Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000305-87.2014.4.03.6138
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/07/2021
Ementa
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.
REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. BOA-FÉ OBJETIVA. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Necessário se faz salientar que, de acordo com o artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil/2015, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
- Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, artigo 496 do NCPC, razão pela qual se
impõe o afastamento do reexame necessário.
- Na inicial, a parte autora requer a declaração de inexistência e inexigibilidade de débito
registrando pedido de concessão de tutela antecipada, visando o impedimento de eventuais
futuros descontos em seu benefício, informando que estaria sob o risco de sofrer redução de 30%
em sua prestação mensal.
- A parte autora juntou aos autos petição que informa o desconto de 30% em seu benefício nas
competências de junho a setembro de 2014 (após a propositura da demanda).
- Afastamento da alegação de sentença extra petita.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da parte
autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código
de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão
de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Remessa oficial não conhecida.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000305-87.2014.4.03.6138
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANAINA DE ANDRADE OLIVEIRA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA - SP229364-N
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JOSELITA ANDRADE DE OLIVEIRA GUEDES
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA -
SP229364-N
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000305-87.2014.4.03.6138
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANAINA DE ANDRADE OLIVEIRA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA - SP229364
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JOSELITA ANDRADE DE OLIVEIRA GUEDES
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA -
SP229364
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizadaem face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -INSS
objetivando a declaração de inexigibilidade de débito decorrente de recebimento de benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença (id 103300353 - Pág. 32/38)julgou procedente o pedido para “condenar o INSS a
abster-se de exigir da parte autora a devolução dos valores que lhe foram pagos a título de
benefício assistencial... e a restituir à parte autora os valores já descontados”, acrescidos de
correção monetária e juros moratórios contados da citação, de acordo com a Resolução nº
134/2010, alterada pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal e honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Sentença submetida ao reexame necessário.
Recurso de apelo do INSS (id 103298024 - Pág. 7/28) em que argui a nulidade da r. sentença,
por ser extra petita, tendo em vista que a Autora não requereu em sua inicial a repetição de
eventuais descontos em seu benefício.
No mérito, requer o reconhecimento da prevalência do débito referente ao período em que julga
indevido o benefício assistencial, havendo possibilidade de sua cobrança independentemente
de comprovação de que o pagamento decorreu de má-fé, visto que entende que, no lapso
referido, a parte autora não preenchia os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Com contrarrazões da parte autora.
Subiram os autos a esta instância.
Parecer do Ministério Público Federal (id 159766381) no sentido do desprovimento da
apelação.
É o relatório.
vn
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000305-87.2014.4.03.6138
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JANAINA DE ANDRADE OLIVEIRA GUEDES
Advogado do(a) APELADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA - SP229364
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: JOSELITA ANDRADE DE OLIVEIRA GUEDES
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: ALMIR BENEDITO PEREIRA DA ROCHA -
SP229364
V O T O
REMESSA OFICIAL
Necessário se faz salientar que, de acordo com o artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil/2015, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, artigo 496 do NCPC, razão pela qual se
impõe o afastamento do reexame necessário.
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. SENTENÇA – NÃO OCORRÊNCIA
Inicialmente, não prosperar a alegação de nulidade da r. sentença pelo INSS, por ser extra
petita, ao argumento de não haver a parte autora realizado pedido inicial de repetição de
eventuais descontos realizados em seu benefício.
A presente demanda foi distribuída em 19.11.2013.
Na inicial, a parte autora requer a declaração de inexistência e inexigibilidade de débito
registrando pedido de concessão de tutela antecipada, visando o impedimento de eventuais
futuros descontos em seu benefício, informando que estaria sob o risco de sofrer redução de
30% em sua prestação mensal.
Em 10.10.2014, portanto, após a data da propositura da presente ação, o INSS tomou ciência
da decisão prolatada pelo juízo a quo (id 103300352 - Pág. 334/336) que deferiu “a tutela
antecipada para determinar que o INSS se abstenha de descontar do benefício assistencial...
valores referentes a eventual ressarcimento do período de 06/2008 a 19/03/2010”.
A parte autora juntou aos autos petição que informa o desconto de 30% em seu benefício nas
competências de junho a setembro de 2014 (após a propositura da demanda).
Portanto, o INSS passou a descontar valores no benefício da requerente após o ajuizamento da
ação que, inclusive, liminarmente requer a concessão de tutela antecipada a fim de obstar
eventuais descontos em seu benefício, pedido atendido pelo juízo a quo (id 103300352 - Pág.
334/336).
Ademais, com a juntada da petição da parte autora que noticiou os descontos em seu benefício
após a propositura da ação (id 103300535, pág. 13/25), o juízo a quo proferiu despacho
(anterior à prolação da sentença) para que o INSS apresentasse manifestação (id 103300353,
pág. 26), entretanto, quedou-se inerte (id 103300353, pág. 31).
Por fim, a r. sentença destacou que (id 103300353, pág. 36/37), “a petição de fls. 212/214
informa fato modificativo ocorrido após a propositura da ação, uma vez que o ofício da
Previdência Social é de 28/05/2014 (fl. 218) e a petição inicial foi distribuída em 19/11/2013... o
que enseja a aplicação do artigo 462 do Código de Processo Civil” (atual art. 493).
Assim sendo, descabida a tentativa do INSS em demonstrar a suposta nulidade da r. sentença,
ao argumento de ser extra petita.
Superada a matéria preliminar, passo a analisar o mérito recursal.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Consoante correspondência remetida à parte autora (id 103300352 - Pág. 29/30), datada em
20.06.2013, o INSS relata a existência de irregularidade na manutenção de seu benefício
assistencial, em vista da concomitância deste último com vínculo empregatício (decorrente de
programa de inclusão social do Governo Federal, por intermédio da APAE, já que a Autora
padece de “deficiência mental”), noticiando a cobrança de valores recebidos indevidamente no
período de 06.2008 a 03.2010.
Em 28.05.2014, o INSS expediu nova correspondência à parte autora relatando que, por sua
genitora ter passado a receber pensão por morte a partir de 01.09.2010 e a verter contribuições,
na qualidade de contribuinte individual, nos lapsos de 02.2010 a 05.2010 e de 06.2010 a
10.2010 e como segurado facultativo de baixa renda até 05.2014, a renda familiar, em tese,
restaria incompatível com a manutenção do benefício assistencial, portanto, o período de
concessão indevida da benesse seria mais extenso que o anteriormente identificado, resultando
em débito da requerente com a autarquia superior ao informado previamente, alcançando o
valor de R$ 39.674,36.
Observo que não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo
suposto pagamento indevido do benefício, o que pressupõe a sua boa-fé objetiva no
recebimento dos valores.
Assim sendo, ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em
vista do caráter alimentar do amparo social, entendo inexigível a devolução dos valores já
pagos, devendo o INSS restituir à parte autora os valores já descontados em seu benefício, nos
termos da r. sentença.
Ademais, constato que o INSS notificou a requerente da suposta irregularidade de seu benefício
somente no ano de 2013, sendo que as incongruências que aponta iniciaram em junho de 2005
(sendo que o início do pagamento do benefício ocorreu em 01.03.2007 – id 103300352 - Pág.
294, por decisão judicial), quando a parte autora passou a ostentar vínculo empregatício.
Ou seja, principiado o pagamento do benefício assistencial em 01.03.2007, a Autora já
ostentava o referido vínculo empregatício, registrado em CTPS, desde junho de 2005 e, após,
sua genitora passou a perceber pensão por morte (em 01.09.2010) e a verter contribuições ao
sistema (de 02.2010 a 05.2014 - contribuinte individual e facultativo), entretanto, o INSS só
notificou a requerente acerca dos supostos impedimentos e cobrança dos valores a partir de
junho de 2013.
Portanto, verifico que a Autarquia Federal não efetuou a reavaliação da continuidade das
condições que originaram a concessão do benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, nos
termos do art. 21 da Lei de Assistência e art. 42 do Decreto nº 6.214, fugindo à razoabilidade a
tentativa de cobrar da Autora o pagamento de quantia que alcançou monta tão vultosa, em
consequência do extenso lapso temporal em que a mesma auferiu o referido benefício em
suposto desacordo com a norma legal.
CONSECTÁRIOS LEGAIS
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou
parcial provimento à apelação do INSS, tão somente para ajustar os consectários legais,
observados os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITOS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203,
V, CF/88, LEI N. 8.742/93 E 12.435/2011. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA.
REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. BOA-FÉ OBJETIVA. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Necessário se faz salientar que, de acordo com o artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de
Processo Civil/2015, não será aplicável o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o
proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-
mínimos.
- Na hipótese dos autos, embora a sentença seja ilíquida, resta evidente que a condenação ou
o proveito econômico obtido na causa não ultrapassa o limite legal previsto, enquadrando-se
perfeitamente à norma insculpida no parágrafo 3º, I, artigo 496 do NCPC, razão pela qual se
impõe o afastamento do reexame necessário.
- Na inicial, a parte autora requer a declaração de inexistência e inexigibilidade de débito
registrando pedido de concessão de tutela antecipada, visando o impedimento de eventuais
futuros descontos em seu benefício, informando que estaria sob o risco de sofrer redução de
30% em sua prestação mensal.
- A parte autora juntou aos autos petição que informa o desconto de 30% em seu benefício nas
competências de junho a setembro de 2014 (após a propositura da demanda).
- Afastamento da alegação de sentença extra petita.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Não há qualquer indício de fraude ou ato ilícito praticado pela parte autora pelo suposto
equívoco administrativo na manutenção do benefício, o que pressupõe a boa-fé objetiva da
parte autora no recebimento dos valores apontados como indevidos pelo INSS.
- Ausente a comprovação de má-fé, presume-se a boa-fé da parte autora e, em vista do caráter
alimentar do amparo social, inexigível a devolução dos valores já pagos.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Remessa oficial não conhecida.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação provida em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, rejeitar a matéria preliminar e dar parcial
provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
