Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004936-07.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Matéria preliminar não conhecida. Afastada a alegação de nulidade da sentença por
cerceamento de defesa. Não houve pleito do INSS em contestação, tampouco na fase de
produção de provas, no sentido de que a autora fosse ouvida em Juízo. Trata-se de alegação
nova, estranha à lide.
- Narra a autora, na inicial, que recebia aposentadoria por idade rural desde 10.08.05. Conta que
no “início do ano de 2015, por meio do oficio nº 173/2014 oriundo da Agencia de Aparecida do
Taboado/MS, a parte autora recebeu uma notificação de que está em débito com o Instituto e que
os valores chegam a incríveis R$ 63.204,43 (sessenta e três mil duzentos e quatro reais e
quarenta e três centavos) e que se não procedesse com o pagamento seu nome seria inscrito da
Dívida Ativa (doc. Anexo), que atualizados até a presente data chegam a R$ 67.681,22 (sessenta
e sete mil seiscentos e oitenta e um reais e vinte e dois centavos)”. Alega a parte autora a
irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam natureza
alimentar e foram recebidas de boa-fé.
- Ao que se depreende do Relatório Individual emitido pela Gerência Executiva do INSS de
Campo Grande/MS, em 22.05.13, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados
constantes no CNIS, vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da concessão
do benefício (ID 4523095, p. 27): “Ausência de pesquisa CNIS ao processo; Ausência de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pesquisa PLENUS; Ausência de comprovação de atividade rural em período imediatamente
anterior ao requerimento; Não consta Declaração de Sindicato Rural; Consta no Resumo para
cálculo do Tempo de Contribuição o período de 01.06.70 a 30.08.85, sem efetiva comprovação”.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Em minuciosa análise à documentação constante no vertente feito, verifico que o cancelamento
do benefício se deu por reconhecimento de erro administrativo quando da concessão. Em
auditoria, a autarquia concluiu que deixou de realizar pesquisas aos sistemas CNIS e PLENUS,
não vislumbrou os vínculos de natureza urbana, bem como que as provas apresentadas pela
demandante, quando do requerimento administrativos, não eram suficientes para lhe conferir
direito à aposentadoria por idade a rurícola.
- Não obstante tenha constado, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da concessão,
houve atuação de pessoa alheia ao quadro do INSS, Sra. IRANI ALVES DE JESUS
ALBUQUERQUE, com livre acesso aos sistemas corporativos, autorizada pelo servidor CELSO
CORREA DE ALBUQUERQUE, matrícula SIAPE 0886027 (ID 4523095, p. 50), não há
demonstração de que a requerente tenha agido com dolo ou má-fé.
- Diante do recebimento de valores de boa-fé objetiva, mantenho a decretação de inexigibilidade
do débito.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Matéria preliminar não conhecida. Recurso autárquico desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004936-07.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ANTONIA MARIA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004936-07.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ANTONIA MARIA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
– INSS em ação ajuizada por ANTONIA MARIA DOS SANTOS, objetivando a declaração de
inexistência de débito frente ao ressarcimento que está lhe sendo cobrado pela autarquia, em
relação ao período em que recebeu proventos de aposentadoria por idade (DIB 10.08.05 - NB
132-627.203-6).
Sustenta que o benefício foi devidamente concedido; que recebeu os valores de boa-fé; e que
as verbas são irrepetíveis por serem dotadas de natureza alimentar.
Em contestação, o INSS sustenta que a “parte autora obteve o benefício mesmo diante da
ausência de pesquisas no PLENUS; ausência de pesquisa no CNIS para verificar a existência
de vínculos urbanos; não comprovação de efetivo trabalho rural no período imediatamente
anterior ao requerimento administrativo; não consta declaração do sindicato rural; entrevista
rural realizada por pessoa que não integrava os quadros do INSS; declaração de serviço
fornecida por Juiz de Paz da cidade, sem qualquer comprovação do alegado. Ademais, obteve
o benefício, na época, junto com diversos outros segurados, em meio a uma série de benefícios
concedidos irregularmente pela agência de Aparecida do Taboado entre os anos de 2004 e
2006. O Gerente da APS foi demitido. Não é crível, nesse sentido, que a empreitada criminosa
do agente público envolvido tenha se dado por motivos de altruísmo, sem que os beneficiados
tivessem qualquer participação nas concessões fraudulentas”.
Intimadas as partes a respeito das provas que pretendiam produzir, a autora requereu a colheita
de seu depoimento e a oitiva de testemunhas, a fim de comprovar a boa-fé. A autarquia
quedou-se inerte.
A sentença, considerando a desnecessidade de produção de outras provas, nos termos do art.
355, I do CPC, julgou procedente o pedido, para declarar a inexigibilidade do débito referente
ao benefício de aposentadoria rural (NB 132.627.203-6), no valor de R$ 63.204,43 (sessenta e
três mil, duzentos e quatro reais e quarenta e três centavos), bem como determinou a exclusão
do nome da autora do Cadastro Informativo de Débitos Não Quitados do Setor Público Federal
– CADIN. Condenou o Instituto requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, no
equivalente a 10% do valor atualizado da causa, com fulcro no art. 85, §§2º e 4º, inciso III do
CPC, considerando o trabalho realizado, o zelo profissional e o tempo decorrido para a
prestação jurisdicional (ID 4523095, p. 111).
Em suas razões recursais, o INSS arguiu, em preliminar, nulidade da sentença por cerceamento
de defesa, pois o MM. Juízo a quo se manteve silente a respeito de requerimento, trazido na
contestação, de “designação de audiência com depoimento pessoal do autor para comprovar
sua má-fé, uma vez que se alega que o autor obteve benefício fraudulentamente, com conluio
com servidor (Celso Albuquerque), demitido e réu em inúmeras ações de improbidade
administrativa e ações penais”. No mérito, aduz que, pelo fato de se tratar de verba de caráter
alimentar ou de não haver prova da má-fé do recebedor, não prospera o argumento da
irrepetibilidade de benefícios recebidos indevidamente. Por fim, requer a nulidade da sentença,
a fim de que seja determinada audiência para tomada do depoimento pessoal da autora ou,
subsidiariamente, a decretação de improcedência do pedido, reputando-se exigíveis os valores
cobrados pela autarquia. Prequestiona a aplicabilidade do artigo 115 da Lei 8.213/91 (ID
4523095, p. 123).
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
as
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004936-07.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ANTONIA MARIA DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: MATEUS HENRICO DA SILVA LIMA - MS18117-A, FRANCISCO
CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o apelo e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DA PRELIMINAR ARGUIDA
Não conheço da matéria preliminar arguida. Afasto a alegação de nulidade da sentença por
cerceamento de defesa, vez que não houve pleito do INSS em contestação, tampouco na fase
de produção de provas, no sentido de que a autora fosse ouvida em Juízo. Trata-se de
alegação nova, estranha à lide.
DO MÉRITO
DOS FATOS
Narra a autora, na inicial, que recebia aposentadoria por idade rural desde 10.08.05. Conta que
no “início do ano de 2015, por meio do oficio nº 173/2014 oriundo da Agencia de Aparecida do
Taboado/MS, a parte autora recebeu uma notificação de que está em débito com o Instituto e
que os valores chegam a incríveis R$ 63.204,43 (sessenta e três mil duzentos e quatro reais e
quarenta e três centavos) e que se não procedesse com o pagamento seu nome seria inscrito
da Dívida Ativa (doc. Anexo), que atualizados até a presente data chegam a R$ 67.681,22
(sessenta e sete mil seiscentos e oitenta e um reais e vinte e dois centavos)”.
Alega a parte autora a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que
guardam natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé.
Ao que se depreende do Relatório Individual emitido pela Gerência Executiva do INSS de
Campo Grande/MS, em 22.05.13, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados
constantes no CNIS, vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da
concessão do benefício (ID 4523095, p. 27):
Ausência de pesquisa CNIS ao processo;
Ausência de pesquisa PLENUS;
Ausência de comprovação de atividade rural em período imediatamente anterior ao
requerimento;
Não consta Declaração de Sindicato Rural;
Consta no Resumo para cálculo do Tempo de Contribuição o período de 01.06.70 a 30.08.85,
sem efetiva comprovação.
Em entrevista rural, datada de 10.08.05, consta a declaração de que a autora morou e trabalhou
na Fazenda Jardim de 1970 a 1985. Não há qualquer informação relativa a períodos
posteriores.
A autora, quando da revisão administrativa, prestou esclarecimentos ao INSS, os quais foram
reduzidos a termo. “Declarou que começou a trabalhar aos 20 anos de idade, como cozinheira;
que trabalhou como doméstica, cozinhando em restaurantes e em fazendas também,
cozinhando para os peões e rotinas de casa” (ID 4523095, p. 36-37).
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Em minuciosa análise à documentação constante no vertente feito, verifico que o cancelamento
do benefício se deu por reconhecimento de erro administrativo quando da concessão.
Em auditoria, a autarquia concluiu que deixou de realizar pesquisas aos sistemas CNIS e
PLENUS, não vislumbrou os vínculos de natureza urbana, bem como que as provas
apresentadas pela demandante, quando do requerimento administrativos, não eram suficientes
para lhe conferir direito à aposentadoria por idade a rurícola.
Não obstante tenha constado, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da concessão,
houve atuação de pessoa alheia ao quadro do INSS, Sra. IRANI ALVES DE JESUS
ALBUQUERQUE, com livre acesso aos sistemas corporativos, autorizada pelo servidor CELSO
CORREA DE ALBUQUERQUE, matrícula SIAPE 0886027 (ID 4523095, p. 50), não há
demonstração de que a requerente tenha agido com dolo ou má-fé.
Diante do recebimento de valores de boa-fé objetiva, mantenho a decretação de inexigibilidade
do débito.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, não conheço da matéria preliminar arguida e nego provimento à apelação
autárquica, observada a verba honorária na forma acima explicitada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Matéria preliminar não conhecida. Afastada a alegação de nulidade da sentença por
cerceamento de defesa. Não houve pleito do INSS em contestação, tampouco na fase de
produção de provas, no sentido de que a autora fosse ouvida em Juízo. Trata-se de alegação
nova, estranha à lide.
- Narra a autora, na inicial, que recebia aposentadoria por idade rural desde 10.08.05. Conta
que no “início do ano de 2015, por meio do oficio nº 173/2014 oriundo da Agencia de Aparecida
do Taboado/MS, a parte autora recebeu uma notificação de que está em débito com o Instituto
e que os valores chegam a incríveis R$ 63.204,43 (sessenta e três mil duzentos e quatro reais e
quarenta e três centavos) e que se não procedesse com o pagamento seu nome seria inscrito
da Dívida Ativa (doc. Anexo), que atualizados até a presente data chegam a R$ 67.681,22
(sessenta e sete mil seiscentos e oitenta e um reais e vinte e dois centavos)”. Alega a parte
autora a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que guardam
natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé.
- Ao que se depreende do Relatório Individual emitido pela Gerência Executiva do INSS de
Campo Grande/MS, em 22.05.13, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados
constantes no CNIS, vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da
concessão do benefício (ID 4523095, p. 27): “Ausência de pesquisa CNIS ao processo;
Ausência de pesquisa PLENUS; Ausência de comprovação de atividade rural em período
imediatamente anterior ao requerimento; Não consta Declaração de Sindicato Rural; Consta no
Resumo para cálculo do Tempo de Contribuição o período de 01.06.70 a 30.08.85, sem efetiva
comprovação”.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- Em minuciosa análise à documentação constante no vertente feito, verifico que o
cancelamento do benefício se deu por reconhecimento de erro administrativo quando da
concessão. Em auditoria, a autarquia concluiu que deixou de realizar pesquisas aos sistemas
CNIS e PLENUS, não vislumbrou os vínculos de natureza urbana, bem como que as provas
apresentadas pela demandante, quando do requerimento administrativos, não eram suficientes
para lhe conferir direito à aposentadoria por idade a rurícola.
- Não obstante tenha constado, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da
concessão, houve atuação de pessoa alheia ao quadro do INSS, Sra. IRANI ALVES DE JESUS
ALBUQUERQUE, com livre acesso aos sistemas corporativos, autorizada pelo servidor CELSO
CORREA DE ALBUQUERQUE, matrícula SIAPE 0886027 (ID 4523095, p. 50), não há
demonstração de que a requerente tenha agido com dolo ou má-fé.
- Diante do recebimento de valores de boa-fé objetiva, mantenho a decretação de
inexigibilidade do débito.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Matéria preliminar não conhecida. Recurso autárquico desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da matéria preliminar arguida e negar provimento à
apelação autárquica, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
