
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000847-42.2022.4.03.6137
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: MARIA APARECIDA BRAGA GAZOLA
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000847-42.2022.4.03.6137
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: MARIA APARECIDA BRAGA GAZOLA
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO:
Trata-se de ação ordinária movida pela Sra. MARIA APARECIDA BRAGA GAZOLA contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando o restabelecimento do Benefício Assistencial a Pessoa com Deficiência – LOAS e a declaração de inexigibilidade de débito previdenciário.
Em apertada síntese, a parte autora alega que percebia benefício de prestação continuada, o qual foi cessado, sob a alegação de superação do critério de miserabilidade. Laudo socioeconômico juntado (ID 263705042, fls. 49/59).
O MPF opinou pela procedência do pedido (ID 266669200).
O juízo ad quo (ID 279693342) ao proferir a r. sentença, julgou improcedente o pedido inicial:
(...)
Deste modo, considerando que (i) a renda recebida por seu marido é, ainda que por pouca diferença, superior ao salário mínimo, (ii) seu filho Junior consta no sistema do INSS como residente no local (e aufere renda própria), e (iii) seu outro filho, Juliano, declaradamente residente com a Autora, não aufere renda, e não há notícias de que possua algum impedimento para o trabalho, conclui-se pela inexistência do requisito relativo ao estado de miserabilidade.
Ressalto que entendimento semelhante já foi firmado em situação análoga. A esse respeito, cite-se acórdão da 8ª Turma Recursal da Justiça Federal da 3º Região, nos autos 0002182-66.2021.403.6316, cujo trecho paradigma do voto vencedor, está abaixo transcrito:
Por fim, ressalto que a obrigação constitucional do Estado de prestar assistência financeira a idosos e deficientes está condicionada à impossibilidade da própria pessoa prover sua subsistência e ainda à inexistência de familiares capazes de assegurar a manutenção desses indivíduos, o que, como ficou demonstrado, não é o caso dos autos.
Com tais elementos, nota-se que as condições de vida identificadas por ocasião da perícia não revelam situação de miserabilidade, indispensável para a concessão do benefício almejado.
O conjunto probatório que instrui o presente feito foi produzido sob o crivo do contraditório e, analisado em harmonia com o princípio do livre convencimento motivado, conduz o órgão julgador à conclusão de que não é o caso de concessão/restabelecimento do benefício em questão.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, CPC.
CONDENO a Autora ao pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados da Ré no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, §3º, inciso I, c/c §4º, inciso III, e parágrafo único do art. 86, todos do Código de Processo Civil, ficando suspensas as exigibilidades das obrigações decorrentes de sua sucumbência da parte autora, ante a gratuidade da justiça já deferida, nos termos do art. 98, §1º, inciso VI e §3º, do CPC.
(...)
A parte autora interpôs apelação, sustentando que (i) é portadora de graves doenças, em especial em razão da idade avançada (66 anos), (ii) que o núcleo familiar da apelante é composto pela autora, o marido e um filho, (iii) que o marido percebe uma aposentadoria no valor de R$ 1.116,32, e que o filho está desempregado, e que, portanto, vivem em situação de vulnerabilidade social, e (iv) pugna pela declaração de inexistência do débito de R$ 59.860,56, por ser verba de caráter alimentar e percebida de boa-fé.
Parecer do MPF (ID 282154964) pelo parcial provimento da apelação, tão somente a fim de que seja restabelecido o benefício assistencial, com termo inicial na data do ajuizamento da ação.
Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000847-42.2022.4.03.6137
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: MARIA APARECIDA BRAGA GAZOLA
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO BASSOLI GANARANI - SP213210-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO:
O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade (art. 1.011, CPC) e merece ser conhecido.
Do Benefício Assistencial
A Constituição Federal instituiu, no art. 203, caput, e em seu inciso V, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Tal garantia foi regulamentada pelo art. 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), alterada pela Lei 9.720/98. Posteriormente, a redação do mencionado art. 20 foi novamente alterada pelas Leis nºs 12.435/2011 e 12.470/2011, passando a apresentar a seguinte redação:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Precedentes jurisprudenciais resultaram por conformar o cálculo da renda familiar per capita, da qual deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima. Neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. SOBRESTAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DESNECESSIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR IDOSO OU DEFICIENTE.
1. Esta Corte Superior já firmou entendimento no sentido da inaplicabilidade do disposto no art. 543-C do CPC nesta instância, em relação ao julgamento dos recursos que tratam sobre a mesma matéria afetada à observância do rito previsto no citado dispositivo.
2. No cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, este último por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1117833/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013)
PERCEBIDO POR MAIOR DE 65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI N. 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.MÍNIMO VALOR DE BENEFÍCIO DE EXCLUSÃOPREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
- O mandado de segurança é remédio constitucional (art. 5º, LXIX, CF/88) destinado à proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo perpetrado por autoridade pública.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Possibilidade de exclusão, do cálculo da renda familiar, dos benefícios assistenciais recebidos por idosos e por deficientes e também dos benefícios previdenciários concedidos ao idoso, no valor de até um salário mínimo.- Remessa oficial desprovida. (RemNecCiv - REMESSA NECESSáRIA CíVEL / SP 5019639-63.2019.4.03.6100 , Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO , 9ª Turma, 15/10/2020).
Também deverá ser desconsiderado o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade, como vem sendo decidido desde longa data por esta Eg. 9ª Turma.
Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
Não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios, conforme disposto no art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, na redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30-11-1998, ao entender como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.
O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).
Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").
O Superior Tribunal de Justiça corrobora tal orientação, como demonstram os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal. II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n.
8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: "[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
IV - Portanto, entende-se que "são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica" (REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017.) Ainda nesse sentido: REsp n. 1.247.571/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/12/2012.
V - Assim, deve ser afastado o entendimento da Corte de origem que fez somar a renda do cunhado e do sobrinho. Ainda que vivam sob o mesmo teto do requerente do benefício, seus rendimentos não devem ser considerados para fins de apuração da hipossuficiência econômica a autorizar a concessão de benefício assistencial, pois não se enquadram conceito de família previsto no § 1º do art. 20 da Lei n.
8.742/93.
VI - Recursos especiais providos.
(REsp 1727922/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991.
CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA.
1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ.
2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).
3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica.
4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 1538828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No que se refere à renda mínima, o Superior Tribunal de Justiça, assentou que essa renda não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família. Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário-mínimo implica presunção de miserabilidade a ensejar o deferimento do benefício, mas não impede o julgador de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família.
Do caso dos autos
No que tange ao requisito subjetivo (idade), não há controvérsias, uma vez que a parte autora possui 66 anos de idade (ID 263705041, fls. 13), satisfazendo o requisito etário previsto no art. 20, da Lei n. 8.742/1993.
Quanto ao critério objetivo de miserabilidade social, a perícia social ressaltou os seguintes pontos:
1. O núcleo familiar da parte Autora é composto por ela, seu esposo, Sr. Irineu, e seu filho Juliano, atualmente com 28 (vinte e oito) anos de idade, conforme informado no ID 263705042, fls. 49. A Autora possui ainda outro filho, Junior, o qual é proprietário de um restaurante.
2. Conforme apurado pela perícia, não há, no seio familiar, qualquer membro que exerça atividade remunerada, sendo que o cônjuge da Autora aufere aposentadoria no valor de R$ 1.116,32 (montante vigente à época da realização da perícia). Além disso, a família recebe auxílio em forma de alimentos, tanto da igreja quanto de seu filho Junior.
3. No que se refere às despesas básicas, como alimentos, gás, medicamentos, água e energia, o relatório pericial aponta que o gasto mensal da família perfaz aproximadamente R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais), montante que supera a receita proveniente exclusivamente da aposentadoria do esposo da Autora (quesito 11). Ademais, alguns medicamentos são obtidos pela Autora junto à rede pública de saúde.
4. A Autora reside em imóvel de sua propriedade, o qual, de acordo com as fotografias constantes nos autos, apresenta-se de forma simples, contando com camas e eletrodomésticos em estado de conservação razoável, a exemplo de televisão, geladeira, fogão e ventiladores. A residência, composta por seis cômodos (cozinha, banheiro e três quartos), necessita de reparos.
5. A localização do imóvel da Autora, no município de Dracena-SP, é de fácil acesso e conta com infraestrutura adequada.
6. Consta nos autos que o filho Junior, embora não mencionado diretamente na perícia social, reside com a Autora e realiza o recolhimento de contribuição previdenciária na condição de contribuinte individual (ID 263705042, fls. 72).
7. O benefício de aposentadoria atualmente recebido pelo esposo da Autora é superior ao valor do salário-mínimo vigente (ID 272423943).
8. É relevante destacar que o filho Juliano, com 28 (vinte e oito) anos, também reside no imóvel, não exercendo qualquer atividade laborativa. Não há nos autos qualquer indício de que o referido filho, Juliano, apresente problemas de saúde que justifiquem sua inatividade laboral, nem impedimento que o impossibilite de contribuir para as despesas do lar.
Desse modo, vislumbra-se que a perícia socioeconômica não comprovou a condição de vulnerabilidade ou miserabilidade atual, apesar das dificuldades financeiras reconhecidas. As condições habitacionais não indicam que o requerente depende de assistência estatal para garantir seu mínimo existencial.
É importante ressaltar que não se questiona as dificuldades financeiras enfrentadas pela requerente. No entanto, para a concessão do benefício de prestação continuada, é necessário que o contexto geral demonstre a presença de miserabilidade.
Com base nas evidências apresentadas, conclui-se que o requerente não preenche os requisitos para o benefício pleiteado, destinado a pessoas em situação de miserabilidade (extrema pobreza) e não apenas de pobreza, condição não verificada neste caso específico.
Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da CF/1988 é claro ao estabelecer que, para fins de concessão do benefício assistencial, a responsabilidade do Estado é subsidiária.
Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à complementação de renda familiar.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Não configurada a situação de miserabilidade da parte autora, é inviável a concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993.
- Mantida a condenação da parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida.
(ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003304-04.2022.4.03.9999 Relator(a) Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA Órgão Julgador 9ª Turma Data do Julgamento 15/09/2022 )
CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.
II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo por isso a condição de idosa.
III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada miserabilidade da autora.
V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às receitas.
VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.
VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.
VIII - Apelação improvida.” (TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos - 05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)
Dessa forma, embora o benefício pleiteado pudesse proporcionar uma melhoria no padrão de vida da requerente, é necessário destacar que o sistema de assistência social foi idealizado para amparar indivíduos em situação de extrema necessidade, cuja subsistência seja inviável sem a intervenção do Estado, e não para promover o incremento do padrão de vida.
Nesse contexto, os elementos probatórios constantes dos autos não evidenciam o preenchimento do requisito relativo à hipossuficiência econômica da parte autora.
Consequentemente, à luz do exposto, torna-se inviável a concessão do benefício assistencial de prestação continuada ora pretendido.
Restituição de valores recebidos indevidamente
Como é conhecido de todos, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento admitindo a possibilidade de a Administração Pública rever os seus atos, quando eivados de nulidades e vícios, mediante o exercício de autotutela para fins de proceder a anulação ou revogação, nos termos das Súmulas 346 e 473, in verbis:
Súmula 346: "A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos" (STF, Sessão Plenária 13/12/1963)
Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial" (STF, Sessão Plenária 03/12/1969).
Com o advento do artigo 114 da Lei n. 8.112, de 11/12/1990, a ordem jurídica passou a conter norma legal expressa concedendo suporte ao princípio da autotutela administrativa, estabelecendo que: "A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade”.
Nessa senda, a Lei n. 9.784, de 29/01/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, passou a disciplinar o dever de a Administração anular os seus atos quando maculados por vícios de ilegalidade, bem assim revogá-los por razões de conveniência e oportunidade, na forma preconizada pelos artigos 53 e 54, in verbis:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
De outro giro, o Código Civil disciplina a obrigação de devolução de valores recebidos ilicitamente, na forma do que dispõem os seus artigos 876, 884 e 927, in verbis:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
(...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
(...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Na esfera previdenciária, o artigo 115, inciso II, daLei n. 8.213, de 24/07/1991, estabelece que cabe à Autarquia Previdenciária efetuar a cobrança de valores pagos indevidamente, identificados em regular processo administrativo, nos seguintes termos:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Ademais, se comprovada a hipótese de dolo, fraude ou má-fé, a restituição das importâncias recebidas indevidamente deverá ser efetuada de uma só vez, consoante o artigo 154, § 2º, do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999.
Tema 979/STJ
Nessa senda, a controvérsia sobre os limites aplicáveis à restituição conduziu o C. Superior Tribunal de Justiça a afetar o tema para perscrutar a respeito da seguinte questão: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social".
O assunto foi pacificado no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
Além disso, houve modulação dos efeitos, em obséquio ao princípio da segurança jurídica, mormente em razão do interesse social e da repercussão do julgamento, razão por que o C. STJ fixou a aplicação do Tema 979/STJ somente aos processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
Eis a ementa, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além dcaráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
STJ, REsp 1.381.734 - RN, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, j. em 10.03.2021, DJe 23.04.2021
Desse julgamento é possível extrair as seguintes conclusões:
(i) o pagamento indevido decorrente de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela Administração Previdenciária não é suscetível de repetição;
(ii) o pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o erro (boa-fé objetiva);
(iii) a hipótese de repetição em razão de erro da Administração Previdenciária atinge somente os processos distribuídos desde 23/4/2021 (modulação dos efeitos);
(iv) admitida a repetição, é permitido o desconto do percentual de até 30% do valor mensal do benefício do segurado.
Sobre a boa-fé objetiva, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, “esta se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (STJ, REsp n. 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
Por sua vez, a boa-fé subjetiva está relacionada a intenção do agente, contrapondo-se à má-fé (pressuposto do ilícito civil), a qual não se presume e deve ser demonstrada.
Efetivamente, somente cabe cogitar de aplicação do Tema n. 979 se afastada a discussão sobre a má-fé do agente.
Neste caso, a ação foi ajuizada em 13/12/2021, depois, portanto, do julgamento desse recurso especial pelo STJ, estando fora do alcance da modulação dos efeitos do julgado.
Sendo assim, conforme posto no Tema 979 do STJ, cabe ao segurado, diante do caso concreto, comprovar "sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
No caso dos autos, constata-se que o benefício assistencial de prestação continuada foi inicialmente concedido à Apelante em 18 de fevereiro de 2004, tendo sua cessação ocorrido em 1º de maio de 2021, conforme se depreende do CNIS anexado aos autos (ID 279692379, página 14).
O fundamento para tal cessação reside no fato de que a renda familiar per capita da Apelante ultrapassou o limite legalmente estabelecido, considerando-se os valores recebidos por seu cônjuge a título de aposentadoria (29/7/2016 - ID 279693159, página 13), bem como por um de seus filhos (ID 279692379, página 21), ainda que este último não coabite com a Recorrente.
No que tange à boa-fé da Apelante, observa-se que a mesma é alfabetizada (ID 276693159, página 49), não havendo nos autos qualquer indício de que sofra de condição física ou mental que comprometa sua capacidade de discernimento ou julgamento.
Diante desse panorama, inexiste justificativa plausível para o descumprimento da obrigação legal de manter o Cadastro Único (CadÚnico) devidamente atualizado, conforme disposto no artigo 12 e parágrafos do Decreto nº 6.214/2007:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico.
§ 1º O beneficiário que não realizar a inscrição ou atualização no CadÚnico terá seu benefício suspenso após encerrado o prazo estabelecido na legislação. (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
§ 2º O benefício será concedido ou mantido apenas quando o CadÚnico estiver atualizado e válido, de acordo com o disposto no Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007 . (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
O dever de manter o Cadastro Único devidamente atualizado constitui, inclusive, hipótese expressa de suspensão do benefício, não podendo tal responsabilidade ser transferida à autarquia previdenciária. Cabe à parte beneficiária zelar pela correta e contínua atualização de suas informações, enquanto à autarquia cabe, o cruzamento desses dados para manutenção da benesse.
Esse dever de atualização é de caráter pessoal e intransferível, conforme delineado pela legislação aplicável, sendo fundamental para a adequada manutenção e continuidade dos benefícios assistenciais:
Art. 13. As informações para o cálculo da renda familiar mensal per capita serão declaradas no momento da inscrição da família do requerente no CadÚnico, ficando o declarante sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração falsa.
§ 2 º Por ocasião do requerimento do benefício, conforme disposto no § 1 º do art. 15, o requerente ratificará as informações declaradas no CadÚnico, ficando sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração falsa.
Art. 47. O Benefício de Prestação Continuada será suspenso nas seguintes hipóteses: (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
I - superação das condições que deram origem ao benefício, previstas nos art. 8º e art. 9º; (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018)
II - identificação de irregularidade na concessão ou manutenção do benefício;
Ao deixar de proceder com a devida atualização cadastral, a Apelante omitiu a informação acerca da modificação de sua renda familiar per capita, a qual foi significativamente aumentada em razão da aposentadoria concedida ao seu cônjuge. Tal omissão resultou na manutenção indevida do benefício por período em que os requisitos legais para sua concessão já não estavam presentes.
Relembre-se que no ordenamento jurídico a boa-fé ocupa uma posição central, sendo princípio basilar das relações jurídicas, ao qual todas as partes devem se submeter. Ela não se limita a uma postura de retidão e honestidade, mas também abrange um comportamento ético, de cooperação e lealdade entre as partes envolvidas. Uma das figuras parcelares da boa-fé é o dever de informar, que impõe a cada uma das partes a obrigação de fornecer à outra todas as informações relevantes, necessárias para que esta possa tomar decisões conscientes e fundadas no âmbito da relação jurídica estabelecida.
Tal dever não se restringe à mera comunicação formal, mas se estende à prevenção de erros e enganos que possam prejudicar a outra parte, promovendo a transparência e a confiança mútua. No contrato, por exemplo, é essencial que todos os dados que possam influenciar a vontade de contratar sejam transmitidos de maneira clara e precisa, sob pena de violação à boa-fé objetiva.
A omissão de informações relevantes ou a distorção intencional de fatos configura não apenas um desrespeito ao princípio da boa-fé, mas pode gerar responsabilidade civil, com a consequente reparação de danos. Logo, a boa-fé e o dever de informar caminham juntos na busca de assegurar a equidade e justiça nas relações jurídicas.
Portanto, em conformidade com as provas colacionadas aos autos, ao que tudo indica, presente erro administrativo pelo não cumprimento da determinação legal, prevista no artigo 21 da Lei n. 8.742/1993 (LOAS), de rever o benefício assistencial a cada 2 (dois) anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
Diante do equívoco constatado, persiste a obrigação da parte beneficiária em restituir os valores indevidamente recebidos, conforme estabelecido no Tema nº 979 do Superior Tribunal de Justiça. Isto porque a parte continuou a usufruir do benefício assistencial de forma indevida, uma vez que já não preenchia os requisitos necessários para sua concessão. Ademais, houve omissão quanto à comunicação da alteração de sua renda familiar por vários anos, o que somente foi identificado e corrigido pela autarquia no momento da cessação do benefício.
Consectários
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
/gabcm/gdsouza
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIDOS. TEMA 979 STJ. OMISSÃO DA PARTE AUTORA. CAD ÚNICO. ERRO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. São dois os requisitos para a concessão do benefício assistencial: condição de pessoa com deficiência/impedimento de longo prazo ou idosa (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, de hipossuficiência econômica ou de desamparo).
2. A perícia socioeconômica não comprovou a condição de vulnerabilidade ou miserabilidade atual, apesar das dificuldades financeiras reconhecidas. As condições habitacionais não indicam que o requerente depende de assistência estatal para garantir seu mínimo existencial.
3. Embora o benefício pleiteado pudesse proporcionar uma melhoria no padrão de vida da requerente, é necessário destacar que o sistema de assistência social foi idealizado para amparar indivíduos em situação de extrema necessidade, cuja subsistência seja inviável sem a intervenção do Estado, e não para promover o incremento do padrão de vida.
4. Nesse contexto, os elementos probatórios constantes dos autos não evidenciam o preenchimento do requisito relativo à hipossuficiência econômica da parte autora.
5. Consoante tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema nº 979 dos Recursos Repetitivos, os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, cabendo ao segurado, diante do caso concreto, comprovar sua boa-fé objetiva.
6. O pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o erro (boa-fé objetiva);
7. Hipótese em que a parte descumpriu obrigação legal de manter o Cadastro Único (CadÚnico) devidamente atualizado, conforme disposto no artigo 12 e parágrafos do Decreto nº 6.214/2007. Omissão da alteração de renda.
8. Tal omissão resultou na manutenção indevida do benefício por período em que os requisitos legais para sua concessão já não estavam presentes.
9. Mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
10. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
