Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5005577-10.2018.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
03/02/2022
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 11/02/2022
Ementa
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da parte
autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível o débito.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005577-10.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO MOZART BARRETO FONSECA
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005577-10.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO MOZART BARRETO FONSECA
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizadaem face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS
objetivando a declaração de inexigibilidade de débito decorrente de recebimento de benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença (id 199689555/7)julgou procedente o pedido para “para declarar inexigível o
débito de R$ 77.263,61, relativa ao NB 5416940715”.
Recurso de apelo do INSS (id 199689559) em que requer a reforma da r. sentença, com a
improcedência do pedido inicial, tendo em vista que a parte autora não preenchia os requisitos
necessários para a concessão do benefício, persistindo o débito referente ao período de gozo
indevido da benesse.
Subiram os autos a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 210426508) pelo prosseguimento do feito sem a sua
intervenção.
É o relatório.
vn
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005577-10.2018.4.03.6114
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO MOZART BARRETO FONSECA
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Consoante correspondência remetida à parte autora (id 199689422 - Pág. 95), datada em
24.10.2017, o INSS relata a existência de irregularidade na manutenção de seu benefício
assistencial, em vista da concomitância deste último com a percepção de valor decorrente de
pensão por morte, noticiando a cobrança de valores recebidos indevidamente que somavam R$
76.041,77.
A pensão por morte auferida pelo Autor e sua genitora teve início em 04.06.2004 (id 199689411
- Pág. 7/8) e o benefício assistencial do apelado principiou em 09.07.2010 (id 199689411 - Pág.
5).
Portanto, quando da concessão administrativa do benefício assistencial em favor do Autor, este
e sua genitora já percebiam pensão por morte há seis anos, valendo mencionar que o INSS
possui amplo e irrestrito acesso a tais informações, cabendo a este último a análise dos
requisitos necessários para a concessão do benefício, fugindo à razoabilidade a tentativa de
responsabilização da parte autora por suposta indevida concessão da benesse.
Observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo
suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no
recebimento dos valores.
Assim sendo, ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em
vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível o débito referido, nos termos da
r. sentença.
Ademais, constato que o INSS notificou o requerente da suposta irregularidade de seu benefício
somente no ano de 2017, sendo que as incongruências que aponta datam do início da
concessão do pagamento do benefício assistencial, em julho de 2010, decorrente da
impossibilidade de acúmulo com uma pensão por morte principiada em 04.06.2004.
Portanto, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das
condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos
termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a
tentativa de cobrar do Autor o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em
consequência do extenso lapso temporal em que o mesmo auferiu o referido benefício em
suposto desacordo com a norma legal.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. BOA-FÉ OBJETIVA.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da
parte autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível o débito.
- Apelação desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
