Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5004497-93.2018.4.03.9999
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
31/05/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 07/06/2022
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO
PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA.
- A teor do conjunto probatório constante nos autos, mantida sentença de procedência, para o fim
de declarar “a inexigibilidade do débito referente ao benefício de aposentadoria rural (NB
130.345.182-1), no valor de R$ 72.379,83 (Setenta e dois mil, trezentos e setenta e nove reais e
oitenta e três centavos), bem como determino a exclusão do nome da autora do Cadastro
Informativo de Débitos Não Quitados do Setor Público Federal – CADIN”.
- As provas documentais apresentadas no processo administrativo, quando da concessão, já não
eram suficientes para conferir à autora o direito à aposentadoria por idade a rurícola.
- A fraude em questão foi praticadapor servidor dos quadros da autarquia federal, já demitido, não
havendo qualquer prova nos autos da participação ou conluio da parte autora nas irregularidades
ocorridas na concessão.
- Nos termos do decidido no Tema 979/STJ, há, in casu,boa-fé objetiva, motivo pelo qual mantida
a decretação de inexigibilidade do débito.
- Em razão da sucumbência recursal, majorados em 100% os honorários fixados em sentença,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015.
- Apelação do INSS improvida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004497-93.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEFONSINA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004497-93.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEFONSINA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelações interpostas em face da sentença que julgou procedente os pedidos da
autora para declarar a inexigibilidade dos débitosdecorrentes da revisão administrativa do
benefício NB 41/130.345.182-1, bem como determinou a exclusão do nome da autora do
Cadastro Informativo de Débitos Não Quitados do Setor Público Federal (CADIN).
Determinação de expedição de ofício ao respectivo órgão de restrição ao crédito para exclusão
da restrição.
Inconformado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) apela asseverando, em síntese, que
o recebimento indevido de benefício deve ser, independentemente de boa-fé da parte, objeto de
ressarcimento, pouco importando se a concessão tenha advindo de erro administrativo ou não,
visto que há expressa previsão legal de restituição no artigo 115, II, da Lei n. 8.213/1991, de
modo que é perfeitamente possível a cobrança dos valores recebidos indevidamente pela parte
autora.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
Apreciado tema repetitivo relacionado a este processo, a suspensão foi levantada e os autos
vieram conclusos.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:
Com a devida vênia, divirjo da e. Relatora.
A teor do conjunto probatório constante nos autos, entendo pela possibilidade de manutenção
da sentença de procedência, para o fim de declarar “a inexigibilidade do débito referente ao
benefício de aposentadoria rural (NB 130.345.182-1), no valor de R$ 72.379,83 (Setenta e dois
mil, trezentos e setenta e nove reais e oitenta e três centavos), bem como determino a exclusão
do nome da autora do Cadastro Informativo de Débitos Não Quitados do Setor Público Federal
– CADIN”.
O processo administrativo colacionado demonstra que o benefício de aposentadoria por idade
rural foi concedido, com DIB em 22.02.05, pela Agência de Aparecida do Taboado/MS. O
resumo de cálculo demonstra reconhecimento de labor rural desenvolvido pela autora, nascida
em 06.11.49, nos períodos de 01.01.79 a 30.11.81; 01.12.81 a 30.11.89; 01.08.72 a 30.05.74 e
de 01.09.76 a 31.12.78, nas Fazendas Santa fé e Cupins (ID 3614102, p. 35).
Ao que se depreende do Relatório Individual emitido em 04.06.14, pela Gerência Executiva do
INSS de Campo Grande/MS, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados
constantes no CNIS, vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da
concessão do benefício (ID 3614102, p. 37):
Ausência de pesquisa CNIS ao processo, para verificar a existência de vínculos urbanos.
Ausência de pesquisa no sistema PLENUS;
Não comprovou o efetivo exercício de atividade rural em período imediatamente anterior ao
requerimento, na forma da legislação vigente à época da concessão;
Não consta Declaração do Sindicato Rural e nem Entrevista Rural;
Tempo considerado no Resumo de Tempo de Contribuição, 01/08/72 a 30/05/74; 01/09/76 a
31/12/78; 01/01/79 a 30/11/81 e de 01/12/81 a 30/11/89, sem efetiva comprovação.
Em conclusão, constou no Relatório Individual que foram verificados indícios de irregularidade
consistentes na não comprovação do exercício de atividade rurícola em período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, ou àdata em que implementoucondições, o que já não
estava demonstrado em 2005, ano da concessão do benefício, tampouco em 2004, ano
doimplemento etário, haja vista que toda a documentação apresentada se referia a labor
campesino realizadoapenas até o ano de 1989.
O Ofício nº 06.501/322/2014, emitido em 24.06.14, ratifica o fato de que a suspensão do
pagamento da benesse se deu ante à ausência de comprovação da imediatidade.
As provas documentais apresentadas no processo administrativo, quando da concessão, já não
eram suficientes para conferir à autora o direito à aposentadoria por idade a rurícola
Ademais, constou no Relatório Conclusivo, emitido em 20.10.15, pela equipe de Monitoramento
Operacional de Benefício, in verbis:
“Conforme Auditoria de Benefício extraída do Sistema PRISMA, às fls. 41/42, verifica-se a
participação de pessoa que não pertence ao quadro do INSS nos processos de habilitação e do
servidor CELSO CORREA DE ALBUQUERQUE, matrícula SIAPE 0886027, nos procedimentos
que envolveram a habilitação e concessão”.
Além disso, em contestação, a autarquia esclarece, in verbis:
“É preciso registrar que a parte requereu e obteve, perante a Agência da Previdência Social de
APARECIDA DO TABOADO/MS, benefício de aposentadoria por idade rural (NB 130.345.182-
1), recebido desde 22/05/2005 e suspenso em 10/03/2015. A cessação do pagamento do
benefício se deu em razão do INSS ter constatado a presença de IRREGULARIDADES na sua
concessão, visto que a documentação apresentada não era suficiente para comprovar os
requisitos necessários para a concessão do benefício. A título de esclarecimento, deve ser
noticiado que a revisão do benefício de aposentadoria por idade não se tratou de revisão de um
simples ato administrativo isolado, mas decorreu de um complexo processo de revisão que
envolveu uma série de benefícios concedidos irregularmente pela agência de Aparecida do
Taboado nos anos de 2004/2006. Tal incidente resultou, inclusive, em abertura de Processo
Administrativo Disciplinar em relação ao servidor responsável (Celso Albuquerque), bem como
aplicação de PENA DE DEMISSÃO.
No caso dos autos, a irregularidade na concessão fica destacada pela (1) ausência de
pesquisas na base de dados do DATAPREV antes da concessão do benefício; (2) cadastro e
deferimento do requerimento administrativopor pessoa estranha aos quadros do INSS – se
tratava de pessoa sem autorização de acesso aos sistemas do INSS; (3) utilização de
declaração firmada por terceiro como início de prova material – documento sabidamente
rejeitado pelo INSS; e (4) lançamento de fases do processo administrativo de forma totalmente
artificial – fl. 45.”.
Ao que se vê, a fraude em questão foi praticadapor servidor dos quadros da autarquia federal,
já demitido, não havendo qualquer prova nos autos da participação ou conluio da parte autora
nas irregularidades ocorridas na concessão. Nesse mesmo sentido, fundamentou a r. sentença:
“No caso dos autos, não foi apontada fraude praticada pela requerente no procedimento
concessório, inexistindo, tampouco, qualquer indício de que a requerente tenha agido de má-fé,
apresentando declarações ou provas falsas. Ao contrário, restou caracterizada a boa-fé da
parte autora, diante da ausência de comprovação da má-fé. Destarte, não pode ser atribuída à
requerente qualquer conduta que tenha dado causa ao recebimento indevido, sendo "o erro"
atribuível à própria autarquia previdenciária a quem compete examinar a legalidade dos
pagamentos que efetua. Portanto, a pretensão da requerente quanto à anulação do débito
lançado pelo requerido, referente ao período em que recebeu o benefício a título de
aposentadoria rural, merece prosperar.
Consequentemente, verifica-se que a inclusão do nome da requerente no CADIN (f. 85) é
manifestamente indevido, já que o débito é inexigível.”.
Sendo assim, nos termos do decidido no Tema 979/STJ, há, in casu,boa-fé objetiva, motivo
pelo qual mantenho a decretação de inexigibilidade do débito.
Em razão da sucumbência recursal, majoro em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, observados os consectários acima
expostos.
É o voto. PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004497-93.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADEFONSINA ALVES DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: FRANCISCO CARLOS LOPES DE OLIVEIRA - MS3293-A
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
A Administração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo,
sendo-lhe dado rever os atos de seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade
(art. 37 da Constituição Federal/1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e
oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do STF,
tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade
administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos
constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei n.
9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação
judicial."
Por sua vez, à luz do Código Civil (art. 876), percebe pagamento indevido todo "aquele que
recebeu o que não era devido" e, por consequência, "fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra
no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos
indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei
n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, são repetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-
06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em
24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA
TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel.
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3
Judicial 1 DATA:16/10/2017.
A propósito, especificamente sobre devolução de valores recebidos de boa-fé em razão de erro
da Administração, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso repetitivo (Tema
979), assim deliberou sobre a matéria:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991.
DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E
MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO.
POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS
ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA
PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos
efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente
pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.”
(REsp 1.381.734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Desse julgamento é possível extrair as seguintes conclusões:
(i) o pagamento indevido decorrente de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela
Administração Previdenciária não é suscetível de repetição;
(ii) o pagamento indevido decorrente de erro material ou operacional da Administração
Previdenciária é repetível, salvo se o segurado demonstrar que não lhe era possível constatar o
erro (boa-fé objetiva);
(iii) a hipótese de repetição em razão de erro da Administração Previdenciária atinge somente
os processos distribuídos desde 23/4/2021 (modulação dos efeitos);
(iv) admitida a repetição, é permitido o desconto do percentual de até 30% do valor mensal do
benefício do segurado.
Sobre a boa-fé objetiva, nos dizeres da Ministra Nancy Andrighi, “esta se apresenta como uma
exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-
dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal” (STJ, REsp n. 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por sua vez, a boa-fé subjetiva está relacionada a intenção do agente, contrapondo-se à má-fé
(pressuposto do ilícito civil), a qual não se presume e deve ser demonstrada.
Efetivamente, somente cabe cogitar de aplicação do Tema n. 979 se afastada a discussão
sobre a má-fé do agente.
A parte autora, nascida em 6/11/1949, ajuizou esta demanda objetivandoa declaração da
inexigibilidade dos valores recebidos no período compreendido entre 22/2/2005 (DIB/DER da
aposentadoria por idade rural NB 41/130.345.182-1) e 1º/11/2014 (data da cessação desse
mesmo benefício).
Ao que se depreende do Relatório Individual emitido pela Gerência Executiva do INSS de
Campo Grande/MS, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e aos dados constantes
no CNIS, constatou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da concessão do
benefício:
(i) ausência de pesquisa CNIS ao processo, para verificar a existência de vínculos urbanos;
(ii) ausência de pesquisa no sistema Plenus;
(iii) ausência de comprovação de atividade rural em período imediatamente anterior ao
requerimento;
(iv) não consta entrevista rural,nem declaração de Exercício de Atividade Rural no processo
administrativo;
(vi) resumo para cálculo do tempo de contribuição (abrangendo os períodos de 1º/8/1972 a
30/5/1974, de 1º/9/1976 a 31/12/1978, de 1º/9/1979 a 30/11/981 e de 1º/12/1981 a 30/11/1989),
sem efetiva comprovação.
É importante ressaltar que a revisão e o cancelamento do benefício de aposentadoria por idade
da parte autora não se tratou de revisão desimples ato administrativo isolado, mas decorreu de
complexo processo de revisão que envolveu uma série de benefícios concedidos irregularmente
pela agência de Aparecida do Taboado principalmente entre os anos 2004 e 2006.
Como os valores recebidos decorreram da fraude relatada e propagada no Município, não se
pode presumir que a parte autora tenha agidode boa-fé,até porque os meios ardis que foram
utilizados em Aparecida do Taboado/MS para conceder irregularmente centenas de benefícios
eram, muitas vezes, conhecidos dos beneficiados.
Aliás, as irregularidades ocorridas na Agência da Previdência Social daquele Município levaram,
também, à demissão do agente público envolvido com as ilegalidades na concessão indevida
de benefícios,ao ajuizamento de Ação Civil Pública de improbidade (ACP n.0000297-
59.2016.4.03.6003), na qual é pedidaa responsabilização dos que concorreram para a lesão ao
Erário, e àdenúncia criminal em que se persegue a responsabilização dos acusados dos atos
ilícitos (autos n.0000143-41.2016.4.03.6003).
Em síntese, considerado o não preenchimento dos requisitos legais para a concessão de
aposentadoria por idade rural, ante a ausência de comprovação de atividade rural em período
imediatamente anterior ao requerimento, efetivamente houve irregularidade no deferimento
anteriormente ocorrido, sendo devida a restituição dos valores.
Cabe frisar o fato de que este caso envolvefraude perpetrada contra a Administração, matéria
que não se confunde com o erro administrativo tratado no Tema n. 979 do STJ. Vale dizer: não
houveerro operacional da Administração, mas a prática de ato viciado, em virtude do
empregode meios artificiosos.
Nessa esteira, não cabe cogitar de modulação dos efeitos para eximir a beneficiária de restituir
os valores indevidamente recebidos.
Incide naespécie, portanto, a regra da repetibilidade dos valores indevidamente recebidos
(artigos 115, II, da Lei n. 8.213/1991, e 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999), a qual prescinde
da aferição da presença ou não de boa-fé da beneficiária ou da natureza alimentar do benefício.
Em decorrência, impõe-se a reforma da sentençapara julgar improcedente o pedido de
inexigibilidade dos valoresrecebidos indevidamente.
Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados
em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase
recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade,
na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da
justiça gratuita.
Diante do exposto, dou provimento à apelaçãopara, nos moldes da fundamentação
retromencionada, julgar improcedente opedido de declaração de inexigibilidade dos valores
recebidos indevidamente.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela provisória concedida.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO
PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA.
- A teor do conjunto probatório constante nos autos, mantida sentença de procedência, para o
fim de declarar “a inexigibilidade do débito referente ao benefício de aposentadoria rural (NB
130.345.182-1), no valor de R$ 72.379,83 (Setenta e dois mil, trezentos e setenta e nove reais e
oitenta e três centavos), bem como determino a exclusão do nome da autora do Cadastro
Informativo de Débitos Não Quitados do Setor Público Federal – CADIN”.
- As provas documentais apresentadas no processo administrativo, quando da concessão, já
não eram suficientes para conferir à autora o direito à aposentadoria por idade a rurícola.
- A fraude em questão foi praticadapor servidor dos quadros da autarquia federal, já demitido,
não havendo qualquer prova nos autos da participação ou conluio da parte autora nas
irregularidades ocorridas na concessão.
- Nos termos do decidido no Tema 979/STJ, há, in casu,boa-fé objetiva, motivo pelo qual
mantida a decretação de inexigibilidade do débito.
- Em razão da sucumbência recursal, majorados em 100% os honorários fixados em sentença,
observando-se o limite máximo de 20% sobre o valor da causa, a teor dos §§ 2º e 11 do art. 85
do CPC/2015.
- Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
maioria, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do voto do Desembargador
Federal Gilberto Jordan, que foi acompanhado pelo Juiz Federal convocado Nilson Lopes e pelo
Desembargador Federal Sérgio Nascimento (5º voto). Vencida a Relatora, que dava provimento
à apelação, no que foi acompanhada pela Juíza Federal convocada Monica Bonavina (4º voto).
Julgamento nos termos do disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC. Lavrará acórdão o
Desembargador Federal Gilberto Jordan, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
