Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0004805-83.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/06/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE APÓS CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. CONSECTÁRIOS.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da
percepção indevida do benefício de auxílio doença após a concessão de aposentadoria por
invalidez.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, a decisão administrativa determinou a suspensão do benefício e a cobrança dos valores
pagos indevidamente, em razão da impossibilidade de cumulação de auxílio doença e
aposentadoria por invalidez, que é vedada pela legislação de regência, conforme art. 124, I, da
Lei n° 8.213/1991, não havendo a caracterização da má-fé no recebimento de tais verbas pela
parte autora, pois o erro administrativo não era detectável de pronto pela requerente, salientando-
se, ainda, a inclusão dos valores em voga na declaração de imposto de renda da demandante,
sendo, portanto, de rigor a manutenção da r. sentença
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS não provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004805-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITA RODRIGUES VILAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: TIAGO LEARDINI BELLUCCI - SP333564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004805-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITA RODRIGUES VILAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: TIAGO LEARDINI BELLUCCI - SP333564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito
apurado em razão da percepção indevida do benefício de auxílio doença após a concessão de
aposentadoria por invalidez (NB 504.216.917-9) no intervalo de 11.08.2004 a 01.12.2010, a
determinação da impossibilidade de descontos em eventual benefício concedido, e a devolução
dos valores descontados indevidamente pela autarquia federal.
Sustenta que recebeu os valores de boa-fé, uma vez que é pessoa absolutamente leiga em
matéria jurídica, além de terem natureza alimentar.
A r. sentença, proferida em 20.06.2018, julgou procedente o pedido e condenou o INSS a
reconhecer a inexigibilidade da cobrança do crédito apurado no processo administrativo (fls.
72/74), a se abster de promover a inscrição dos valores em dívida ativa e de cobrar tais valores
inclusive em juízo, a se abster de efetuar descontos no benefício previdenciário da parte
requerente e em benefícios previdenciários futuros, tendo como base os valores ora declarados
inexigíveis, e à restituição dos valores eventualmente já pagos pela parte autora a título de
estorno de revisão de benefício. Determinou a incidência sobre os valores atrasados, de
correção monetária, pelo IPCA-E, e aplicação de juros de mora, na forma da Lei 11.690/09.
Condenou a autarquia, ainda, ao pagamento da verba honorária, fixada em 10% (dez por cento)
sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos
termos da Súmula 111 do STJ. Tutela antecipada concedida para abstenção dos descontos.
Dispensada a remessa oficial. (ID 94989231 – págs. 20-26).
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela decretação de improcedência do pedido, ao
argumento da exigibilidade dos valores pagos indevidamente, em razão do exercício do poder
de auto-tutela. Sustenta que deve ser reconhecida a constitucionalidade do art. 115 da Lei n°
8.213/1991 no tocante ao erro administrativo, devendo ser declarada a exigibilidade dos valores
pagos a título de auxílio doença após a concessão da aposentadoria por invalidez. Por fim,
suscita o prequestionamento legal para fins de interposição de recursos. (ID 94989231 – págs.
41-56).
Com contrarrazões (ID 94989231 – págs. 61-63), subiram os autos a este Eg. Tribunal.
É o relatório.
dcm
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0004805-83.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BENEDITA RODRIGUES VILAS BOAS
Advogado do(a) APELADO: TIAGO LEARDINI BELLUCCI - SP333564-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passo ao exame da
matéria objeto de devolução.
DOS FATOS
Narra a autora na inicial da ação que antes da concessão da aposentadoria por invalidez em
11.08.2004, recebeu o benefício de auxílio doença desde 25.09.2002.
Todavia, o INSS, após a apuração de irregularidades, suspendeu o benefício de auxílio doença
em 01.12.2010 (ID 94996737 – págs. 38, 43 e 50).
Alega a parte autora a irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que
guardam natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé, sem qualquer ciência de fraude no
ato de concessão do benefício.
Aduz, ainda, a impossibilidade de desconto de 30% sobre eventuais benefícios que venha a
receber.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e.Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamentedo conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
In casu, nota-se que a decisão administrativa determinou a suspensão do benefício e a
cobrança dos valores pagos indevidamente, em razão da impossibilidade de cumulação de
auxílio doença e aposentadoria por invalidez, que é vedada pela legislação de regência,
conforme art. 124, I, da Lei n° 8.213/1991.
Todavia, no caso, não houve a caracterização da má-fé no recebimento de tais verbas pela
parte autora, valendo destacar que o erro administrativo não era detectável de pronto pela
requerente.
Nesse sentido, destaco a inclusão dos valores em voga na declaração de imposto de renda da
demandante (ID 94996737 – págs. 127 e 153-155), sendo, portanto, de rigor a manutenção da
r. sentença
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, observando-se os honorários
advocatícios na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE APÓS CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. CONSECTÁRIOS.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão
da percepção indevida do benefício de auxílio doença após a concessão de aposentadoria por
invalidez.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, a decisão administrativa determinou a suspensão do benefício e a cobrança dos
valores pagos indevidamente, em razão da impossibilidade de cumulação de auxílio doença e
aposentadoria por invalidez, que é vedada pela legislação de regência, conforme art. 124, I, da
Lei n° 8.213/1991, não havendo a caracterização da má-fé no recebimento de tais verbas pela
parte autora, pois o erro administrativo não era detectável de pronto pela requerente,
salientando-se, ainda, a inclusão dos valores em voga na declaração de imposto de renda da
demandante, sendo, portanto, de rigor a manutenção da r. sentença
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do INSS não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
