
| D.E. Publicado em 24/10/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR a matéria preliminar, JULGAR PROCEDENTE a Ação Rescisória nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 e, em juízo rescisório, JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço formulado no feito subjacente, bem como DEFERIR o pedido de restituição dos valores indevidamente recebidos pela parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0038641-67.2002.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Vistos.
Trata-se de Ação Rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face de ELZA PASCOTTO BERALDO visando rescindir acórdão proferido pela Segunda Turma desta Corte, nos autos da Apelação Cível n.º 98.03.063434-8 (fls. 42/46),
A ação rescisória foi ajuizada com fundamento em violação a literal disposição de lei e prova falsa (artigo 485, incisos V e VI, do Código de Processo Civil de 1973).
Em suma, a autarquia previdenciária aduz que são falsas as anotações dos vínculos empregatícios constantes nas folhas 08, 09 e 10 na CTPS n.º 81.943, série 155ª, quais sejam: i) Sítio Boa Vista, como trabalhadora rural, no período de 01.10.1965 a 31.12.1975; ii) Plínio Fortunato Pascoto, na função de operária agrícola, no período de 10.03.1976 a 30.09.1988, e iii) Sítio Santa Cruz, como trabalhadora rural, no interregno de 02.01.1989 a 31.08.1995. Assevera que essa prova foi fundamental para a concessão do benefício, de modo que restou configurada a hipótese prevista no inciso VI do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973.
Também aduz ter havido violação a literal disposição de lei, "uma vez que o tempo de atividade rural anterior à edição da Lei 8.213/91 não pode ser admitido para fins de comprovação de carência" (fl. 08). Assevera que "excluindo-se, pois, o período em que o réu teria exercido a atividade rural anteriormente à vigência da Lei de Benefícios, para o fim de comprovação de carência, restariam tão somente 04 anos, 01 mês e 07 dias de tempo de serviço, período muito inferior aos 66 (sessenta e seis) meses legalmente exigidos" (fl. 10) .
Requer a antecipação dos efeitos da tutela, pois haveria prova inequívoca e verossimilhança das alegações, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Pugna pela rescisão do acórdão proferido no feito subjacente e, em novo julgamento, pela improcedência do pedido de aposentadoria por tempo de serviço.
A Ação Rescisória foi ajuizada em 20.09.2002, tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 47,18 (fls. 02/14).
A inicial veio instruída com os documentos acostados às fls. 15/74.
A decisão proferida às fls. 76/78 indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determinou a citação da parte ré.
Regularmente citada à fl. 86 verso, a parte ré apresentou contestação às fls. 88/100, acompanhada dos documentos acostados às fls. 101/102. Preliminarmente, alega ser inadmissível a concessão de tutela antecipada no presente caso, pois ausentes a verossimilhança das alegações e o receito de dano. Aduz a inépcia da inicial, "uma vez que referida peça jurídica não exprime com a mínima clareza o suporte fático e de direito para formulação de qualquer pedido" (fl. 92). Assevera a falta de prequestionamento do ponto em que se alega violação de lei, requisito que seria necessário à admissibilidade da Ação Rescisória. Afirma que a autarquia previdenciária é carecedora do direito de ação, pois teria ocorrido a decadência, visto que, embora a rescisória tenha sido proposta tempestivamente, a citação não ocorreu no prazo determinado em lei.
No mérito, afirma que não há sentença condenatória na esfera criminal transitada em julgado, apta a embasar o pedido com fundamento em prova falsa. Assevera não haver documento novo que autorize a propositura da presente rescisória. Alega que "a obrigatoriedade dos recolhimentos para os trabalhadores rurais teve seu início com o advento da Lei 8.213/91. Considerando que a ré sempre trabalhou em regime de economia familiar, com exclusão do período em que trabalhou registrada, contando este tempo até o advento da Lei 8.213/91, a qual passou exigir contribuição, a ré possui tempo suficiente para aposentar-se" (fl. 99).
A autarquia previdenciária apresentou petição às fls. 105/108, acompanhada de cópia do Termo de Declarações da ré perante a Delegacia de Polícia Federal em Bauru (fls. 109/110).
O despacho exarado à fl. 112 deferiu à parte ré a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita e determinou que o INSS se manifestasse acerca da contestação. O prazo fixado para manifestação decorreu in albis (fl. 118).
A parte ré deixou de se manifestar acerca da petição e documento apresentados pelo INSS (fl. 123).
Em resposta à determinação judicial exarada à fl. 119, a Delegacia de Polícia Federal em Bauru apresentou a resposta acostada às fls. 126/129.
A autarquia previdenciária manifestou-se às fls. 136/138 acerca da resposta acima mencionada, enquanto a parte ré deixou transcorrer in albis o prazo para sua manifestação (fl. 139).
As cópias do laudo pericial e do relatório referentes ao IPL 7-062/03 foram juntadas às fls. 141/152.
A ré manifestou-se às fls. 158/159 e o INSS, à fl. 165, acerca dos documentos acima mencionados.
Intimadas a especificarem provas, a parte ré nada requereu (fl. 172), enquanto que o INSS deixou transcorrer o prazo sem manifestação (fl. 176).
O Instituto Nacional do Seguro Social apresentou alegações finais às fls. 182/184, enquanto que a certidão lançada à fl. 185 atesta o decurso do prazo para que a parte ré se manifestasse nessa fase.
O Ministério Público Federal apresentou o parecer acostado às fls. 186/190, pugnando pela procedência da Ação Rescisória e, em juízo rescisório, pela improcedência do pedido formulado no processo subjacente.
O processo foi convertido em julgamento à fl. 192, a fim de que parte autora trouxesse aos autos cópia da decisão proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no bojo do REsp n.º 263.264/SP, a fim de aferir a competência desta Corte para o julgamento da presente Ação Rescisória.
Intimada por quatro vezes (fls. 192 verso, 196 verso, 203 verso e 210 verso), a autarquia previdenciária deixou de trazer aos autos cópia da referida, sendo que da última vez, o despacho prolatado à fl. 210 deixou consignado que "decorrido o prazo, com ou sem manifestação, voltem os autos conclusos para julgamento no estado em que encontra".
É o Relatório.
Peço dia para julgamento.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal Relator
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0038641-67.2002.4.03.0000/SP
VOTO
Trata-se de Ação Rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face de ELZA PASCOTTO BERALDO com fundamento em violação a literal disposição de lei e prova falsa (artigo 485, incisos V e VI, do Código de Processo Civil de 1973).
Preliminarmente, em sede de contestação, a parte ré alega inépcia da inicial, sob o argumento de "que referida peça jurídica não exprime com a mínima clareza o suporte fático e de direito para formulação de qualquer pedido" (fl. 92).
Todavia, a inicial mostra-se apta a deflagrar a relação jurídico-processual, já que descreve com detalhes os fundamentos fáticos e de direito para a dedução da pretensão autárquica.
Em síntese, o Instituto Nacional do Seguro Social requereu a desconstituição do julgado primitivo, sob o fundamento de que os contratos de trabalho rural anotados na CTPS n.º 81.943, série 155ª, são falsos. Além disso, afirma que mesmo se os contratos fossem verdadeiros, o tempo de serviço rural anterior à edição da Lei n.º 8.213/1991 não poderia ser admitido para efeito de carência, de forma que teria havido violação a literal disposição de lei. Em face disso, a autarquia previdenciária requereu a rescisão do julgado primitivo e, em juízo rescisório, a improcedência do pedido de aposentadoria por tempo de serviço.
Portanto, a simples leitura da exordial demonstra que os fatos foram expostos de maneira clara e compreensível, tanto que foi possível à defesa tecer um longo arrazoado (fls. 88/100) visando impugnar a pretensão da autarquia previdenciária deduzida nesta Ação Rescisória.
A parte ré alega também ser necessário o prequestionamento para o ajuizamento da Ação Rescisória. Porém, o prequestionamento é requisito de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e não pode ser invocado como óbice ao ajuizamento de Ação Rescisória, pois não existe tal previsão na legislação de regência.
Nesse sentido, é o julgado da 3ª Seção abaixo transcrito:
Por fim, a parte ré também alega que o ente previdenciário é carecedor do direito de ação, pois "muito embora tenha intentado tempestivamente a presente rescisória, não diligenciou com esmero para que a citação ocorresse no prazo determinado em lei" (fl. 95).
Acerca desse ponto, observo que o trânsito em julgado no processo subjacente foi certificado em 29.09.2000 (fl. 48), enquanto que a inicial foi protocolada em 20.09.2002 (fl. 02), ou seja, dentro do prazo decadencial de dois anos previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973 (atualmente disciplinado no artigo 975, caput, do Código de Processo Civil).
A decisão prolatada em 24.10.2002 (fls. 76/78) indeferiu o pedido de tutela antecipada e determinou que se procedesse à citação da parte ré, no prazo de trinta dias. Expedida carta precatória à Comarca de São Manuel em 04.11.2002 (fl. 80), a citação foi efetivada em 26.12.2002 (fl. 86 verso).
Em que pesem as alegações da parte ré, a presente ação rescisória foi ajuizada dentro do prazo decadencial bienal previsto em lei e a efetivação da citação, após mais de dois anos do trânsito em julgado da decisão rescindenda, ocorreu não por desídia da autarquia previdenciária, mas em razão de fatores atinentes ao funcionamento do Poder Judiciário. Tal fato, contudo, não pode macular a demanda ajuizada pela autarquia previdenciária, que exerceu seu direito de ação no prazo previsto na legislação, de modo que não há que se falar em decadência do direito de propositura da presente ação rescisória.
Nesse sentido, é o entendimento remansoso do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Desse modo, REJEITO a matéria preliminar arguida em sede de contestação.
Presentes os demais pressupostos processuais, passo à análise do juízo rescindendo.
Do Juízo Rescindendo
Inicio a análise do juízo rescindendo pela alegação de violação a literal disposição de lei.
O artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil de 1973 dispõe o seguinte:
A violação a literal disposição de lei é, sem dúvida, de todas as hipóteses de rescisão, a que possui sentido mais amplo. O termo "lei" tem extenso alcance e engloba tanto a lei material como a processual, tanto a infraconstitucional como a constitucional, vale dizer, trata-se de expressão empregada como sinônimo de "norma jurídica", independentemente de seu escalão. Quanto ao termo "literal", este é empregado no sentido de "expresso" ou "revelado", vale dizer, qualquer direito expresso ou revelado, seja ele escrito ou não escrito, uma vez violado, poderá ser protegido por meio do ajuizamento da ação rescisória (Nesse sentido, DIDIER JR, Fredie e DA CUNHA, Leonardo Carneiro, em Curso de Direito Processual Civil, vol. 03, Editora Jus PODIVM, 12ª Edição, 2014, pág. 392). O intuito é o de, em casos de reconhecida gravidade, se impedir a subsistência de decisão que viole o valor "justiça", ainda que em detrimento do valor "segurança", de modo que, em se constatando violação a uma norma jurídica (incluída a violação de princípio), revela-se cabível o ajuizamento de ação rescisória.
Pois bem.
A autarquia previdenciária alega que o julgado rescindendo teria incorrido em violação a literal disposição de lei, pois os registros rurais anotados em CTPS, anteriores à edição da Lei n.º 8.213/1991, não poderiam ser considerados para efeito de carência e, consequentemente, conferir à parte ré o direito à aposentação por tempo de serviço.
Em que pesem as alegações da autarquia previdenciária, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu ser possível a averbação do trabalho rural com registro em carteira, ainda que anteriormente à edição da Lei n.º 8.213/1991, inclusive para efeitos de carência.
Nesse sentido, destaco o julgado abaixo proferido em Recurso Especial julgado sob o rito do artigo 543-C do CPC de 1973:
Assim, o julgado rescindendo ao considerar que os registros trabalhistas anotados em carteira, anteriores ao advento da Lei n.º 8.213/1991, poderiam ser considerados para fins de carência, não incorreu em violação a literal disposição de lei, na esteira do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Desse modo, julgo improcedente o pedido de rescisão com fundamento em violação a literal disposição de lei.
Passo à análise da alegação do pedido de rescisão com fundamento em prova falsa. O artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 dispõe o seguinte:
Para a configuração desta hipótese, não basta a falsidade da prova. Há necessidade de que a decisão rescindenda tenha se baseado na prova falsa, sem a qual outro teria sido o desfecho da solução conferida à lide subjacente. Em outras palavras, é imprescindível que haja nexo de causalidade entre a falsidade da prova e a conclusão a que chegou a decisão rescindenda.
Cabe destacar que, conforme expressa dicção da norma, a falsidade da prova poderá ser apurada em processo criminal ou mesmo no bojo da própria Ação Rescisória.
Trata-se de entendimento pacífico da jurisprudência, conforme se pode observar do julgado abaixo:
No caso, a autarquia previdenciária assevera que são falsos os registros de trabalho rural anotados na CTPS n.º 81.943, série 155ª. Aduz que o empregador constante nos referidos contratos de trabalho é o próprio pai da ora parte ré, o qual afirmou em declarações que o serviço desenvolvido nas suas propriedades era realizado por todos os membros da família, uma vez que se tratava de regime "unifamiliar". Além disso, ele também disse que a parte ré também seria uma das proprietárias dos sítios onde o trabalho rural fora exercido.
No processo subjacente, a parte ré requereu a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, pois teria exercido atividades de natureza urbana e rural, que montariam a 31 anos, 07 meses e 19 dias de serviço (fls. 15/17).
Com efeito, o processo originário foi instruído com cópia da CTPS n.º 81.943, série 155, emitida em 09.01.1963 (fls. 18/34), onde consta a anotação de quatro vínculos empregatícios, a saber:
Fiação São Manuel S.A., no cargo de servente de fábrica, no período de 09.07.1963 a 09.09.1965;
Sítio Boa Vista, na função de trabalhadora rural, no período compreendido entre 01.10.1965 e 31.12.1975;
Plínio Fortunatto Pascoto, como operária agrícola, no período de 10.03.1976 a 30.09.1988;
Sítio Santa Cruz, como trabalhadora rural, no período de 02.01.1989 a 31.08.1995.
A sentença prolatada em Primeira Instância julgou procedente a ação original, pois entendeu que a parte autora efetivamente teria trabalhado pelo período necessário à concessão da benesse previdenciária (fl. 40).
No julgamento da apelação interposta pelo INSS, a Segunda Turma desta Corte reformou a sentença apenas no tocante aos juros e correção monetária, mantendo a concessão do benefício sob o fundamento de que "no caso dos autos, a carência exigida, bem como o período de trabalho urbano e rural afirmados foram devidamente comprovados pelas cópias da Carteira de Trabalho e Previdência Social da autora (fls. 07/23), provas estas que o Instituto recorrente não logrou infirmar em sua irretorquível eficácia de convencimento" (fl. 43).
Nos autos, embora haja notícia de julgado no Recurso Especial n.º 263.264/SP (fl. 48), não foi acostada cópia da decisão na Ação Rescisória. Todavia, em consulta ao sítio na internet do Colendo Superior Tribunal de Justiça, observei que o Relator Ministro Vicente Legal, em despacho proferido em 08.09.2000, não conheceu do recurso interposto.
No caso, entendo que os elementos amealhados na presente Ação Rescisória são harmônicos e suficientes à comprovação da falsidade da prova no tocante aos vínculos empregatícios indicados na inicial da presente Ação Rescisória.
O Relatório de Diligência Fiscal acostado às fls. 55/57, em relação aos registros rurais da parte ré, nos períodos de 01.10.1965 a 31.12.1975, 10.03.1976 a 30.09.1988 e de 02.01.1989 a 31.08.1995, consignou à fl. 56 que:
Por seu turno, na declaração acostada à fl. 58, o senhor Plínio Fortunato Pachotto confirmou suas assinaturas apostas nos contratos de trabalho tisnados de falsidade, tendo afirmado que desde 1965 todos os membros de sua família trabalham em regime unifamiliar e que sua filha, a ré Elza Pacotto Beraldo, é uma das proprietárias dos sítios Boa Vista e Santa Cruz.
Às fls. 59/73 foram acostadas cópias do Inventário e Formal de Partilha, abertos em razão do falecimento em 28.06.1993 da senhora Aparecida Bovolenta Pachotto. Os documentos demonstram que a ré recebeu, por força de herança, 1/6 de uma gleba de terras na Fazenda Boa Vista do Rio Claro e 1/6 de uma gleba de terras na Fazenda Santa Cruz do Paraíso (fl. 68).
A parte ré, ouvida em declarações perante o Departamento de Polícia Federal em Bauru/SP, nos autos do Inquérito Policial n.º 7-062/03 (fls. 109/110), afirmou que sua carteira de trabalho foi entregue por seu marido no escritório do advogado CHICO MOURA, a fim de que ele providenciasse a concessão de benefício previdenciário. Em seu depoimento, afirmou "QUE quando seu marido levou a sua CTPS não havia as anotações feitas às fls. 8, 9 e 10 de sua carteira, sendo que forma (sic) feitas posteriormente, pois seu marido trouxe a CTPS um dia para seu pai assinar, já com todas as anotações feitas, faltando apenas a assinatura".
O marido da parte ré, em depoimento prestado junto à Delegacia de Polícia de São Manuel, confirmou a versão dada por sua esposa. Afirmou que deixara a carteira profissional no escritório de CHICO MOURA, a fim de que ele providenciasse a aposentadoria da sua esposa. No seu termo de declarações ele disse que não sabe quem preencheu a CTPS e que a levou para seu sogro a fim de que fosse assinada (fl. 129).
Embora no bojo do Inquérito Policial n.º 7-0062/03 tenha sido realizado exame documentoscópio na CTPS da parte ré, o laudo acostado às fls. 143/148 não conseguiu identificar quem teria sido o responsável pelas anotações dos contratos de trabalho impugnados nesta Ação Rescisória. Às fls. 149/152 foi juntado cópia do relatório policial no Inquérito Policial n.º 7-0062/2003/DPF/BRU/SP, instaurado para apurar possível prática de delitos relacionados aos registros falsamente anotados na CTPS da parte ré.
De qualquer sorte, os elementos colacionados aos autos demonstram a falsidade das anotações dos contratos campesinos constantes da CTPS da parte ré. Os depoimentos prestados pela parte ré e seu marido na polícia demonstram que a CTPS fora entregue no escritório de advocacia de CHICO MOURA, sem quaisquer anotações referentes ao suposto trabalho rural. Posteriormente, após os falsos lançamentos, a carteira de trabalho foi retirada pelo marido da parte ré e levada até o pai dela para que ele a assinasse.
Assim, as provas coligidas demonstram que os contratos rurais foram inseridos posteriormente e que a parte ré nunca trabalhou nas propriedades rurais indicadas em sua CTPS como empregada. Na verdade, se realmente houve o exercício de atividade campesina, o trabalho teria sido realizado em conjunto com seu grupo familiar, em regime de mútua colaboração, o que poderia enquadrá-la na categoria de segurada especial ou como produtora rural (contribuinte individual).
Todavia, importa destacar que o trabalho campesino na condição de segurado especial não permite a concessão de aposentadoria por tempo de serviço (artigo 39, inciso I, da Lei n.º 8.213/1991). Além disso, no caso do produtor rural, a concessão de benefício previdenciário exige a demonstração do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, tendo em vista tratar-se de segurado enquadrado como contribuinte individual (art. 11, inciso V, alínea "a", da Lei n.º 8.213/1991).
Assim, restou demonstrada a existência de nexo de causalidade entre a prova falsa e a conclusão do julgado rescindendo. Na ação subjacente a comprovação da carência e do tempo de serviço necessário à concessão da benesse previdenciária valeu-se dos lapsos anotados na CTPS da parte ré, de modo que os períodos de trabalho falsamente anotados foram imprescindíveis para o sucesso da demanda subjacente.
A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte é pacífica no sentido de autorizar a desconstituição do julgado, quando incontroverso o nexo de causalidade entre a prova falsa e o julgado rescindendo.
Nesse sentido, trago à colação os julgados abaixo:
Desse modo, comprovada a falsidade dos vínculos empregatícios rurais anotados na CPTS n.º 81.943, série 155ª, bem como estabelecido o nexo de causalidade com o resultado da ação subjacente, mostra-se procedente o pedido de desconstituição da decisão proferida no processo primitivo, com fulcro no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 (equivalente ao artigo 966, inciso VI, do Código de Processo Civil).
Superado o juízo rescindendo, passo à análise do juízo rescisório.
Do Juízo Rescisório
Desconsiderados os registros campesinos anotados na CTPS da parte ré, somente remanesce seu contrato de trabalho com a Fiação São Manuel S.A., como servente de fábrica, no período de 09.07.1963 a 09.09.1965.
Todavia, esse lapso de trabalho é insuficiente à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, que requer carência de 180 meses (artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991) e 30 anos de tempo de serviço, no caso das mulheres (artigo 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal).
Desse modo, mostra imperativo o decreto de improcedência em sede de juízo rescisório do pedido formulado na ação subjacente.
Da devolução dos valores indevidamente recebidos
Destaco ainda, embora não tenha restado consignado no relatório, que a autarquia previdenciária requereu à fl. 13 "o ressarcimento aos cofres públicos de eventuais pagamentos indevidos".
Não desconheço o fato de que a jurisprudência entende incabível a devolução de valores recebidos de boa-fé, quando devidos em razão de decisão judicial transitada em julgado.
Todavia, s.m.j., penso que a situação retratada nos presentes autos é diversa. Trata-se de ré que percebeu benefício aposentadoria por tempo de serviço mediante a utilização de prova falsa. Entendo que, in casu, descabe falar-se em irrepetibilidade dos valores recebidos, sob o argumento de que possuiriam natureza alimentar e teriam sido recebidos de boa-fé.
Conforme declaração de seu pai, pessoa quem assinou os contratos de trabalho anotados falsamente na CTPS, a ré seria uma das proprietárias dos sítios Boa Vista e Santa Cruz, locais onde teria se dado a prestação de serviço. Essas afirmações foram corroboradas pelas cópias do Inventário e Formal de Partilha, que demonstram ter ela recebido 1/6 de cada um das propriedades acima mencionadas, em razão de herança.
Por outro lado, a própria ré em depoimento perante o Departamento de Polícia Federal às fls. 109/110 confirmou que sua carteira de trabalho havia sido entregue por seu marido no escritório de advocacia de CHICO MOURA sem a anotações dos contratos impugnados nesta rescisória. Posteriormente, o documento foi retirado pelo seu cônjuge e levado até seu pai, a fim de que fossem assinados os falsos contratos de trabalho.
Desse modo, resta patente que o ardil utilizado era de conhecimento da parte ré, que se utilizou de procedimento ilícito com a única finalidade de obtenção de benefício previdenciário, que sabia não fazer jus, visto que não contava com a carência necessária para sua concessão.
No caso, mostra-se imperioso a devolução dos valores indevidamente recebidos pela parte ré, sob pena de enriquecimento ilícito. Nesse sentido, o artigo 876, do Código Civil dispõe que "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição". Trata-se de providência necessária na esfera cível, a fim de servir como resposta ao ilícito perpetrado para a obtenção indevida de benefício previdenciário, sob o risco de se permitir a utilização de práticas inidôneas para assalto aos cofres da já tão combalida Previdência Social.
Nesse sentido, destaco os julgados abaixo:
Ademais, nem se diga que a providência acima adotada desborda do âmbito do objeto do juízo rescisório, que, via de regra, deve estar limitado pelo pedido e pela causa de pedir constante da demanda originária.
Nos casos de manifesta fraude, entendo que a devolução dos valores indevidamente recebidos, mediante a utilização de ardil, constitui consectário da improcedência do pedido em sede de juízo rescisório. Além disso, trata-se de procedimento que visa dar celeridade à prestação jurisdicional, em homenagem aos princípios da eficiência e celeridade processual.
O Poder Judiciário deve coibir ações praticadas mediante a movimentação do aparato estatal, a fim de obstar a movimentação ilícita da máquina jurisdicional para a obtenção de vantagem patrimonial indevida.
Com essas considerações, defiro pedido de restituição dos valores indevidamente recebidos pela parte ré.
Dispositivo
Tendo em vista o teor do presente voto, defiro o pedido de tutela antecipada, nos termos do artigo 497, caput, do Código de Processo Civil, a fim de determinar a suspensão do pagamento do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço concedido à parte ré.
Por orientação da Egrégia Terceira Seção deste Tribunal, deixo de condenar a parte autora nos ônus de sucumbência, em razão da concessão dos benefícios da Justiça Gratuita (fl. 112).
Oficie-se ao Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de São Manuel/SP, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão, a fim de instruir o processo subjacente (autos n.º 97.00000261).
Ante o exposto, voto por REJEITAR A MATÉRIA preliminar e JULGAR PROCEDENTE a Ação Rescisória, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973 e, em novo julgamento, JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço formulado no feito subjacente e determinar a restituição dos valores indevidamente recebidos pela parte ré.
É o voto.
Fausto De Sanctis
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