
| D.E. Publicado em 05/04/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, determinar a alteração dos juros de mora e da correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0031548-04.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação ajuizada objetivando a concessão do benefício assistencial.
O juízo de primeiro grau julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada - LOAS, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, condenando o INSS a pagar o benefício a partir da data do requerimento administrativo (13/01/2016), no valor de um salário mínimo mensal, com aplicação de juros de mora e correção monetária nos termos nos termos do manual de cálculos da Justiça Federal, bem como honorários advocatícios de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a sentença (Súmula 111 do Eg. STJ) antecipando, ainda, os efeitos da tutela para imediata implantação do benefício.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Em suas razões de apelação o INSS pleiteia a reforma da sentença, alegando ausência de comprovação dos requisitos legais. Pleiteia, ademais, a aplicação da Lei 11.960/2009 na fixação dos juros de mora e correção monetária, a fixação do termo inicial à data da juntada do último laudo técnico ou a decretação da prescrição quinquenal.
Regularmente processado o feito, com contrarrazões, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma que a apelação foi interposta no prazo legal.
O MPF deixou de ofertar parecer sobre o mérito da demanda, opinando tão-somente pelo prosseguimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA: (Relatora):
Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação nos termos do artigo 1.011 do codex processual.
O Benefício Assistencial está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pelas atuais disposições contidas nos artigos 20, 21 e 21-A, todos da Lei 8.742/1993.
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos), que o impossibilite de participar, em igualdade de condições, com as demais pessoas da vida em sociedade de forma plena e efetiva. Tratando-se de benefício assistencial, não há período de carência, tampouco é necessário que o requerente seja segurado do INSS ou desenvolva alguma atividade laboral, sendo imprescindível, porém, a comprovação da hipossuficiência própria e/ou familiar.
O artigo 203, inciso V, da Constituição Federal garante o benefício em comento às pessoas com deficiência que não possuam meios de prover à sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A previsão deste benefício guarda perfeita harmonia com a Constituição de 1988, que hospedou em seu texto princípios que incorporam exigências de justiça e valores éticos, com previsão de tarefas para que o Estado proceda à reparação de injustiças.
Concebida dentro de uma perspectiva do Estado Social de Direito, a Constituição valoriza e protege os direitos sociais básicos, estabelece normas pragmáticas, enfim, apresenta conteúdo contrário ao de uma Constituição do Estado Liberal, afastando-se do repouso, do formalismo e do divórcio entre Estado e Sociedade.
A dignidade humana permeia todas as matérias constitucionais, sendo um valor supremo. E a cidadania não se restringe ao seu conteúdo formal, sendo a legitimidade do exercício político pelos indivíduos apenas uma das vertentes da cidadania, que é muito mais ampla e tem em seu conteúdo constitucional a legitimidade do exercício dos direitos sociais, culturais e econômicos.
Os Princípios Fundamentais previstos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, voltados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, dão suporte às normas públicas voltadas ao amparo de pessoas em situação de miséria.
A estrutura do Estado brasileiro insculpida no texto constitucional está informada pelos direitos e valores nela declarados, que necessitam de permanente conformação com às demandas sociais. Como destaca Paulo Bonavides, seguindo o norte das constituições democráticas, a Constituição brasileira carrega traços do conflito, dos conteúdos dinâmicos, do pluralismo, da tensão sempre renovada entre igualdade e a liberdade.
É com esse espírito que o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V da Carta deve ser compreendido.
O § 2º do artigo 20 da Lei 8742/1993, define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
O conceito adotado pela ONU (Organização das Nações Unidas), na Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ingressou formalmente no ordenamento pátrio com a ratificação desta Convenção e promulgado pelo Decreto nº 6.949/2009. Em 2015, com a Lei 13.146/2015, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado. A norma preceitua que as barreiras limitadoras não precisam ser "diversas", não precisam se "somar", bastando a presença de única limitação. Ao mesmo tempo, verifica-se que as limitações de que trata a Lei atual ampliam a noção de incapacidade pura e simples para o trabalho e para a vida independente, eis que devem ser considerados, também, para a perfeita análise da situação de vulnerabilidade do requerente, fatores sociais e o meio em que a pessoa com deficiência vive, isto é, um conjunto de circunstâncias capazes de impedir a integração justa, plena e igualitária na sociedade daquele que necessita de proteção social.
Nesse sentido, as avaliações de que trata o § 6º do artigo 20, que sujeita a concessão do benefício às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito.
Insta salientar, ainda, que o fato de a incapacidade ser temporária não impede a concessão do benefício, nos termos da Súmula 48 da TNU:
No que diz respeito ao requisito socioeconômico, o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, em linhas gerais, considera como hipossuficiente para consecução deste benefício pessoa cuja renda por pessoa do grupo familiar seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Andou bem o legislador, ao incluir o § 11 no artigo 20, com a publicação da Lei 13.146/2015, normatizando expressamente a possibilidade de comprovação da miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade do requerente por outros elementos probatórios, além da limitação da renda per capita familiar.
Com efeito, cabe ao julgador avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere: Precedentes do C. STJ: AgRg no AREsp 319.888/PR, 1ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 03/02/2017; AgRg no REsp 1.514.461/SP, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJE 24/05/2016; REsp 1.025.181/RS, 6ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 29/09/2008).
Para efeito da mensuração da renda per capita, o Regulamento do Benefício de Prestação Continuada, instituído pelo Decreto nº 6.214/2017, definiu Grupo Familiar em seu artigo 4º, assim dispondo:
Mencionado artigo também normatizou, em seu inciso VI e §2º, as rendas que poderão ser excluídas no cômputo da renda familiar, bem como as que devem ser consideradas nesse cálculo, vejamos:
Por fim, cabe uma última ponderação, que é a consideração feita ao artigo 19, mencionado no inciso VI do artigo supracitado:
De acordo com esse artigo, se algum dos membros do Grupo Familiar receber igual benefício assistencial, referido benefício deve ser excluído da renda per capita familiar.
O STJ, em sede de Recurso Repetitivo, já sedimentou o entendimento de que a mesma regra deve ser aplicada, por analogia, também para quando houver benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo.
Vejamos:
Nesse sentido, os julgados desta C. Corte Regional (7ª Turma, Ap 2015.03.99.030993-0, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 24/10/2016; 7ª Turma, Ap 2014.03.00.013459-1, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, DJ 27/04/2017; 8ª Turma, ApReeNec2013.61.39.001566-7, Rel. Des. Fed. Tania Marangoni, e-DJF3 04/09/2017).
CASO CONCRETO
O estudo social realizado em agosto de 2016 (fls. 203/207) demonstra que a autora, nascida em 01/02/2001, é portadora de escoliose e hipoplasia cerebral congênita desde o seu nascimento, portanto totalmente impossibilitada para o serviço. Reside com sua mãe, sua irmã e suas sobrinhas e estuda na APAE de Fernandópolis. A renda familiar provém do salário de sua mãe, trabalhadora dos serviços gerais para a Prefeitura, no total de R$ 910,00, tendo em conta que sua irmã se encontrava desempregada naquele período.
Muito embora informado pelo INSS em suas razões de apelação que a irmã da autora era contribuinte regular, com salário de contribuição de R$ 880,00, conforme documentos de fls. 275/279, o que afastaria a condição de miserabilidade, caso é que não restou comprovado nenhum vínculo empregatício. Pelo contrário, pelo que consta dos autos, sua irmã possui três filhas menores, o que denota que a miserabilidade estaria ainda mais acentuada.
Outrossim, informações obtidas pela assistente social dão conta de que as despesas mensais com água, luz elétrica, alimentação e gás ficam acima de R$ 500,00.
Forçoso concluir, portanto, que a hipossuficiência restou demonstrada no caso concreto.
Por sua vez, quanto à incapacidade, o laudo médico pericial (fls. 54/57) atestou que a autora é portadora de doença de origem congênita (hipoplasia cerebelar), tendo atraso no desenvolvimento psicomotor, necessitando da vigilância e cuidados de terceiros, definitivamente.
Portanto, comprovados os requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado, a procedência da ação era de rigor.
Com relação ao termo inicial do benefício, correta sua fixação à data do requerimento administrativo, nos termos do entendimento da Corte Superior (AG/INT/RESP 1617493; DJE 04/05/2017; Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; SEGUNDA TURMA). Nesse ponto, não há de se falar em prescrição quinquenal.
Com relação à correção monetária, vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado.
E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso e, de ofício, determino a alteração dos juros de mora e da correção monetária, nos termos expendidos na fundamentação.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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| Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
| Data e Hora: | 27/03/2019 16:38:30 |
