Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000094-76.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 29/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE AMPARO SOCIAL. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente
e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos
recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de
condições de tê-las providas pela família.
- A autarquia, em revisão administrativa, cessou o amparo social da autora e passou a exigir os
valores recebidos a esse título, em período posterior à concessão da aposentadoria por idade a
rurícola a seu cônjuge, tendo sido considerado indevido o pagamento do LOAS de 20.05.11 a
30.06.13. Conforme consta do processo de auditoria, o benefício foi concedido regularmente, não
tendo sido vislumbrado quaisquer irregularidades. Apenas a partir de 20.05.11, quando o esposo
obteve êxito no deferimento de sua aposentadoria por idade a rurícola, a autarquia concluiu que a
renda per capita seria superior a ¼ do salário mínimo.
- Efetivamente, portanto, não há nenhum indício de que a parte autora tenha praticado qualquer
ato fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual não há como se imputar conduta ilícita ou
má-fé na percepção do benefício
- Constatada a boa-fé objetiva do demandante, nos termos do decidido no Tema 979 pelo C. STJ,
inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Mantida a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da autarquia à devolução
dos valores já descontados, a serem apurados em fase de liquidação de sentença.
- A fixação do percentual da verba honorária, deverá ser definida somente na liquidação do
julgado.
- Apelação autárquica improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000094-76.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IZABEL DE SOUZA CORREIA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO
AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000094-76.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IZABEL DE SOUZA CORREIA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO
AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada por IZABEL DE SOUZA CORREIA contra o INSTITUTO NACIONAL
DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando a declaração de inexistência de débito frente ao
ressarcimento que está lhe sendo cobrado pela autarquia, em relação ao período de 2005 a
2011, em que recebeu proventos de benefício assistencial.
Conta que a autarquia tem procedido descontos mensais em sua aposentadoria por idade,
concedida em julho de 2013. Sustenta que o Institutosuspendeu o benefício assistencial, sob o
argumento de que a renda per capita da segurada era superior a ¼ do salário mínimo, pelo fato
de o esposo da autora receber benefício de aposentadoria.
Foi deferida liminar, para o fim de determinar ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS que
procedesse à suspensão dos descontos no benefício previdenciário da autora (ID 151494759,
p. 30).
A sentença julgou procedentes os pedidos, para o fim de: “a) DETERMINAR ao réu o
cancelamento dos descontos relativos ao procedimento administrativo mencionado na prefacial,
efetivados no benefício de aposentadoria por idade rural recebido atualmente pela requerente –
NB 169.731.744-5 (fl. 21), convalidando a liminar deferida initio litis. b) CONDENAR o réu a
ressarcir à autora os valores descontados indevidamente em decorrência do procedimento
indicado no item anterior, atualizado pelo IPCA-E desde o efetivo desconto e acrescido de juros
de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação”. Ante a sucumbência, condenou
o réu ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais
deverão ser apurados quando liquidado o julgado, nos termos do art. 85, §§ 3º e 4º, inc. II, do
CPC (ID 151494762, p. 36).
A autarquia federal interpôs recurso de apelação. Em suas razões recursais, requer a reforma
da r. sentença, declarando exigível o ressarcimento de valores indevidos recebidos de boa-fé
(ID 151494762, p. 54-59).
Foram apresentadas contrarrazões.
O MPF ofertou parecer e opinou pelo improvimento do apelo autárquico, nos termos da tese
firmada por meio do Tema 979 do C. STJ (ID 160862878).
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000094-76.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: IZABEL DE SOUZA CORREIA
Advogados do(a) APELADO: ROBSON QUEIROZ DE REZENDE - MS9350-A, TIAGO DO
AMARAL LAURENCIO MUNHOLI - MS10560-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o apelo e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DOS FATOS
Narra a autora, na inicial, que a autarquia tem procedido descontos mensais em sua
aposentadoria por idade, concedida em 2013, a título de débito referente a ressarcimento de
proventos de benefício assistencial em relação ao período de 2005 a 2011.
Sustenta que “aproximadamente no ano de 2005, compareceu ao estabelecimento da
Instituição requerida na cidade de Paranaíba-MS, desacompanhada de profissional habilitado,
requerendo o benefício de aposentadoria por idade.Naquele momento, as servidoras do INSS
lhe fizeram alguns questionamentos e, posteriormente, foi concedida à autora o benefício de
prestação continuada à pessoa idosa, benefício nº 514.372.292-2, uma vez que as mesmas
consideraram que a requerente se encaixava nos requisitos legalmente exigidos. Assim sendo,
certa da presteza no atendimento e do conhecimento das atendentes, a autora passou, desde
então, a receber o benefício do LOAS, que a mesma acreditava se tratar de sua aposentadoria.
Ocorre que, após ter seu benefício cessado pela Autarquia no ano de 2011, a autora procurou
seu patrono, sendo, na ocasião, orientada a solicitar sua aposentadoria por idade rural,
benefício que foi concedido desde o ano de 2013, por meio da ação judicial movida em face da
requerida, em tramite pela 1ª Vara Cível desta Comarca, autos nº 0802998-87.2013.8.12.0018
(...). Todavia, o INSS entendeu haver irregularidades no recebimento do benefício anterior,
LOAS, em razão de aposentadoria recebida pelo esposo da autora”.
Em contestação, o INSS afirma que o débito é exigível pois enquanto a autora recebia o
benefício assistencial, seu cônjuge recebia aposentadoria, restando a renda familiar superior a
¼ do salário mínimo. Aduz que “apurado o erro no pagamento de benefício assistencial, o
INSS, em uso de seu poder de autotutela, cobrou o indevidamente recebido pela autora entre
20/05/2011 e 30/06/2013. Não deve prosperar o argumento da irrepetibilidade de benefícios
recebidos indevidamente pelo simples fato de se tratar de verba de caráter alimentar ou por não
restar configurada má-fé”.
DO CASO DOS AUTOS
Ao que se depreende do Ofício nº 06-001.17.0, emitido pela Agencia da Previdência em
Paranaíba/MS, a autarquia, aos 03.07.13, constatou irregularidade na manutenção do benefício
NB 88/514.372.292-2, “tendo em vista concessão de aposentadoria por idade, ao esposo Pedro
Nunes Correia, NB 41/158.351.368-7, alterando a renda per capita familiar, ultrapassando ¼ do
salário mínimo vigente” (ID 151494759, p. 70).
Em pesquisas PLENUS colacionadas, verifico que a demandante permaneceu em gozo de
amparo social ao idoso de 28.06.05 a 01.08.13 e que o esposo foi aposentado por idade a
rurícola em 20.05.11 (DIB), cujo deferimento se deu em 03.08.12.
À época da concessão do benefício assistencial, em 28.06.05, a requerente declarou que não
recebia qualquer outro benefício do INSS e que morava com seu cônjuge Pedro Nunes Correia
(filho de Maria Nunes da Silva), nascido em 05.09.50, o qual era doente e desempregado.
Após defesa administrativa apresentada pela segurada, constatou-se que, na data do
requerimento, em 28.06.05, a interessada preenchia todos os requisitos para a concessão do
amparo. No entanto, a partir de 20.05.11, data da concessão da aposentadoria por idade rural
ao marido, ocorreu alteração das condições que deram origem ao benefício, visto que a renda
per capita passou a ser superior a ¼ do salário mínimo (ID 151494760, p. 7). Em conclusão,
considerou indevido o recebimento do LOAS pelo período de 20.05.11 a 30.06.13.
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
..........................................................
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.".
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem tê-la provida por sua família.
A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art.
1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01
de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de
2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada
pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os
fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral
da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação
de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado
no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Por outro lado, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das
condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei:
"Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou
utilização.
§ 3oO desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de
atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo
de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência.
§ 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não
impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em
regulamento.
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual.
§ 1oExtinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
§ 2oA contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do
benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da
remuneração e do benefício".
CONCLUSÃO
A autarquia, em revisão administrativa, cessou o amparo social da autora e passou a exigir os
valores recebidos a esse título, em período posterior à concessão da aposentadoria por idade a
rurícola a seu cônjuge, tendo sido considerado indevido o pagamento do LOAS de 20.05.11 a
30.06.13.
Conforme consta do processo de auditoria, o benefício foi concedido regularmente, não tendo
sido vislumbrado quaisquer irregularidades.
Apenas a partir de 20.05.11, quando o esposo obteve êxito no deferimento de sua
aposentadoria por idade a rurícola, a autarquia concluiu que a renda per capita seria superior a
¼ do salário mínimo.
Efetivamente, portanto, não há nenhum indício de que a parte autora tenha praticado qualquer
ato fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual não há como se imputar conduta ilícita
ou má-fé na percepção do benefício. Assim, bem fundamentou o MM. Juízo a quo:
“Resta evidente, portanto, que o réu não poderia ter descontado os valores que pagou a
maior/indevidamente em decorrência de seu próprio erro, de modo que afiguram-se ilegais os
descontos efetuados no benefício de aposentadoria por idade da autora”.
Constatada a boa-fé objetiva do demandante, nos termos do decidido no Tema 979 pelo C.
STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
Sendo assim, mantenho a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da
autarquia à devolução dos valores já descontados, a serem apurados em fase de liquidação de
sentença.
DOS CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária, deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação autárquica, observados os honorários advocatícios
na forma acima explicitada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE AMPARO SOCIAL. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família.
- A autarquia, em revisão administrativa, cessou o amparo social da autora e passou a exigir os
valores recebidos a esse título, em período posterior à concessão da aposentadoria por idade a
rurícola a seu cônjuge, tendo sido considerado indevido o pagamento do LOAS de 20.05.11 a
30.06.13. Conforme consta do processo de auditoria, o benefício foi concedido regularmente,
não tendo sido vislumbrado quaisquer irregularidades. Apenas a partir de 20.05.11, quando o
esposo obteve êxito no deferimento de sua aposentadoria por idade a rurícola, a autarquia
concluiu que a renda per capita seria superior a ¼ do salário mínimo.
- Efetivamente, portanto, não há nenhum indício de que a parte autora tenha praticado qualquer
ato fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual não há como se imputar conduta ilícita
ou má-fé na percepção do benefício
- Constatada a boa-fé objetiva do demandante, nos termos do decidido no Tema 979 pelo C.
STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Mantida a declaração de inexigibilidade do débito, com a condenação da autarquia à
devolução dos valores já descontados, a serem apurados em fase de liquidação de sentença.
- A fixação do percentual da verba honorária, deverá ser definida somente na liquidação do
julgado.
- Apelação autárquica improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
