Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000674-12.2016.4.03.6110
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. RECÁLCULO DO VALOR DE APOSENTADORIA POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO. TEMA 979 DO STJ. BOA FÉ OBJETIVA.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão da
revisão do valor de aposentadoria por tempo de contribuição com exclusão dos valores referentes
à auxílio-acidente, o qual foi posteriormente restabelecido por ação judicial.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, o cálculo e posterior recálculo do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição
do segurado deu-se por conduta exclusiva da Autarquia Previdenciária.
- Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se denota má-fé na conduta praticada pelo autor.
- Com efeito, da análise dos autos não se observa qualquer conduta ilícita, fraudulenta ou dolosa
do segurado.
- Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Apelação do autor provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-12.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NELSON GOMES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA LUCIA SPINOZZI BICUDO - SP121084-N
APELADO: CHEFE DA AGENCIA DO INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-12.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NELSON GOMES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA LUCIA SPINOZZI BICUDO - SP121084-N
APELADO: CHEFE DA AGENCIA DO INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em mandado de segurança impetrado por NELSON GOMES FERREIRA
contra ato praticado pelo Chefe do Instituto Nacional do Seguro Social – Agência Itu/SP,
objetivando a anulação de débito apurado em razão da revisão do benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição, devendo ser considerada indevida a dívida junto ao INSS no valor
total de R$11.644,56.
A r. sentença de nº 837004-01/03 julgou improcedente o pedido.
Apela o autor, insistindo no acerto da pretensão inicial, com a declaração de inexigibilidade do
débito apurado pelo INSS e anulação do ato administrativo que criou tal débito.
O representante do MPF manifesta-se pela inexistência de interesse público ou socialmente
relevante,direito individual indisponível, difuso ou coletivo que autorize a intervenção doParquet.
É o relatório.
NN
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000674-12.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: NELSON GOMES FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: ANA LUCIA SPINOZZI BICUDO - SP121084-N
APELADO: CHEFE DA AGENCIA DO INSS, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
MANDANDO DE SEGURANÇA
O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, destinado a proteger direito
líquido e certo da violação efetiva ou iminente, praticada com ilegalidade ou abuso de poder por
parte de autoridade pública (ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder
Púbico), diretamente relacionada à coação, de vez que investida nas prerrogativas necessárias
a ordenar, praticar ou ainda retificar a irregularidade impugnada, a teor do disposto no art. 5º,
LXIX, da Constituição Federal, art. 1º da Lei nº 1.533/51 e art. 1º da atual Lei nº 12.016/09.
DOS FATOS
Narra o autor na inicial ser titular de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, NB
164.661.311-0, com início em 08/10/2013 (nº 836964-01/06), tendo, neste momento, sido
cessado o auxílio-acidente que recebia anteriormente.
Em seguida, em atendimento à decisão proferida em ação judicial de nº 0004789-
70.2010.8.26.0526, foi determinado o restabelecimento deste auxílio-acidente (nº 836966-
01/03).
Com isso, o INSS realizou a revisão da renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de
contribuição do autor para excluir de seu cálculo os valores recebidos a título de auxílio-
acidente, providência esta que gerou o débito de R$11.644,56, o qual passou a ser cobrado
com descontos no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição do autor (nº 836968-
01).
Aduz a parte autora irrepetibilidade das prestações previdenciárias, sob o argumento de que
guardam natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
No caso dos autos, após restabelecimento judicial do benefício de auxílio-acidente NB
081.367.682-7, o INSS procedeu ao recálculo do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição do autor excluindo de seu cálculo os valores relativos ao auxílio-acidente.
Efetivamente, o cálculo e posterior recálculo do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição do segurado deu-se por conduta exclusiva da Autarquia Previdenciária, não tendo
o autor contribuído de qualquer forma para o recebimento do valor a maior de seu benefício.
Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se verifica má-fé na conduta praticada pela parte autora.
Com efeito, da análise dos autos não se observa qualquer conduta ilícita, fraudulenta ou dolosa
do segurado no tocante ao cálculo do valor de seu benefício.
Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS e, de rigor, a reforma do decisum.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à apelação do autor, reformando a r. sentença de primeiro grau
para determinar a inexigibilidade do débito apurado pelo INSS no valor de R$11.644,56, na
forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. RECÁLCULO DO VALOR DE APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMA 979 DO STJ. BOA FÉ OBJETIVA.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando a anulação de débito apurado em razão
da revisão do valor de aposentadoria por tempo de contribuição com exclusão dos valores
referentes à auxílio-acidente, o qual foi posteriormente restabelecido por ação judicial.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, o cálculo e posterior recálculo do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição do segurado deu-se por conduta exclusiva da Autarquia Previdenciária.
- Embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como justificativa para o
descumprimento da lei, não se denota má-fé na conduta praticada pelo autor.
- Com efeito, da análise dos autos não se observa qualquer conduta ilícita, fraudulenta ou
dolosa do segurado.
- Sendo assim, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema
979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Apelação do autor provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo do autor, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
