
| D.E. Publicado em 05/12/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora nesta ação rescisória, a fim de desconstituir o v. acórdão e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0040729-34.2009.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória ajuizada por RAILDA ROSA XAVIER LIMA em face do INSS visando rescindir o v. acórdão (fls. 64/66) proferido pela Sétima Turma desta Corte que, nos autos da apelação cível n.º 2007.03.99.001175-0, deu provimento à apelação do INSS, afastando, assim, a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade a trabalhador(a) rural.
A ação rescisória foi ajuizada com fundamento em existência de documento novo, nos termos do artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973.
A parte autora aduz, em síntese, que o julgado em questão deve ser rescindido, com fulcro no art. 485, VII, do CPC de 1973 (fl. 16), tendo em vista os seguintes documentos novos: I) "Carteira de Trabalho do seu esposo, que comprova a condição de trabalhador rural com registros dos períodos de 18/01/1986 a 29/03/1989, 01/04/1989 a 30/09/1989, 01/02/1990 a 30/04/1992, 01/09/1992 a 10/12/1992, 01/02/1993 a 31/03/1993, 05/04/1993 a 31/08/1994, 01/12/1998 a 27/09/1999, 01/03/2001 a 04/08/2006" (fls. 03 e 72/76); II) "Contrato de Cessão de Posse e Promessa de Compra e Venda de Imóvel com o CDHU, datado de 25 de setembro de 2002, no qual consta a qualificação do seu esposo como trabalhador rural" (fls. 03 e 89/90); III) "Ficha da Secretaria Estadual da Saúde do Município de Guaraçaí onde consta que a requerente foi matriculada como lavradora em 11/06/1990" (fls. 03 e 70); IV) "Ementa deste Egrégio Tribunal proferida em 08 de junho de 2008 que reconhece a condição de rurícola de Epaminondas Ferreira Lima, esposo da requerente" (fls. 03 e 78/87) - vide fls. 70/90. Alega, ainda, que "os documentos juntados nestes autos são aptos a comprovar materialmente que a autora sempre foi trabalhadora rural (...) assim como seu esposo" (fl. 04), uma vez que "a condição de rurícola do marido se estende à esposa" (fl. 04).
Requer, assim, a rescisão do v. acórdão objurgado e, em novo julgamento da ação subjacente, a procedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade a trabalhador(a) rural. Pleiteia, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela (fl. 21).
A ação rescisória foi ajuizada em 16.11.2009 (fl. 02), tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 5.580,00 (fl. 21).
A inicial veio instruída com os documentos acostados às fls. 22/90.
Foi deferido à parte autora o benefício da assistência judiciária gratuita (fl. 93). Na oportunidade, foi indeferido o pedido de antecipação dos efeitos da tutela (fls. 93/95).
A parte ré foi regularmente citada (fl. 100) e apresentou contestação às fls. 102/108, acompanhada dos documentos acostados às fls. 109/112. Alega, preliminarmente, "carência da ação" (fl. 102 v.), pois estaria "ausente o interesse de agir" (fl. 103), uma vez que "a autora pretende, apenas, a rediscussão do quadro fático-probatório produzido na lide originária, buscando, em realidade, a renovação da lide subjacente, procedimento inadequado nas ações rescisórias" (fl. 103). Quanto ao mérito, alega "inexistência de documento novo" (fl. 103), pois "os documentos definidos pela autora como novos não são suficientes para garantir a inversão do julgado" (fl. 104). Quanto à Ficha da Secretaria Estadual de Saúde acostada à fl. 70, aduz que, "por se tratar de prova constituída unilateralmente, não se conceitua como razoável início de prova material" (fl. 106) e, quanto aos demais documentos, todos relacionados ao marido da autora, aduz que "o exercício de atividade rural na condição de empregado não faz pressupor o trabalho mútuo indispensável à subsistência e ao desenvolvimento econômico do grupo familiar" (fl. 106), de modo que, em se afastando o "desempenho de atividade rural em regime de economia familiar" (fl. 106), não seria possível estender à autora a qualificação de empregado rural de seu marido (fl. 106).
À fl. 114, decidiu-se que a preliminar suscitada em contestação, relativa à eventual carência de ação, por se confundir com a matéria de mérito, seria com ela analisada.
Instados a indicarem as provas que pretendiam produzir (fl. 114), a parte autora mencionou que os documentos apresentados juntamente com a exordial comprovariam sua condição de rurícola (fls. 117/118) e o INSS manifestou seu desinteresse na produção de provas, bem como requereu o julgamento antecipado da lide (fl. 119).
A parte autora deixou de apresentar razões finais (fl. 123) e o INSS, em suas razões finais, reiterou os argumentos já apresentados na contestação (fls. 124/128).
O Ministério Público Federal, em parecer acostado às fls. 130/132, opinou "pela procedência do pedido inicial da ação rescisória" (fl. 132).
Por se tratar a autora de pessoa analfabeta, determinou-se a suspensão do processo para que fosse regularizada sua representação processual (fls. 134/135). Isto ensejou que, à fl. 137, fosse acostado aos autos instrumento público de mandato.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0040729-34.2009.4.03.0000/SP
VOTO
O Exmo. Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de ação rescisória ajuizada por RAILDA ROSA XAVIER LIMA com fundamento em existência de documento novo, nos termos do artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao inciso VII do art. 966 do CPC), visando rescindir o v. acórdão (fls. 64/66) por meio do qual se deu provimento à apelação do INSS, afastando, assim, a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade a trabalhador(a) rural.
Inicialmente, destaco que é sabido que o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.115/2015, entrou em vigor no dia 18/3/2016 e que, após o advento do CPC de 2015, houve a elaboração de enunciados administrativos, por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal. Dentre estes, destaca-se o enunciado nº. 2, in verbis:
Reputo que, no que concerne às ações rescisórias, o aludido enunciado pode ser aplicado por analogia, de modo que, quanto aos pressupostos de admissibilidade e condições da ação, estes devem ser analisados conforme as previsões do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que a presente ação rescisória foi ajuizada quando ainda vigia aquele diploma legal.
Válido, nesse passo, mencionar os ensinamentos do jurista Roberto Rosas: "No atinente à ação rescisória, buscar-se-ia um ponto necessário: o trânsito em julgado da sentença. É o premente norteador dos pressupostos para a ação rescisória. A lei fixadora desses requisitos regerá essa ação no prazo para sua propositura. Se a lei nova amplia os fundamentos para a rescisória ou os restringe, não se altera o direito subjetivo do autor da ação, ele é o mesmo do trânsito em julgado da sentença rescindenda. O CPC de 1973 ampliou os pressupostos de rescindibilidade, não se aplicando às sentenças trânsitas em julgado antes da sua vigência" (ROSAS, Roberto, Direito Processual Constitucional, São Paulo: ed. RT, 2ª ed., 1.997, p. 184).
Inclusive, os Tribunais pátrios têm entendido, recentemente, que, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), conforme se pode observar neste trecho extraído de voto proferido pelo E.TST - AgR-AR: 74025920135000000, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 17/05/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016:
Pois bem.
A presente ação rescisória foi ajuizada dentro do biênio decadencial previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, eis que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 30.04.2009 (fl. 69) e a inicial foi protocolada em 16.11.2009 (fl. 02).
A preliminar de carência de ação, suscitada pelo INSS, confunde-se com o próprio mérito e com ele será analisada.
Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, passo à análise do juízo rescindente.
Primeiramente, esclareço que, não obstante o inciso IX do art. 485 do CPC de 1973 tenha sido brevemente mencionado à fl. 02, o que se observa é que a presente ação rescisória foi ajuizada, apenas, com fundamento em existência de "documento novo" (art. 485, VII do CPC de 1973), mas não em "erro de fato" (art. 485, IX do CPC de 1973), uma vez que a petição inicial (fls. 02/21) não apresenta qualquer alegação a este respeito, de modo que a aludida menção ao inciso IX do art. 485 do CPC de 1973 se revela completamente dissociada do conteúdo dos autos.
De qualquer sorte, mesmo que, no bojo da petição inicial desta ação rescisória, a autora tivesse efetivamente alegado existência de erro de fato, o que não fez, melhor sorte não a aguardaria, pois, da leitura do acórdão rescindendo (fls. 64/66), é possível extrair que a interpretação dada à lei pelos Julgadores do processo original em nada desbordou da razoabilidade. Adotou-se uma das soluções possíveis para caso, já que a razão determinante para se indeferir a concessão do benefício foi a constatação de que a autora não provou nos autos "o seu efetivo labor rural no período imediatamente anterior à data do requerimento" (fl. 65 v.), considerando que "as testemunhas ouvidas em Juízo não foram convincentes no sentido de confirmar a atividade rural alegada pela autora na sua inicial" (fl. 65 v.), isto é, não teriam corroborado o início de prova material até então apresentado, este consistente em: I) Certidão de Casamento (fl. 33), datada de 1968, em que o marido de RAILDA aparece qualificado como lavrador; e II) Carteira de Filiação de EPAMINONDAS (marido) ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Guaraçaí, datada de 14.09.1997 (fl. 34).
Com efeito, não caberia, nesse momento, examinar se houve ou não acerto dos julgadores primitivos ou se a tese adotada foi a mais adequada. O fato é que a desconstituição de decisão coberta pela coisa julgada, que consubstancia garantia fundamental, requer a presença de alguma das estritas hipóteses permissivas de rescisão e, in casu, não se poderia afirmar ter havido erro de fato, visto que, em momento algum, se admitiu como verdadeiro fato inexistente nem se considerou inexistente fato efetivamente ocorrido.
Dito isto, passo a tecer considerações quanto ao pleito de desconstituição do julgado com fulcro no art. 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Não ignoro que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve ampliação das hipóteses de cabimento da ação rescisória, tendo em vista a substituição da expressão "documento novo" pela expressão "prova nova", conforme o disposto no art. 966, VII, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, VII, do CPC de 1973), in verbis:
Com efeito, não obstante a "prova nova" continue sendo aquela cuja existência a parte ignorava ou de que não podia fazer uso, "capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável", o fato é que, a partir dessa mudança legislativa, as hipóteses de rescindibilidade restaram ampliadas, considerando que poderá haver propositura de ação rescisória também nas hipóteses em que, posteriormente ao trânsito em julgado, a parte obtiver "prova nova", inclusive testemunhal, por exemplo, bem como tendo em vista que o termo inicial do prazo de dois anos será a data de descoberta da "prova nova", observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos (inteligência do art. 975, §2º, do CPC).
De qualquer sorte, conforme já se asseverou, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá, no que diz respeito aos pressupostos de admissibilidade e de rescindibilidade, ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), de modo que, no caso em questão, o que se analisará é se a parte autora apresentou "documento novo" apto a justificar a rescisão do aludido julgado, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973, que estava assim redigido:
A análise do dispositivo em tela permite concluir que documento novo é aquele que já existia ao tempo da ação originária, cuja existência se ignorava ou de que não se pôde fazer uso. Em regra, é necessário que a invocação desse dispositivo requeira a demonstração do desconhecimento da existência do documento novo à época do ajuizamento da ação subjacente ou que seja apresentado motivo relevante, que justifique o porquê da sua não juntada naquela oportunidade.
Todavia, a jurisprudência admite o abrandamento do rigor legal quando se cuidar de trabalhador(a) rural. Trata-se da aplicação do princípio pro misero, em razão do reconhecimento judicial das peculiaridades da vida no campo. Nesse sentido, assim se pronunciou a Juíza Federal Convocada Márcia Hoffmann, quando do julgamento da AR 2008.03.00.003584-9/SP, cuja ementa foi publicada no Diário Oficial em 15/3/2011:
Cumpre considerar que o dito "documento novo" é, em verdade, "documento velho", pois este já deve existir ao tempo do ajuizamento da ação primitiva. Na dicção do CPC de 1973, documento novo não é aquele constituído posteriormente. O adjetivo "novo" se refere, apenas, ao fato deste não ter sido utilizado, mas não à ocasião em que veio a se formar.
Além disso, somente é permitido que se traga documento novo para provar um fato já alegado anteriormente, mas não para arrimar um novo fato, pois, nesse caso, haveria a inserção de fato superveniente que não foi discutido na ação primitiva.
Nos termos do disposto no artigo 485, inciso VII, do CPC de 1973, faz-se necessário, também, que o documento considerado novo possua tamanha força probante que, se já se encontrasse na ação subjacente, teria sido capaz de assegurar pronunciamento favorável à pretensão da parte autora. Em outras palavras, o documento novo deve ser suficiente para alterar o julgamento da decisão rescindenda, sob a ótica da tese jurídica por ela adotada. Pontes de Miranda leciona que "o documento que se obteve, sem que dele tivesse notícia ou não tivesse podido usar o autor da ação rescisória, que foi vencido na ação em que se proferiu a sentença rescindenda, tem de ser bastante para que se julgasse procedente a ação. Ser bastante, aí, é ser necessário, mas não é exigir-se que só ele bastasse, excluído outro ou excluídos outros que foram apresentados. O que se exige é que sozinho ou ao lado de outros, que constaram dos autos seja suficiente" (Tratado da Ação rescisória, 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2003, p. 329).
Na presente ação rescisória, a parte autora apresentou os seguintes documentos reputados como novos:
I)"Carteira de Trabalho" do marido (EPAMINONDAS), em que constam anotações de vínculos empregatícios com estabelecimentos rurais em diversos períodos compreendidos entre 1986 e 2006 (fls. 03 e 72/76);
II)"Contrato de Cessão de Posse e Promessa de Compra e Venda de Imóvel com o CDHU, datado de 25 de setembro de 2002, no qual consta a qualificação do seu esposo como trabalhador rural" (fls. 03 e 89/90);
III)"Ficha da Secretaria Estadual da Saúde do Município de Guaraçaí onde consta que a requerente foi matriculada como lavradora em 11/06/1990" (fls. 03 e 70);
IV)"Ementa deste Egrégio Tribunal proferida em 08 de junho de 2008 que reconhece a condição de rurícola de Epaminondas Ferreira Lima, esposo da requerente" (fls. 03 e 78/87).
Considero que tais documentos, em especial a cópia da CTPS do marido da autora e a "Ficha da Secretaria Estadual da Saúde do Município de Guaraçaí" (fls. 03 e 70), se mostram aptos a modificar conclusão a que chegaram os julgadores primitivos, conforme passarei a expor.
Na ocasião em que demanda subjacente foi ajuizada, a autora apresentou os seguintes documentos: I)Certidão de Casamento (fl. 33), datada de 1968, em que o marido de RAILDA aparece qualificado como lavrador; II) Carteira de Filiação de EPAMINONDAS (marido) ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Guaraçaí, datada de 24.09.1997 (fl. 34). Além, disso, em 18.07.2006, foram ouvidas duas testemunhas, as quais afirmaram conhecer a autora há 15 (quinze) e 20 (vinte) anos, respectivamente, que ela sempre foi trabalhadora rural e que já trabalharam com RAILDA na fazenda do senhor Tanaka. Aduziram, ainda, que ela continuava trabalhando como rurícola naquela data, pois viam "a requerente pegar caminhão para ir trabalhar na roça" (fls. 40/41).
Pois bem.
Da leitura do acórdão rescindendo (fls. 64/66), extrai-se que uma das razões para se decidir pela improcedência do pedido foi a constatação de que "as testemunhas ouvidas em Juízo não foram convincentes no sentido de confirmar a atividade rural alegada pela autora na sua inicial" (fl. 65 v.), isto é, não corroboraram o início de prova material apresentado. Observa-se, inclusive, que nenhuma das testemunhas conhecia RAILDA antes de 1986, de modo que seus depoimentos sequer poderiam ter corroborado a Certidão de Casamento apresentada (lavrada em 1968). Considerou-se que, "se a parte autora, desde a sua mais tenra idade até os dias atuais, sempre trabalhou nas lides rurais, consoante alegado na exordial, seria razoável que tivesse documentos em nome próprio e mais recentes informando a condição de rurícola" (fl. 65 v.). Assim, os julgadores primitivos foram coerentes com a tese jurídica que adotaram ao considerarem que, não obstante as alegações das testemunhas, a autora não apresentou início de prova material suficiente, vale dizer, não apresentou documentos em nome próprio que indicassem ter ela trabalhado como rurícola, ou mesmo prova documental em nome do marido, corroborada por testemunhas, que fosse suficientemente robusta.
Ocorre, contudo, que a cópia da CTPS do marido da autora ora apresentada, em que constam anotações de vínculos com estabelecimentos agrícolas de 01.1986 a 03.1989, 04.1989 a 09.1989, 02.1990 a 04.1992, 09.1992 a 12.1992, 02.1993 a 03.1993, 05.1993 a 08.1994, 12.1998 a 09.1999 e de 03.2001 a 08.2006 (fls. 72/76), revela que EPAMINONDAS FERREIRA LIMA efetivamente trabalhou, como empregado rural, em diversas propriedades, ao longo de toda a sua vida, o que indica a verossimilhança da versão, contada pela autora na exordial dos autos subjacentes, de que ela sempre trabalhou na zona rural, ao lado de seu marido, "na condição de bóia-fria" (fl. 25). Inclusive, alguns dos nomes de ex-patrões mencionados pela autora à fl. 25, tais como os dos senhores Antonio Suttini, Joaquim Onodera e Nelson Tanaka, coincidem com aqueles que constam da CTPS de seu marido (fls. 72/76). Tal fato, aliado ao de que ambas as testemunhas afirmaram ter trabalhado com RAILDA na fazenda do senhor Tanaka (fls. 40/41), pessoa que empregou o marido dela entre 2001 e 2006 (fl. 76), contribui para que, in casu, se admita a possibilidade de extensão da qualidade de rurícola de Epaminondas (marido) à autora (esposa).
O INSS aduziu que "o exercício de atividade rural na condição de empregado não faz pressupor o trabalho mútuo indispensável à subsistência e ao desenvolvimento econômico do grupo familiar" (fl. 106), de modo que, em se afastando o "desempenho de atividade rural em regime de economia familiar" (fl. 106), não seria possível estender à autora a qualificação de empregado rural de seu marido (fl. 106).
Todavia, reputo que a condição de empregado rural desfrutada pelo marido de RAILDA apenas reforça a versão de que ela, pessoa analfabeta, ou seja, com baixíssimo grau de instrução, também desenvolvia labor campesino nas propriedades rurais que contratavam seu marido, a fim de contribuir para a subsistência da família, porém sem registro em Carteira de Trabalho, isto é, "na condição de bóia-fria" (fl. 25), conforme tanto RAILDA quanto as testemunhas narraram.
Portanto, não haveria óbice a que a condição de rurícola do marido se estendesse à esposa (autora), até porque a jurisprudência é pacífica no sentido de que, em se tratando de trabalhador(a) rural "bóia-fria", a exigência de início de prova material para efeito de comprovação do exercício da atividade agrícola deve ser interpretada com temperamento, em razão da informalidade com que é exercida a profissão e a dificuldade de se comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições.
Em suma, tudo leva a crer que, se a cópia da CTPS de Epaminondas tivesse sido acostada aos autos subjacentes, esta teria sido considerada início de prova material suficientemente corroborado pelas testemunhas, isto é, teria sido capaz de assegurar pronunciamento favorável à pretensão da parte autora.
E mesmo que assim não fosse, a "Ficha da Secretaria Estadual da Saúde do Município de Guaraçaí" (fls. 03 e 70), em que a própria autora aparece qualificada como "lavradora" (fl. 70), já seria, por si só, suficiente para ensejar a rescisão do acórdão rescindendo.
É certo que, em princípio, Fichas de Identificação junto a Órgãos Municipais de Saúde não costumam ser admitidas como início razoável de prova material, por se tratarem, normalmente, de documentos apócrifos e que não apresentam qualquer cunho oficial a lhes conferir a credibilidade necessária para os efeitos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Nesse sentido, transcrevo as ementas de julgados proferidos pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça:
Contudo, o documento em questão (fl. 70) contém tanto a assinatura de quem realizou as anotações quanto o nome do funcionário que teria recepcionado a autora junto ao Centro de Saúde III de Guaraçaí em 1990, o que lhe atribui caráter oficial e o torna passível de ser admitido como início razoável de prova documental (em nome da autora).
Ante o exposto, julgo procedente o pedido de desconstituição do acórdão rescindendo, com fulcro no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Passo, pois, à análise do juízo rescisório.
A idade mínima necessária à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade restou comprovada, uma vez que a autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 24.01.2006 (fl. 32).
Desse modo, a teor da tabela prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/1991, deveria comprovar o exercício de atividade rural por 150 (cento e cinquenta) meses, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, nos termos do artigo 143 da lei acima mencionada.
Os documentos acostados aos autos subjacentes, vale dizer, I) Certidão de Casamento (fl. 33), datada de 1968, em que o marido de RAILDA aparece qualificado como lavrador; e II) Carteira de Filiação de EPAMINONDAS (marido) ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Guaraçaí, datada de 14.09.1997 (fl. 34); aliados aos documentos novos, estes consistentes em: I)"Carteira de Trabalho" do marido (EPAMINONDAS), em que constam anotações de vínculos empregatícios com estabelecimentos rurais em diversos períodos compreendidos entre 1986 e 2006 (fls. 03 e 72/76); II)"Contrato de Cessão de Posse e Promessa de Compra e Venda de Imóvel com o CDHU, datado de 25 de setembro de 2002, no qual consta a qualificação do seu esposo como trabalhador rural" (fls. 03 e 89/90); III)"Ficha da Secretaria Estadual da Saúde do Município de Guaraçaí onde consta que a requerente foi matriculada como lavradora em 11/06/1990" (fls. 03 e 70); e IV)"Ementa deste Egrégio Tribunal proferida em 08 de junho de 2008 que reconhece a condição de rurícola de Epaminondas Ferreira Lima, esposo da requerente" (fls. 03 e 78/87), constituem, em conjunto, o início de prova material necessário à concessão do benefício requerido.
Na petição inicial dos autos subjacentes, a autora narrou que trabalhou como "bóia-fria" (fl. 25), "sem registro em CTPS" (fl. 25), em "diversas culturas como : milho, algodão, feijão, arroz, café, laranja, amendoim, abacaxi, tomate" (fl. 25) em "diversos locais no Município de Guaraçaí como: Fazenda Fortaleza, Bairro Aguatemi, Bairro Formosa, Seção Dez, Bairro Pensamento, etc, e teve diversos patrões como: Antonio Suttini, Joaquim Onodera, Pacote, Korim, Luperini, João Dias, Fiumari, Tanaka, Stellutti, etc" (fl. 25).
Foram ouvidas duas testemunhas (fls. 40/41), as quais corroboraram o início de prova material apresentado. A testemunha JORGE RIBEIRO, ouvida em 18.07.2006, afirmou conhecer a autora há 15 (quinze) anos, que RAILDA sempre foi trabalhadora rural e que trabalhou com ela "na fazenda do Sr. Tanaka, em lavouras de abacaxi, tomate, laranja e feijão" (fl. 40), bem como alegou que, naquela data, a autora continuava trabalhando na roça. A testemunha JOSÉ GUILHERMINO DOS SANTOS, ouvida na mesma data, afirmou conhecer a autora há 20 (vinte) anos e que trabalhou com ela "nas propriedades do Sr. João Dias, José Sutini, Joaquim Nogueira, dentre outros" (fl. 41), bem como "na propriedade de Nelson Tanaka, na lavoura de abacaxi" (fl. 41) e que, naquela data, a autora continuava trabalhando na roça.
Portanto, conforme se pode extrair do conjunto probatório produzido, tudo leva a crer que a autora, ao menos desde meados da década de 1980, exercia atividade rural na condição de diarista/bóia-fria, isto é, em sítios ou fazendas cuja propriedade era de terceiros.
Atente-se que, in casu, nada obsta a extensão da qualidade de rurícola do marido à esposa, para efeitos de constituição de início de prova material, considerando que é recorrente que a esposa acumule as responsabilidades de dona de casa com o trabalho no campo e tendo em vista ser sabido que, em se tratando de trabalhadora rural "bóia-fria", o mais comum é que as relações de trabalho sejam regidas pela absoluta informalidade, sem qualquer registro nos órgãos oficiais, em decorrência de, normalmente, serem tais contratos de trabalho pactuados verbalmente.
Ao que tudo indica, o exercício de atividade rural, tanto pela autora quanto por seu marido, sempre foi indispensável à subsistência de ambos ao longo de suas vidas, de modo que, comprovados a idade mínima prevista em lei e o trabalho campesino pelo período equivalente à carência, é de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por idade à trabalhadora rural.
DISPOSITIVO.
A aposentadoria deve ser fixada no valor de um salário mínimo mensal, a teor do disposto no artigo 143 da Lei n.º 8.213/1991.
O termo inicial do benefício fica fixado a partir da data de citação nesta ação rescisória, porquanto o v. acórdão rescindendo foi desconstituído com base na presença de documento novo.
Os juros de mora e a correção monetária deverão ser calculados na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, sem prejuízo da aplicação da legislação superveniente, observando-se, ainda, quanto à correção monetária, o disposto na Lei n.º 11.960/2009, consoante a Repercussão Geral reconhecida no RE n.º 870.947, em 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux.
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a presente decisão.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Mirandópolis-SP, oficie-se àquele Juízo dando-lhe ciência do inteiro teor deste acórdão.
Determino, desde já, a expedição de ofício ao INSS, instruído com cópia da petição inicial, dos documentos de identificação da parte autora, da procuração e da íntegra deste acórdão, a fim de que, naquele âmbito, sejam adotadas as providências necessárias à imediata implantação do benefício, nos termos da disposição contida no caput do art. 497 do CPC, o qual encontra correspondência no artigo 461 do CPC de 1973. O aludido ofício poderá ser substituído por email, na forma disciplinada por esta Corte.
Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, a fim de desconstituir o acórdão rescindendo, com fulcro no art. 485, inc. VII, do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, VII, do CPC) e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade formulado na demanda subjacente.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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