto”).
Os depoimentos encontram suporte na certidão de residência e atividade rural do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), datada de 14/06/2012, atestando que Valdevina Correia da Silva reside desde 1989 em lote agrícola no “Assentamento Gleba XV de Novembro”, localizado em Rosana/SP, e que a autora é sua agregada no referido lote, fazendo parte da força de trabalho desde 1995 (ID 90363868 – Pág. 17). Também guardam ressonância com as certidões de nascimento dos filhos da promovente, registrados em 21/03/1996 e 09/05/2000, qualificando Jair Abel como lavrador (ID 90362868 – Págs. 61/62).
Em mais uma volta, têm imbricação com os atestados médicos ID 90362868 – Págs. 19 e 86, datados de 27/11/2000 e 19/06/2012, a estampar que a autora já fazia tratamento, desde maio de 2000, para quadro de paraplegia por polineurite (Síndrome de Guilain Barré – CID G61.0), época em que, segundo a prova técnica produzida, incapacitada igualmente se encontrava.
É possível então concluir que a autora empalmava qualidade de segurada ao tempo em que nela se instalou a incapacidade laboral certificada -- e nos doze meses que a antecederam.
O fato de seu marido ter exercido atividade urbana na empresa “José Donizete Marques Rosana ME” de 1º/06/2000 e 31/07/2000 (ID 90362869 – Pág. 9 e consulta ao CNIS) não conflita com o conjunto probatório então apresentado, uma vez que em momento anterior estava laborando no campo, de acordo com a prova produzida. Não suficiente, a circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto (Súmula nº 41 da TNU), ao que se agrega o fato de o exercício de atividade urbana intercalada não impedir o reconhecimento da atividade agrícola, quando provada, de vez que esta não se descaracteriza só por ser descontínua (Súmula nº 46 da TNU).
Portanto, o caso deveras enseja aposentadoria por invalidez.
Nesse mesmo sentido, indicam-se precedentes desta Nona Turma: AC nº 5000592-70.2024.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 08/05/2024, DJEN 16/05/2024, AC nº 0004696-69.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 08/03/2024, DJEN 13/03/2024.
O requerimento administrativo formulado em 13/03/2002 (ID 90363868 – Pág. 18), voltado à obtenção de benefício diverso (benefício assistencial – Código 87), exauriu-se com a concessão do benefício explicitamente requerido. Somente em 20/12/2005 (ID 90362858, p. 85, e ID 90362869, ps. 1/3), a autora requereu a transformação do benefício assistencial em aposentadoria por invalidez, sem a juntada de novos elementos de prova, oportunidade na qual o INSS poderia ter orientado a produção de prova oral (justificação administrativa), não produzida quando do requerimento do BPC.
Por isso, o termo inicial da aposentadoria por invalidez aqui deferida deve recair em 20/12/2005 (data do requerimento administrativo de conversão), embora, diante dos efeitos da prescrição quinquenal, essa fixação não difira de cravá-lo na DER do benefício assistencial.
Com fundamento no artigo 103, § único, da Lei nº 8.213/91, reconheço prescritas as prestações anteriores a 26/06/2008.
Incabível a análise do pedido de adicional de 25%, formulado apenas nesta sede recursal. Não se pode inovar em recurso de apelação, sob pena de supressão de instância e afronta ao devido processo legal.
Ajusto e esclareço a incidência dos acréscimos legais.
À parte autora serão pagas, de uma única vez, as prestações ou diferenças vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, respeitada a prescrição quinquenal e descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários advocatícios da sucumbência, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das diferenças vencidas até a data deste acórdão, consoante critérios do artigo 85 do CPC, entendimento desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Incabível a tutela de urgência no presente caso, uma vez que a autora está a receber benefício assistencial na esfera administrativa.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da autora, para lhe conceder aposentadoria por invalidez a partir de 20/12/2005, inacumulável com o BPC de que é titular, cujas diferenças, respeitada a prescrição quinquenal, deverão ser acrescidas de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADORA RURAL. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. APELO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.
- O pleito de concessão de benefício previdenciário constitui relação jurídica de trato sucessivo e de cunho alimentar. O C. Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assentou o entendimento de que inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário, porquanto o direito à previdência social constitui direito fundamental, e, preenchidos os pressupostos para a sua concessão, não pode ser afetado pelo decurso de tempo (STF, RE nº 626.489/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 23/09/2014).
- Não corre prescrição do fundo do direito do benefício pretendido ou indeferido administrativamente, sendo atingidos pela prescrição apenas as parcelas antecedentes aos 5 (cinco) anos do ajuizamento da ação, consoante exegese do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 85 do STJ.
- Decadência afastada.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- Colimando benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores (nas situações de trabalho assalariado) ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
- Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
- Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
- Permite-se reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que este seja contemporâneo ao período a comprovar e corroborado por idônea e robusta prova testemunhal (Súmula 577 do STJ).
- Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ).
- Ademais, o STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por consistente prova testemunhal (REsp 1321493/PR).
- É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
- Vale registrar ainda que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar (Súmula 73 do TRF4), situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003 e TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
- O artigo 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91 define o regime de economia familiar e o artigo 106 do mesmo compêndio legal dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018).
- O exame médico-pericial realizado concluiu pela incapacidade total definitiva da autora para o labor habitual.
- O painel probatório colhido, conjugando indícios materiais e prova oral, dá conta de que a autora empalmava qualidade de segurada ao cair doente e no período de doze meses anteriores a este evento.
- O termo inicial da aposentadoria por invalidez aqui deferida deve recair em 20/12/2005 (data do requerimento administrativo de conversão), embora, diante dos efeitos da prescrição quinquenal, essa fixação não difira de cravá-lo na DER do benefício assistencial.
- Com fundamento no artigo 103, § único, da Lei nº 8.213/91, reconheço prescritas as prestações anteriores a 26/06/2008.
- Incabível a análise do pedido de adicional de 25%, formulado apenas em sede de apelação, por ser defeso inovar o pedido em sede recursal.
- À parte autora serão pagas, de uma única vez, as prestações ou diferenças vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, respeitada a prescrição quinquenal e descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
- Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
- A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
- Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários advocatícios da sucumbência, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das diferenças vencidas até a data deste acórdão, consoante critérios do artigo 85 do CPC, entendimento desta Turma e redação da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
- Apelação da autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
