Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5005346-80.2018.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 21/02/2022
Ementa
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da parte
autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005346-80.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EURIDES SOUZA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SABARIEGO ALVES - SP177942-A, JANUARIO
ALVES - SP31526-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005346-80.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EURIDES SOUZA SILVA
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ALVES - SP31526-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizadaem face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS
objetivando a declaração de inexigibilidade de débito decorrente de recebimento de benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição.
A r. sentença (id 210313968/9 integrada a id 210313972/3)julgou procedente o pedido para
“declarar inexigível o débito... relativo ao recebimento indevido... no período de 01/07/2012 a
25/07/2017” e condenou “o INSS à restituição dos valores descontados mensalmente da
requerente”
Recurso de apelo do INSS (id 210313974) em que requer a reforma da r. sentença, com o
reconhecimento da prevalência do débito referente ao período em que julga indevido o
benefício assistencial, havendo possibilidade de sua cobrança independentemente da
demonstração da má-fé da parte contrária.
Com contrarrazões da parte autora.
Subiram os autos a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 219732454) no sentido do desprovimento da
apelação.
É o relatório.
vn
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005346-80.2018.4.03.6114
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APELADO: EURIDES SOUZA SILVA
Advogados do(a) APELADO: ALEXANDRE SABARIEGO ALVES - SP177942-A, JANUARIO
ALVES - SP31526-A
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Verifico das cópias de comunicações expedidas pelo INSS acostadas aos autos (id 210313936,
id 210313939 e id 210313953 - Pág. 27), que este informa a existência de irregularidade na
manutenção do benefício assistencial da parte autora, de 01.12.2012 a 31.07.2017, tendo em
vista que membros de seu núcleo familiar ostentaram vínculos empregatícios no período
referido originando renda per capita superior a ¼ do salário-mínimo, que julga incompatíveis
com a concessão da benesse, noticiando a cobrança de valores recebidos indevidamente que
alcançam o valor de R$ 55.575,64.
Observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo
suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no
recebimento dos valores.
Assim sendo, ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em
vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já
pagos, devendo o INSS restituir à parte autora os valores já descontados em seu benefício, nos
termos da r. sentença.
Ademais, constato que o INSS notificou a requerente da suposta irregularidade de seu benefício
somente no ano de 2017, sendo que as incongruências que aponta iniciaram em 2012.
Portanto, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das
condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos
termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a
tentativa de cobrar da parte autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em
consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em
suposto desacordo com a norma legal.
Diante de todo o explanado, não merece reparos a r. sentença, sendo de rigor a sua
manutenção.
Ante o exposto, nego provimento à apelação e mantenho a r. sentença proferida em primeiro
grau de jurisdição, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da
parte autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Apelação desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
