Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000654-93.2016.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 29/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da
percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se denota má-fé na conduta praticada pela autora.
- Ainda que averiguado que o benefício foi irregularmente concedido, não há nos autos
comprovação de que a parte autora tenha concorrido para a ocorrência da fraude, em eventual
conluio com o advogado Regivaldo Reis dos Santos, o qual, inclusive, está com a OAB cancelada
(id Num. 34185144), e cujo nome consta em inquéritos policiais e como réu em ações penais (id
Num. 3418547, Num. 3418551).
- Efetivamente, a fraude não se presume, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação,
não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte autora, tampouco má-fé na percepção do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
benefício, ante o princípio constitucional da presunção de inocência.
Sendo assim, ainda que o benefício tenha sido concedido de forma indevida, constatada a boa-fé
objetiva do autor, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Em razão da sucumbência recursal majorados em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015.
- Apelação improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000654-93.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: NICOLAU PEREIRA DA SILVA NETO
Advogado do(a) APELADO: DANIELA BERNARDI ZOBOLI - SP222263-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000654-93.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: NICOLAU PEREIRA DA SILVA NETO
Advogado do(a) APELADO: DANIELA BERNARDI ZOBOLI - SP222263-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada por NICOLAU PEREIRA DA SILVA NETO, contra o INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a declaração da inexigibilidade de débito
a título da aposentadoria NB 143.680.672-8, cobrado pela autarquia no valor de R$131.996,57
para 07/2016, ante a constatação de irregularidade na concessão do benefício.
A r. sentença julgou procedente o pedido, determinando que o réu se abstenha de realizar a
cobrança das parcelas pagas da aposentadoria - NB 143.680.672-8, bem como de realizar o
desconto de qualquer valor da renda da aposentadoria do autor a título de acerto de contas.
Determinou, ainda, a expedição de ofício ao MPF - Ministério Público Federal, para apuração do
procedimento do Dr. Regivaldo Reis dos Santos, advogado inscrito na OAB/SP 131.476, no que
pertine à concessão do benefício titularizado pela parte autora - NB 143.680.672-8. Condenou a
autarquia ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a
soma das parcelas devidas até a data da prolação da sentença, excluídas as vincendas.
Apela a autarquia, em que pede a reforma da r. sentença, alegando ser devida a restituição dos
valores recebidos indevidamente, sendo legítima a cobrança de valores de natureza alimentar,
recebidos de boa ou má-fé, conforme disposto no artigo 154 e 115, da Lei de Benefícios.
Com contrarrazões.
Em face do descumprimento da tutela concedida na r. sentença, foi determinada a imediata
suspensão dos descontos efetuados frente ao segurado nas parcelas do benefício NB
143.680.672-8, sendo fixado, pelo descumprimento da tutela anteriormente definida, o valor de
R$1.000,00 (mil reais), mensais de multa pelo descumprimento a partir da competência de
dezembro de 2018 (parcela vincenda a esta data) – id Num. 9041877.
Foi determinada a suspensão do feito, nos termos do Ofício 36/16 da E. Vice-Presidência desta
Corte.
Diante do julgamento do Tema 979 (REsp 1.381.734/RN) pelo e. Superior Tribunal de Justiça,
houve o levantamento do feito e os autos vieram conclusos.
É o relatório.
ab
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000654-93.2016.4.03.6183
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
APELADO: NICOLAU PEREIRA DA SILVA NETO
Advogado do(a) APELADO: DANIELA BERNARDI ZOBOLI - SP222263-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DOS FATOS
Narra a parte autora na inicial da ação que fora notificada em maio de 2011, mediante o ofício
nº. 1863/2011 (id Num. 3418500), relatando ter sido identificado irregularidade consistente na
concessão do seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 143.680.672-8,
ante a não comprovação do vínculo empregatício junto à empresa Support Service Engenheiro
Ltda, no período de 02/10/1966 a 10/07/1973.
Alega a parte autora que não era de seu conhecimento a existência de fraude para a concessão
do seu benefício, pois feita por intermédio de um advogado.
Aduz a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam
natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DO CASO DOS AUTOS
Da análise dos autos, se constata que a parte autora, Nicolau Pereira da Silva Neto, requereu e
obteve, perante o INSS, o Benefício de Aposentadoria por tempo de contribuição NB 42
/143.680.672-8, com DIB em 29/05/2007.
Em 2011, foi instaurado procedimento de revisão do referido benefício, em que ficou constatado
pela autarquia que a parte autora recebera indevidamente o referido benefício, consistente na
não comprovação do vínculo empregatício com Support Service Engenheiro Ltda (02/10/1966 a
10/07/1973).
Assim, conforme relatório conclusivo do Monitoramento Operacional de Benefícios, o INSS
identificou irregularidade na manutenção do benefício, o qual fora cessado em 29/05/2007,
cobrando a restituição dos valores pagos ao segurado no período de 29/05/2007 a 30/06/2016,
no valor de R$131.996,57 para 07/2016 (id Num. 3418513).
Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se verifica má-fé na conduta praticada pela parte autora.
Com efeito, da revisão do processo administrativo, ao prestar esclarecimentos, consta do termo
de declaração do autor que este “.... requereu o benefício por intermédio de procurador
(advogado), de nome Regivaldo Reis dos Santos, com escritório no M’ Boi Mirim. Que não
possui cartão/documentos referentes a este. Que reconheceu como sendo suas as assinaturas
constantes no requerimento de fl. 01. Que não assinou o referido requerimento em agência do
INSS e sim no escritório do procurador/advogado. Que conhece a Agência da Previdência
Social Cidade Dutra, porém que somente compareceu na mesma após a concessão do
benefício. Que não reconhece como sendo sua a foto constante na Ficha de Registro de
Empregado junto às fls. 6. Que nunca trabalhou na empresa Support Service Engenheiro Ltda e
desconhece a Declaração de fls. 7...” (id Num. 3418501).
Efetivamente, ainda que averiguado que o benefício foi irregularmente concedido, não há nos
autos comprovação de que a parte autora tenha concorrido para a ocorrência da fraude, em
eventual conluio com o advogado Regivaldo Reis dos Santos, o qual, inclusive, está com a OAB
cancelada (id Num. 34185144), cujo nome consta em inquéritos policiais eações penais (id
Num. 3418547, Num. 3418551).
Conforme bem salientou o juiz a quo: “Todo o contexto da prova evidencia que o autor confiou
em profissional da Advocacia, ao que tudo indica, reincidente específico em conduta voltada à
percepção de benefícios concedidos a partir de fraude documental.”
Efetivamente, a fraude não se presume, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação,
não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte autora, tampouco má-fé na percepção
do benefício, ante o princípio constitucional da presunção de inocência.
Sendo assim, ainda que o benefício tenha sido concedido de forma indevida, constatada a boa-
fé objetiva do autor, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Em razão da sucumbência recursal majoro em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20%, a incidir sobreo valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11
do art. 85 do CPC/2015.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação, observando-se os honorários advocatícios na
forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão
da percepção indevida do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se denota má-fé na conduta praticada pela autora.
- Ainda que averiguado que o benefício foi irregularmente concedido, não há nos autos
comprovação de que a parte autora tenha concorrido para a ocorrência da fraude, em eventual
conluio com o advogado Regivaldo Reis dos Santos, o qual, inclusive, está com a OAB
cancelada (id Num. 34185144), e cujo nome consta em inquéritos policiais e como réu em
ações penais (id Num. 3418547, Num. 3418551).
- Efetivamente, a fraude não se presume, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação,
não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte autora, tampouco má-fé na percepção
do benefício, ante o princípio constitucional da presunção de inocência.
Sendo assim, ainda que o benefício tenha sido concedido de forma indevida, constatada a boa-
fé objetiva do autor, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Em razão da sucumbência recursal majorados em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015.
- Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
