
| D.E. Publicado em 15/06/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juíza Federal Convocada
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013813-26.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, pelo rito ordinário, pela qual a parte autora pretende a obtenção de benefício mais vantajoso, com a condenação do réu no reconhecimento do seu direito à renúncia ao benefício 146.985.695-3, espécie 42 (aposentadoria por tempo de contribuição), bem como a recalcular o novo benefício de aposentadoria na mesma modalidade, considerando no cálculo também o tempo de contribuição posterior à aposentadoria que atualmente recebe, sem a devolução dos valores recebidos por força da implantação do benefício que se pretende renunciar.
A inicial juntou documentos.
A sentença julgou improcedente o pedido de desaposentação, tendo em vista a natureza solidária do sistema contributivo e a não devolução dos valores, na forma do art. 269, I, do CPC. Honorários advocatícios fixados em R$ 900,00.
Apelou o(a) autor(a), alegando a procedência do pedido de desaposentação. Requer a concessão da gratuidade da justiça.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
Quanto ao pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, de fato, não há necessidade de comprovação, bastando, para tanto, simples declaração de hipossuficiência firmada pela parte interessada, como determina o art. 4º da Lei 1.060/50.
A presunção disciplinada no art. 4º, no entanto, não é absoluta, porque pode o magistrado indeferir o benefício se tiver "fundadas razões", conforme autoriza o art. 5º da Lei 1.050/60.
Nesse mesmo sentido, esta Corte Regional já se manifestou:
No caso concreto, os documentos constantes dos autos não comprovaram a alegada hipossuficiência.
O sistema Hiscreweb/Dataprev demonstra que o autor recebe aposentadoria por tempo de contribuição com valor de R$ 3.299,16 (valor atual), restando, dessa forma, descaracterizada a alegada impossibilidade de custear as despesas processuais sem prejuízo de sua subsistência e de sua família, afirmada na declaração juntada às fls. 12.
Já o sistema CNIS/Dataprev informa que o autor mantém vínculo empregatício desde 2000 com a empresa Angelo Peças e Serviços Ltda - ME até os dias atuais, e sua última remuneração integral foi em março/2015, no valor de R$ 4.391,00.
Não ficou configurada modificação na situação econômica do autor que propiciasse a concessão da gratuidade da justiça, nessa etapa processual.
No mais, não há que se falar em decadência ou em prescrição na desaposentação. O prazo decadencial previsto no art. 103 da Lei 8.213/91 (redação dada pelas Leis 9.528/97, 9.711/98 e 10.839/2004), incide somente para os pedidos de revisão do ato de concessão do benefício, o que não é o caso dos autos. A prescrição, nas relações jurídicas de natureza continuativa, não atinge o fundo do direito, mas apenas as prestações compreendidas no quinquênio anterior à propositura da ação (Súmula 85 do STJ). O STJ já decidiu a matéria em sede de recurso repetitivo, julgamento em 27/11/2013 (RESP 1348301).
No mérito, a parte autora, ora apelante, pretende a condenação do INSS na concessão de benefício mais vantajoso porque, mesmo após a concessão de sua aposentadoria, continuou vertendo contribuições para o sistema, de modo que requer a desconstituição do ato de sua aposentadoria para, computando o período de contribuição que se sucedeu àquele ato, obter nova jubilação, mais vantajosa, no sistema previdenciário.
A esta pretensão a doutrina denominou de desaposentação, definida como "a reversão da aposentadoria obtida no Regime Geral de Previdência Social, ou mesmo em Regime Próprio da Previdência de Servidores Públicos, com o objetivo exclusivo de possibilitar a aquisição de benefício mais vantajoso no mesmo ou em outro regime previdenciário."(Castro e Lazzari, Manual de Direito Previdenciário. 4ª. Edição).
Inicialmente, destaco que o sistema de previdência adotado pelo constituinte de 1988 é baseado no princípio da solidariedade, no qual as contribuições são destinadas à composição de um fundo de custeio geral do sistema, e não destinado única e exclusivamente a compor patrimônio privado com contas individuais.
Diante desta opção, a reversão da aposentadoria para obtenção de outra jubilação mais vantajosa fere frontalmente a Constituição Federal em seus artigos 5º, XXXVI (ato jurídico perfeito), 195, caput (princípio da solidariedade) e § 5º (necessidade de custeio para a majoração do valor do benefício).
Além da afronta à Constituição Federal, o pedido da parte apelante não foi prevista pelo legislador ordinário. O artigo 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 veda ao segurado a concessão de qualquer outro benefício após o retorno à atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação, nos termos assim expressos:
No entanto, mesmo diante desta expressa vedação legal, cabe aos intérpretes analisar a possibilidade da desaposentação em face dos princípios que regem a seguridade social.
De início, é importante destacar que a previdência social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, de modo que o retorno à atividade econômica não afasta a obrigação ao pagamento de contribuição previdenciária, sob o imperativo do princípio da solidariedade. Ou seja, no regime da previdência social escolhido pelo legislador constituinte não se contribui apenas para si, mas para a seguridade como um todo, assegurando equilíbrio para o sistema.
Assim, ainda que se pudesse discutir a questão da contribuição do jubilado ao sistema previdenciário, após a concessão de aposentadoria, tais contribuições não podem ser destinadas exclusivamente ao seu capital próprio, como já apreciado pelo STF por ocasião do julgamento da ADI 3105-DF, em que se apreciou a constitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensões dos servidores públicos de que tratou a EC 41/2003. Segue a ementa:
Deste modo, dentro do sistema previdenciário eleito pelo constituinte, os servidores inativos, por integrarem a sociedade, não poderiam invocar o direito de não contribuir, pois suas contribuições destinavam-se, também, a financiar todo o sistema, razão pela qual a exação foi tida por constitucional.
É verdade que nesta ação não se discute contribuições incidentes sobre aposentadorias, no entanto, o raciocínio a ser empregado para a solução é o mesmo, qual seja, o retorno ou a continuidade na atividade econômica, gerando remuneração pela prestação dos serviços, exige contribuições que passam a financiar todo o sistema, não se destinando ao exclusivamente ao incremento da aposentadoria da qual a parte autora recebe no RGPS.
Como as contribuições vertidas após a aposentação não se destinam ao próprio e exclusivo proveito do segurado, mas de todo o sistema, é impróprio falar em desaposentação com aproveitamento de tais contribuições para obter benefício mais vantajoso.
Nem se admite a possibilidade da desaposentação, sob a defesa de que se trata de renúncia a um direito patrimonial. "Renúncia" é um ato privativo da vontade do aposentado de modo que a administração não pode obstar esse direito.
No entanto, não se trata apenas de renunciar ao benefício ou deixar de receber as prestações devidas, abandonando o seu crédito. O que o segurado pretende, com a renúncia, é obter nova concessão, computando agora as contribuições vertidas para o sistema após a concessão do beneplácito.
Então, o que se busca com o provimento jurisdicional vai além da manifestação de vontade exclusiva do beneficiário da aposentadoria. É certo que a renúncia ao seu benefício depende exclusivamente da sua vontade. Mas não se trata de abdicação de um direito sem qualquer contrapartida, mas sim a concessão de nova aposentadoria, o que dependerá do interesse público que não pode ser obrigado a concedê-lo sem que a lei assim o determine ou que a omissão legal venha a impedir um direito constitucionalmente previsto.
Considerando, assim, que o ato de concessão da aposentadoria foi praticado nos termos da lei, sem que nenhum vício tenha sido constatado, não se poderia, em tese, excluir este ato do mundo jurídico e substituí-lo por outro, mais benéfico para a parte ser realizado, considerando somente a vontade da parte beneficiária. No caso dos autos, não vejo como afastar a aplicação do princípio da legalidade e a desconstituição de um ato jurídico perfeito e acabado, que vem produzindo efeitos ao longo do tempo.
O sistema previdenciário não possui natureza de direito privado, em que se aplica o princípio da não vinculação à lei, conforme exprime o referido dispositivo constitucional. O princípio da legalidade que deve reger os benefícios previdenciários informa que é necessária a previsão legal do benefício para autorizar a sua concessão.
Então, diante da ausência de previsão legal expressa da possibilidade de renúncia à aposentadoria, não se autoriza o direito à renúncia, quando presente a finalidade única de revisão da renda mensal.
Nesse sentido, o disposto no art. 181-B do Dec. n. 3.048/99 não extrapolou os limites de regulamentação, pois a irrenunciabilidade encontra fundamento no artigo 125 da Lei n. 8.213/91 e art. 195, §5º, da CF.
O princípio da precedência da fonte de custeio é o outro corolário do princípio da legalidade, pois somente ao benefício previsto no regime jurídico previdencíario é que se poderia deduzir sua referibilidade com as respectivas fontes de custeio.
Com isso a pretensão de desconstituir um benefício para obtenção de outro mais vantajoso encontra óbice no sistema de custeio de aposentadorias, pois a concessão de benefício leva em consideração o tempo de contribuição e a idade (fator previdenciário), para fins de cálculo da renda mensal inicial do segurado.
Resulta da equação atuarial que os trabalhadores que suportaram período mais longo de contribuição fazem jus à concessão de benefício de aposentadoria pleno, ao passo que aqueles que obtêm a concessão de aposentadoria prematura sofrem um deságio no valor do benefício concedido.
Neste sentido, a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal desta 3ª Região, nos autos dos EI 0007647-53.2010.4.03.6183, julgado em 25/10/2012, relatada pela Desembargadora Federal MARISA SANTOS, publicada no e-DJF3 Judicial 1, conforme segue:
Portanto, não se pode obrigar a autarquia previdenciária a atender ao pedido da parte autora, porque não há lei genérica e abstrata que a preveja de modo a garantir a isonomia entre os segurados que se encontrarem em igualdade de condições, o que é inviável por meio da atuação jurisdicional devido a sua natureza casuística e com eficácia interpartes.
Em paralelo, não podemos nos olvidar do esforço de vários países, no sentido de manter o equilíbrio financeiro e atuarial dos sistemas previdenciário - especialmente, no que diz respeito à aposentadoria precoce, pois que isso exige enorme carga de contribuições da sociedade.
Para o caso das aposentadorias por tempo de serviço, a alternativa encontrada foi a de diminuir, drasticamente, o valor do benefício, pois isso põe o segurado a pensar se vale a pena pleitear o benefício prematuramente em troca de uma inatividade com poucos recursos.
A desaposentação afronta esta orientação. Ao autorizar a renúncia, permitindo o aproveitamento do tempo de serviço laborado após a aposentação, para fins de incremento do valor do benefício, ao argumento de ausência de proibição legal/constitucional, estimularia a aposentadoria precoce. Nenhum trabalhador abriria mão de se aposentar mais cedo, recebendo de duas fontes - uma, pública: a aposentadoria; e a outra, privada: os salários da empresa - por ter assegurado o direito de acrescentar mais tempo de serviço àquele que considerou por ocasião da concessão do benefício originário.
Por fim, não se olvide que o tema foi enfrentado parcialmente pelo STJ, em sede de recurso repetitivo, no julgamento do REsp 1334488, em 08/05/2013:
Após a oposição de dois embargos de declaração do julgado, a questão restou assim assentada:
Portanto, a despeito do Superior Tribunal de Justiça ter firmado orientação no sentido da possibilidade de desaposentação, a questão constitucional não apreciada encontra-se em sede de repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não há falar em pacificação da orientação em relação a questão. Referida analise é pressuposto de aplicabilidade do julgamento do recurso repetitivo que, ademais, não transitou em julgado.
Analisado o pedido sob a interpretação sistemática do regime jurídico da previdência social, conclui-se que é impossível a majoração do valor do benefício por conta de um tempo de serviço laborado posteriormente à concessão da aposentadoria.
Aos defensores da teoria da desaposentação impressiona o fato de serem efetuadas contribuições sem qualquer possibilidade de contraprestação ao segurado contribuinte. Daí defenderem a renúncia ao benefício e imediata concessão de outro, da mesma espécie, com acréscimo de tempo de contribuição, idade e novos salários-de-contribuição.
No entanto, esse fato não se choca com os fundamentos do sistema previdenciário brasileiro que é contributivo, mas se baseia na solidariedade, cujo motor principal é a participação de toda a coletividade no financiamento do sistema, o que afasta a necessidade de correspondência entre custeio e benefício, próprio dos sistemas eminentemente contributivos.
Mantida a verba honorária, fixada nos termos do entendimento da Nona Turma.
Pelos motivos expostos, NEGO PROVIMENTO à apelação.
É o voto.
MARISA CUCIO
Juíza Federal Convocada
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | MARISA CLAUDIA GONCALVES CUCIO:10203 |
| Nº de Série do Certificado: | 17A8F55F4754F7F6 |
| Data e Hora: | 02/06/2015 16:20:18 |
