Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002146-51.2016.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
26/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 01/06/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PAGAMENTO
INDEVIDO. AFASTADA A MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO INDEVIDO.
- Não merece acolhimento a alegação de nulidade do decisum, por cerceamento de defesa, haja
vista que o magistrado, no exercício do seu livre convencimento motivado, apreciou a questão
controvertida e fundamentou sua decisão à luz do que rege o art. 93, IX, da CF.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco
anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de
previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser
aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação.
- Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades tramitou em maio de 2012, com notificação da parte ré e se
findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em 27/01/2016, não há que se falar da incidência
de prescrição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203,
V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente
e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos
recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de
condições de tê-las providas pela família.
- Cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe
garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.742/93.
- Conforme se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88, Num.
137474735 - Pág. 118), a parte répassou a exercer atividade econômica remunerada a partir de
05/04/2005, junto a empresa Grupo de Fartura de Hortifrut Ltda, o que afasta sua condição de
hipossuficiente e torna indevido o recebimento do benefício.
- Todavia, no caso, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em vista que cabe
à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma legal, a fim de
averiguar se permanecem satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do benefício.
- Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o requerido atendia os requisitos
legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar.
- Efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato fraudulento em
detrimento do INSS, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não há
como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do benefício.
- Ressalte-se que o próprio INSS reconheceu setratar de erro administrativo, bem como a
ausência de má-fé do beneficiário (id 137474735 – pág. 40, 43).
- Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício deve ser suspenso no caso de atividade
laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema 979
pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condenada a autarquia ao pagamento de
honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à causa.
- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002146-51.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ADONIS ROBERTO DE MORAES
Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002146-51.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ADONIS ROBERTO DE MORAES
Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de ressarcimento ao erário movida pelo INSS, objetivando a restituição de
valores pagos ao apelante a título do benefício assistencial, no período de 29/03/2007 a
31/05/2012, equivalentes a R$46.539,98, atualizadas até 01/2016, resultante de omissão de
informação relevante quanto aos integrantes do grupo familiar.
A r. sentença julgou procedente a pretensão de condenação da parte ré à restituição das
prestações do benefício nº 87/505.422.973-2, no período de 29/03/2007 a 31/05/2012,
extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil. O valor da condenação deverá ser acrescido de correção monetária incidente da
data de cada pagamento indevido do benefício nº 87/505.422.973-2 e de juros de mora
incidentes a partir da citação (considerada a data da citação pessoal ocorrida em 14/11/2017),
nos índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na data da liquidação
do julgado para as ações condenatórias em geral. Condenou a parte ré a pagar honorários
advocatícios a serem calculados mediante a aplicação dos coeficientes mínimos indicados nos
incisos do § 3º do artigo 85 do CPC, na forma prevista no § 5º desse mesmo artigo 85, sobre o
valor da condenação, suspensa a cobrança, enquanto perdurar a condição de hipossuficiência
econômica em que fundada a assistência judiciária gratuita concedida nos autos.
Inconformada, apela a parte ré, em que alega, preliminarmente, cerceamento de defesa, por
considerar que não foi garantida a oportunidade de produzir todas as provas requeridas, e
requer a conversão do feito em diligência para a oitiva de testemunhas. No mérito, aduz a
ocorrência de prescrição, bem como a impossibilidade de repetição do benefício de prestação
continuada recebido de boa-fé.
Parecer do MPF pelo reconhecimento da prescrição quinquenal entre o período de 03/2007 a
10/2009, e improcedência do pedido autoral sobre o restante do período pleiteado (id Num.
148324049).
É o sucinto relato.
ab
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002146-51.2016.4.03.6105
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ADONIS ROBERTO DE MORAES
Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade
recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Preliminarmente, não merece acolhimento a alegação de nulidade do decisum, por
cerceamento de defesa, haja vista que o magistrado, no exercício do seu livre convencimento
motivado, apreciou a questão controvertida e fundamentou sua decisão à luz do que rege o art.
93, IX, da CF.
Para tanto, se observa que o pedido de produção de provas fora apreciado e indeferido nos
termos do artigo 370 do CPC, conforme despacho proferido pelo magistrado a quo, no sentido
de que “.... O pedido de produção probatória deve ser certo e preciso, devendo ter por objeto a
prova de fato controvertido nos autos. Cabe à parte postulante fundamentar expressamente a
pertinência e relevância da produção da prova ao deslinde meritório do feito. Não atendidas
essas premissas, o pedido de produção probatória - especialmente o genérico e condicional, ou
o sobre fato incontroverso ou irrelevante - deve ser indeferido nos termos do artigo 370 do
Código de Processo Civil. Assim, indefiro o pedido de provas da parte ré.” (id Num. 137474739).
PRESCRIÇÃO.
Inaplicável in casu a regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu
campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
No caso dos autos, tendo sido a ação manejada contra o procurador do segurado, ou seja, não
se tratando de demanda indenizatória ajuizada contra agentes públicos e pessoas equiparadas,
no exercício da função pública, com a devida comprovação do ato de improbidade
administrativa, não se trata de hipótese de imprescritibilidade, afastando-se assim a incidência
do art. 37, § 5º, da CF (Apelação Cível nº 0002497-65.2010.4.03.6127/SP, Rel. Des. Fausto De
Sanctis, J. em 26/06/2017).
Assentada a existência de prazo prescricional para as ações de reparação de danos da
Fazenda Pública, remanesce a análise de qual o prazo prescricional para o INSS exercer sua
pretensão.
Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação (STJ, REsp
1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em 26/05/2015).
Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades tramitou em maio de 2012, com notificação da parte ré e se
findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em 27/01/2016, não há que se falar da
incidência de prescrição.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica na suspensão ou cancelamento unilateral do
benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da
Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do
contraditório e da ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Conforme relatado na exordial, o requerido Adonis Roberto de Moraes, através de sua genitora
Nerma Aparecida Moraes, requereu em 05/01/2005, o benefício de amparo social à pessoa
portadora de deficiência, o qual fora deferido (NB 87/505.422.973-2).
Através de regular processo administrativo (Processo n.º 37324.010587/2012-64), a equipe de
monitoramento de Benefícios da APS de Campinas/SP promoveu revisão administrativa,
identificando indícios de irregularidades na manutenção do benefício assistencial, ante a
alteração da renda per capita do grupo familiar, assim resumida:
"a) foi apresentado para o requerimento do Amparo Social Declaração sobre a Composição do
Grupo e renda Familiar à folha 03, e 04, constando quatro integrantes no grupo familiar: o
requerente, a mãe e dois irmãos.
b) em consulta a Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS conta em nome do titular,
Adonis Roberto de Mores, junto ao NIT 12891626367, vínculo empregatício junto a empresa
GRUPO DE FARTURA DE HORTIFRUT LTDA CNPJ n.º 004.972.09210007-23, com data de
admissão em 05/04/2005, sem informação de data de rescisão, com remunerações até
02/2012, demonstrando indícios de que o titular mantinha vínculo empregatício desde 04/2005.
c) em consulta ao CNIS constam vínculos empregando e remunerações para a mãe do titular,
sra. Nerma Aparecida de Moraes, no MT 1219.1002023 a partir de 11/2009, de forma
descontínua;
d) em consulta ao CNIS constam vínculos empregatício e remunerações para a irmã do titular,
sra. Marjorie Cristina de Moraes Camilo, no NIT 20738675649 a partir de 10/2006, de forma
descontínua até 12/2012;
e) diante do exposto acima concluímos que há indícios de que não houve continuidade das
condições que deram origem ao 'benefício desde 04/2005, face constar vínculo empregatícios e
remuneração para o titular, uma vez que não atende o contido no § 2" e § 3", art. 20 da Lei n»
8.742 de 07/12/1993 e no § 1, do artigo 21 da Lei n." 8.742/1993, bem como há remunerações
para os componentes do grupo familiar. Considerando o contido na legislação do Amparo Social
o pagamento do benefício cessa no momento em queforam superadas as condições que lhe
deram origem.(...)” (id Num. 137474735 - Pág. 29).
Assim, ao concluir que não houve continuidade das condições que deram origem ao benefício
desde 04/2005, pretende a autarquia a devolução dos valores recebidos no período de
29/03/2007 a 31/05/2012, equivalentes a R$46.539,98, atualizadas até 01/2016.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família:
"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
..........................................................
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.".
A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos
para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso,
com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem tê-la provida por sua família.
A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art.
1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01
de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de
2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de
deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família.
Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na redação dada
pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela
que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o
auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo
de alguém.
No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34,
de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os
fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos
solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo
teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo, anoto
que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral
da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a
constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral.
A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal,
inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação
de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial
(Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013).
No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda
informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o
benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras.
Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se
possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas
necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de
sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado
no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73.
Por outro lado, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das
condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei:
"Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou
utilização.
§ 3oO desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de
atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo
de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência.
§ 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não
impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em
regulamento.
Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a
pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de
microempreendedor individual.
§ 1oExtinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste
artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia
médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim, respeitado o
período de revisão previsto no caput do art. 21.
§ 2oA contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do
benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da
remuneração e do benefício".
Conforme se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88, Num.
137474735 - Pág. 118), a parte répassou a exercer atividade econômica remunerada a partir de
05/04/2005, junto a empresa GRUPO DE FARTURA DE HORTIFRUT LTDA, o que afasta sua
condição de hipossuficiente e torna indevido o recebimento do benefício.
Todavia, no caso, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em vista que cabe
à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma legal, a fim de
averiguar se permanecem ou não satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do
benefício.
Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o requerido atendia os requisitos
legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar.
Efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato fraudulento
em detrimento do INSS, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não
há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do
benefício.
Ressalte-se que o próprio INSS reconheceu setratar de erro administrativo, bem como a
ausência de má-fé do beneficiário (id 137474735 – pág. 40, 43).
Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício deve ser suspenso no caso de atividade
laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema 979
pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condeno a autarquia ao pagamento de
honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à
causa.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou provimento ao recurso de
apelação, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CERCEAMENTO
DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PAGAMENTO
INDEVIDO. AFASTADA A MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO INDEVIDO.
- Não merece acolhimento a alegação de nulidade do decisum, por cerceamento de defesa,
haja vista que o magistrado, no exercício do seu livre convencimento motivado, apreciou a
questão controvertida e fundamentou sua decisão à luz do que rege o art. 93, IX, da CF.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de
cinco anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua
de previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo
ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação.
- Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo instaurado
para a apuração das irregularidades tramitou em maio de 2012, com notificação da parte ré e se
findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em 27/01/2016, não há que se falar da
incidência de prescrição.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família.
- Cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe
garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.742/93.
- Conforme se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88,
Num. 137474735 - Pág. 118), a parte répassou a exercer atividade econômica remunerada a
partir de 05/04/2005, junto a empresa Grupo de Fartura de Hortifrut Ltda, o que afasta sua
condição de hipossuficiente e torna indevido o recebimento do benefício.
- Todavia, no caso, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em vista que
cabe à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma legal, a fim de
averiguar se permanecem satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do benefício.
- Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o requerido atendia os requisitos
legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar.
- Efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato fraudulento
em detrimento do INSS, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não
há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do
benefício.
- Ressalte-se que o próprio INSS reconheceu setratar de erro administrativo, bem como a
ausência de má-fé do beneficiário (id 137474735 – pág. 40, 43).
- Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício deve ser suspenso no caso de
atividade laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no
Tema 979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
- Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condenada a autarquia ao pagamento de
honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à
causa.
- Matéria preliminar rejeitada. No mérito, apelação provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar provimento à apelação, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
