
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001144-16.2010.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANGELINA RODRIGUES MARALDY, ARLETH MARALDI
Advogado do(a) APELANTE: ARNALDO BANACH - SP91776-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IZABELLA LOPES PEREIRA GOMES COCCARO - SP183111
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001144-16.2010.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANGELINA RODRIGUES MARALDY, ARLETH MARALDI
Advogado do(a) APELANTE: ARNALDO BANACH - SP91776-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IZABELLA LOPES PEREIRA GOMES COCCARO - SP183111
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Trata-se de ação movida por ANGELINA RODRIGUES MARALDI em face do INSS, em que a autora objetiva a cessação dos descontos efetuados pela autarquia federal em seu benefício de pensão por morte, NB 21/141.770.49-40, em razão da percepção de aposentadoria de seu falecido marido, após o óbito ocorrido em 14/10/2001, até 11/2006.
Concedida a gratuidade de justiça à autora (ID 196378237 – p. 104-105).
A r. sentença proferida pelo Juízo da 7.ª Vara Federal Previdenciária julgou improcedente o pedido formulado na inicial, ao fundamento de que a aposentadoria é personalíssimo e vitalício, sendo ilegal qualquer recebimento posterior ao óbito do segurado (ID 196378237 247-249).
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, que não houve recebimento de valores indevidos após o óbito de seu marido, pois os recursos eram integralmente empregados no seu sustento, alimentação, remédio e plano de saúde, tudo isso sob os cuidados de sua filha Arleth Maraldi. Aduz que em 30/11/2006 requereu pensão por morte, mas recebeu seus créditos atrasados já descontados 30%, percentual esse que, atualmente, incide mensalmente sobre seu benefício (ID 196378237 – p. 252-256).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
Foi determinada a suspensão do presente feito, tendo em vista a Proposta de Afetação no Recurso Especial n.º 1.381.734-RN: “Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social” (ID 196376336 – p. 6).
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001144-16.2010.4.03.6183
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: ANGELINA RODRIGUES MARALDY, ARLETH MARALDI
Advogado do(a) APELANTE: ARNALDO BANACH - SP91776-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: IZABELLA LOPES PEREIRA GOMES COCCARO - SP183111
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
O recurso ora analisado se mostra formalmente regular, motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Não havendo questões preliminares, passo ao exame do mérito.
A presente ação foi ajuizada com o fim de cessar descontos referentes ao recebimento de aposentadoria de seu marido, após seu óbito, ocorrido em 14/10/2001, até 11/2006.
A respeito do tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão de afetação cuja ementa segue transcrita:
DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016.
Através do julgamento do REsp 1.381.734/RN (Tema 979), sobreveio a decisão de seguinte teor:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.381.734 - RN (2013/0151218-2). Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES. Órgão julgador 1ª SEÇÃO. Data do julgamento 10/3/2021. Data de publicação DJ. 23/4/2021)
Impende frisar que dado o poder-dever e a capacidade da Administração Pública de corrigir seus próprios erros quando os atos são afetados por vícios insanáveis, é essencial que, ao identificar um erro administrativo no fornecimento de benefícios previdenciários seja iniciado imediatamente um processo administrativo de suspensão, respeitando o devido processo legal, conforme estabelecido na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos".
Nesse contexto, a jurisprudência nacional consolidou-se no sentido de que nos casos em que a Administração Pública, representada pela entidade autárquica, incorre em interpretação equivocada e/ou aplicação inadequada da lei, o beneficiário não deve ser punido com a obrigação de reembolsar fundos de natureza alimentar que foram pagos em excesso, pois tais pagamentos são considerados irrepetíveis. Isso se deve ao fato de não ser razoável exigir que o beneficiário tenha um profundo conhecimento das leis previdenciárias e processuais, transferindo a ele a responsabilidade de indicar um erro administrativo nos cálculos. Portanto, presume-se a boa-fé objetiva do beneficiário, recaindo o ônus probatório da má-fé sobre a entidade autárquica, sendo, ainda responsabilidade do ente público exercer o cuidado necessário na aplicação das normas estabelecidas.
O STJ fixou a tese de que “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”.
Restou consignado que, diante de casos de erro material ou operacional, como o que ora se analisa, deve-se averiguar a presença da boa-fé do segurado, concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento indevido.
No caso dos autos, a recorrente recebeu e usufruiu do benefício de aposentadoria de seu marido, após seu falecimento, por aproximadamente cinco anos.
Conforme esclarecido pela parte autora, o falecido Leopoldo Adelino Maraldi, pouco antes de seu óbito, era representado por sua filha Arleth, conforme decisão judicial proferida em ação de interdição, cabendo-lhe a administração provisória dos bens e a percepção de rendas. Com o óbito de Leopoldo, a aposentadoria não foi automaticamente cessada, e os proventos recebidos eram revertidos em favor da autora Angelina, notadamente nos cuidados de sua saúde.
Em que pese a alegada necessidade, os argumentos expostos não sustentam a boa-fé quanto ao recebimento do benefício.
O Juízo a quo bem consignou que a aposentadoria é benefício personalíssimo, o que impede a realização de pagamentos posteriores ao óbito do segurado.
O longo período que esse benefício foi recebido milita em desfavor da autora, pois não há como se alegar desconhecimento quanto à origem da verba recebida, sobretudo que aquele pagamento era indevido.
Assim, entendo pela manutenção integral da r. sentença, devendo ser mantido o desconto promovido pela autarquia previdenciária, até o limite de 30%, sendo vedada a redução da renda mensal a valor inferior a um salário mínimo.
Determino, por fim, a majoração da verba honorária em 1% (um por cento) a título de sucumbência recursal, cuja exigibilidade observará o disposto no artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil/2015, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Por tais fundamentos, nego provimento à apelação da autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. TEMA 979/STJ. NÃO CARACTERIZADA A BOA-FÉ.
- O Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 979), firmou a tese de que, “Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.”
- Os argumentos expostos pela autora não sustentam a boa-fé quanto ao recebimento do benefício.
- A recorrente recebeu e usufruiu benefício de aposentadoria de seu marido, após seu falecimento, por aproximadamente cinco anos.
- A aposentadoria é benefício personalíssimo, o que impede a realização de pagamentos posteriores ao óbito do segurado.
- O longo período que esse benefício foi recebido milita em desfavor da autora, pois não há como se alegar desconhecimento quanto à origem da verba recebida, sobretudo que aquele pagamento era indevido.
- Mantida integralmente a sentença, devendo ser mantido o desconto promovido pela autarquia previdenciária, até o limite de 30%, sendo vedada a redução da renda mensal a valor inferior a um salário mínimo.
- Apelação a que se nega provimento, com majoração da verba honorária em 1%, de exigibilidade suspensa em razão da gratuidade da justiça.
