Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002076-21.2017.4.03.6102
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 07/07/2021
Ementa
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011.
- O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou a
inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
- O INSS cessou o benefício da Autora, exclusivamente, por considerar, impropriamente, a renda
de um salário-mínimo auferido por deficiente, resta manifestamente descabida a sua pretensão
de realizar a cobrança de valores supostamente recebidos indevidamente pela Autora.
- Apelação desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002076-21.2017.4.03.6102
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELIA MINGONI
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002076-21.2017.4.03.6102
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELIA MINGONI
DPU
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizadaem face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS
objetivando a declaração de inexigibilidade de débito decorrente de recebimento de benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença (id 131995350)julgou procedente o pedido, “para declarar a legalidade de todos
os valores percebidos pela autora, a título de benefício de amparo social ao idoso no período de
24/10/2009 a 30/09/2015”.
Recurso de apelo do INSS (id 131995352) em que requer a reforma da r. sentença, com o
reconhecimento da prevalência do débito referente ao período compreendido entre 24.10.2009
e 30.09.2015, havendo possibilidade de sua cobrança independentemente de comprovação de
que o pagamento decorreu de má-fé, visto que entende que, no lapso referido, a parte autora
não preenchia os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Com contrarrazões da parte autora.
Subiram os autos a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 133129310) no sentido do prosseguimento do feito
sem a sua intervenção.
É o relatório.
vn
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RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELIA MINGONI
DPU
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Trata-se de ação objetivando a declaração de inexigibilidade de valores recebidos a título de
benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, com termo inicial em
02.02.2007.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Consoante correspondência remetida à parte autora (id 131994778 - Pág. 3/4), datada em
22.05.2017, o INSS relata a existência de irregularidade na manutenção de benefício
assistencial em vista da percepção, pela filha da mesma, de uma pensão por morte, com DIB
em 27.07.1984 (no valor de um salário-mínimo mensal), resultando em renda familiar per capita
incompatível com a concessão do benefício, noticiando a cobrança referente ao período de
24.10.2009 a 30.09.2015.
Após a cessação administrativa do benefício referido em 01.10.2015, a Autora requereu
judicialmente a concessão de novo benefício assistencial, que foi julgado procedente (id
131995344 – proc. Nº 0009053-33.2016.4.03.6302 - JEF).
Naqueles autos foi produzido estudo social (em 03.12.2016 – id 131995344 - Pág. 12/15) que
relata que a Autora vive na mesma casa desde o ano de 1973 (aproximadamente).
O núcleo familiar era constituído também pelo cônjuge da Autora e, após o falecimento do
mesmo, passou a ser composto pela requerente e sua filha, paraplégica em virtude de acidente
ocorrido, aproximadamente, no ano de 1978 (quando esta contava com 17 anos de idade -
nascida aos 01.08.1961), por fratura da coluna.
A filha da requerente permanece acamada desde o acidente (1978), “tendo a necessidade de
ajuda integralmente da autora para seus cuidados... tais como: carregar no colo para dar banho,
para colocar na cadeira” e faz uso de fraldas geriátricas e de pomadas em consequência de
feridas na pela.
Relatou a Autora que tal condição obstou a possibilidade de exercício de qualquer atividade
laborativa, tendo em vista a constante necessidade de cuidados destinados à filha.
A Assistente Social informou que a renda familiar resume-se à pensão por morte auferida pela
filha da Autora, no valor de um salário-mínimo mensal.
Em consulta ao sistema CNIS da Dataprev, verifico que a Autora nunca exerceu atividade
remunerada e sua filha somente percebe pensão por morte desde 27.07.1984, corroborando os
fatos alegados pela requerente.
Ou seja, à época da concessão administrativa do anterior benefício assistencial à parte autora,
em 02.02.2007 (após o falecimento do cônjuge), seu núcleo familiar era composto somente por
ela e sua filha, sendo que esta última já havia sofrido o acidente que a invalidou e estava em
gozo da pensão por morte (desde 1984) que, inclusive, motivou a cessação, pelo INSS, do
benefício e cobrança dos valores.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou a
inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
Destarte, tendo em vista que o INSS cessou o benefício da Autora, exclusivamente, por
considerar, impropriamente, a renda de um salário-mínimo auferido por deficiente, resta
manifestamente descabida a sua pretensão de realizar a cobrança de valores supostamente
recebidos indevidamente pela Autora.
Importante ressaltar que em período inferior a um ano após a cessação administrativa do
benefício assistencial em 01.10.2015 (que percebia desde 2007), a Autora obteve a concessão
judicial da mesma benesse a partir de 07.06.2016 (data do requerimento administrativo), o que
demonstra a manutenção do preenchimento dos requisitos necessários à obtenção do benefício
indevidamente cessado pelo INSS.
Ademais, como bem destacado na r. sentença, o termo inicial do benefício concedido na ação
referida (0009053-33.2016.4.03.6302 – JEF) deu-se na data do requerimento administrativo
“porque não houve pedido de restabelecimento e sim de concessão”.
Sob outra perspectiva, ainda que estivessem ausentes os requisitos necessários para a
concessão do benefício no período referido, verifico que o INSS cessou o benefício da
requerente em 2015, decorrida quase uma década do seu termo inicial (em 02.02.2007), sob a
alegação de haver concedido a benesse indevidamente.
Portanto, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das
condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos
termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a
tentativa de cobrar da Autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em
consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em
suposto desacordo com a norma legal.
Ressalto, ainda, que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora
pelo suposto equívoco administrativo na concessão do benefício, o que pressupõe a boa-fé
objetiva da parte autora no recebimento dos valores, ora apontados como indevidos pelo INSS.
Assim sendo, ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da Autora e, em vista do
caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já pagos.
Diante de todo o explanado, não merece reparos a r. sentença, sendo de rigor a sua
manutenção.
Ante o exposto, nego provimento à apelação e mantenho a r. sentença proferida em primeiro
grau de jurisdição, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011.
- O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou
a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso,
considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em
relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo."
Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de
benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar.
- O INSS cessou o benefício da Autora, exclusivamente, por considerar, impropriamente, a
renda de um salário-mínimo auferido por deficiente, resta manifestamente descabida a sua
pretensão de realizar a cobrança de valores supostamente recebidos indevidamente pela
Autora.
- Apelação desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
