Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0016094-17.2012.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da
percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido indevidamente
por erro administrativo do INSS, tendo restado configurada a boa-fé da parte autora e, portanto,
de rigor a declaração de inexigibilidade do débito em cobrança pela Autarquia Previdenciária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016094-17.2012.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA RAMOS VARANDA CEVADA
Advogado do(a) APELADO: VALTER CEVADA FERNANDES - SP208549
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016094-17.2012.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA RAMOS VARANDA CEVADA
Advogado do(a) APELADO: VALTER CEVADA FERNANDES - SP208549
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada por MARCIA RAMOS VARANDA CEVADA contra o
INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da percepção indevida do benefício
de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 140.544.793-9) no intervalo de 19/09/2007 a
01/05/2010.
A r. sentença de primeiro grau de nº 102935509-233/238 julgou o pedido, nos seguintes termos:
“Ante o exposto. JULGO PROCEDENTE o pedido, tomando definitiva a medida antecipatória da
tutela anteriormente deferida, para anular a decisão administrativa proferida nos autos do
Recurso 36632.005754/2010-47, conforme oficio de n.° 21.004.01 0/MOB/839/201 2-vdf, que
determinou à autora o ressarcimento da quantia 5.063,33. (cinquenta e oito mil e sessenta e
três reais e trinta e três centavos). Extingo o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo
487, inciso I, do CPC. Custas "ex lege". Honorários advocatícios devidos pela ré, que fixo em
10% sobre o valor atualizado da causa. P.R.I”
Em razões recursais de nº 102935509-242/251, sustenta o INSS a legalidade da cobrança dos
valores recebidos indevidamente, pugnando, por fim, pela reforma do decisum.
É o relatório.
NN
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0016094-17.2012.4.03.6100
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARCIA RAMOS VARANDA CEVADA
Advogado do(a) APELADO: VALTER CEVADA FERNANDES - SP208549
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal, passo ao
exame da matéria objeto de devolução.
DOS FATOS
Narra a autora na inicial da ação que formulou pedido de aposentadoria por tempo de
contribuição em 19/09/2007.
Todavia, o INSS, após a apuração de irregularidades, suspendeu o benefício em 29/04/2010 (nº
102935509-104/106 e 199/200).
Sustenta a autora a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que
guardam natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé, sem qualquer ciência de fraude no
ato de concessão do benefício.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Consta dos autos que, desde 19/09/2007, a autora recebia o benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
Todavia, em 08/02/2010 o INSS, após avaliação de que trata o art. 11, da Lei n. 10.666/2003,
identificou indício de irregularidade no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
consubstanciado no cômputo incorreto do “recolhimento referente aos meses de 03/07, 04/07,
05/07, 06/07 e 07/07, inscrição n° 1.077.106.552-0, como contribuinte Facultativo, em face de a
segurada estar vinculado ao RJU desde 13/03/2007, contrariando o parágrafo único do art.12 e
o parágrafo 70, alínea 'd' inciso II do art.21 da OI n° 168 INSS/DIRBEN de 21/06/07.”
O benefício foi suspenso em 29/04/2010, pois na DER (19/09/2007), a demandante não
implementava os requisitos para a concessão.
A autora apresentou defesa administrativa alegando que, no intervalo em questão, exercia
atividade de contribuinte individual de professora particular e que alterou o código de
pagamento das contribuições relativas a estas competências por orientação de um funcionário
de banco. No mais, sustenta que, devido ao decurso do tempo, não possui mais os recibos de
pagamento que poderiam comprovar o exercício de sua atividade de autônoma.
Sua defesa foi considerada insuficiente (nº 102935509-199/200), não obtendo êxito tampouco
os recursos administrativos apresentados à Junta de Recursos da Previdência Social e à
Câmara de Julgamento do Conselho de Recursos da Previdência Social (nº 102935509-
205/207 e 216/219.)
Por outro lado, é notório que a boa-fé se presume e a má-fé há de ser provada e não há
qualquer indicação de que a autora tenha cometido fraude no processo administrativo de
concessão do benefício, tampouco há qualquer indício de má-fé, de apresentação de
declaração ou provas falsas.
Nesse passo, considerando a boa-fé da parte autora, de rigor a declaração de inexigibilidade do
débito em cobrança pelo INSS contra a segurada, relativo ao recebimento de benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB nº 140.544.793-9) do intervalo de 19/09/2007 a
01/05/2010.
Desta feita, de rigor a manutenção da sentença, à vista da existência de boa-fé da segurada no
recebimento do benefício, o que enseja a inexigibilidade do débito.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, mantendo a r. sentença de primeiro grau,
na forma acima fundamentada e observando-se os honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão
da percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido indevidamente
por erro administrativo do INSS, tendo restado configurada a boa-fé da parte autora e, portanto,
de rigor a declaração de inexigibilidade do débito em cobrança pela Autarquia Previdenciária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
