
| D.E. Publicado em 13/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora nesta ação rescisória, a fim de desconstituir o v. acórdão com fulcro no art. 485, VII, do CPC de 1973 e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0017483-96.2015.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória ajuizada por MARIA ODETE SOARES em face do INSS visando rescindir o v. acórdão (fls. 116/121 e 136/138) proferido pela E. Nona Turma desta Corte que, nos autos n.º 2013.03.99.038516-8, negou provimento ao Agravo Legal da parte autora, afastando, assim, a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade a trabalhador(a) rural.
A ação rescisória foi ajuizada com fundamento em existência de documento novo e em erro de fato, nos termos do artigo 485, incisos VII e IX, respectivamente, do Código de Processo Civil de 1973.
A parte autora alegou, em síntese, que houve erro de fato, pois, no v. acórdão rescindendo, se considerou que a prova foi "exclusivamente testemunhal, quando, na verdade, existe nos autos farto início de prova material" (fl. 05). Afirmou que os julgadores admitiram fato que não existiu, já que os documentos anexados aos autos subjacentes, os quais teriam sido corroborados pelos depoimentos das testemunhas, constituem prova material robusta "da alegada atividade rural exercida pela autora até os dias atuais" (fl. 06). Aduziu, por fim, que o julgado deveria ser rescindido em face dos seguintes documentos novos: 1) "Certidão de Casamento (...), núpcias realizadas em 29/03/2011, constando a profissão do marido da autora como lavrador e a profissão da requerente como trabalhadora rural"; 2) "Certidão de Nascimento (...) de Reginaldo Benedito Soares (...), nascido em 14/03/1978, onde consta a profissão do marido da requerente como lavrador"; 3) "Certidão de Nascimento (...) de Rafael Augusto Soares (...), nascido em 06/08/1979, onde consta a profissão do marido da requerente como lavrador";4) "Certidão de Nascimento (...) de Claudineia Aparecida Soares (...), nascida em 05/09/1980, onde consta a profissão do marido da requerente como lavrador"; 5) CTPS (...) do atual esposo da requerente (...), sem registros empregatícios"; 6) "Instrumento Particular de Permuta de Imóveis e outras avenças (...), anuente a requerente Maria Odete de Oliveira, onde consta sua profissão como rurícola (...); 7) "Papel timbrado pelo Cartório do Registro Civil (...)", em que consta que a profissão do segundo marido da autora (José Aparecido de Oliveira) é a de "lavrador" ; 8) "Título de Eleitor em nome do esposo da requerente José Aparecido de Oliveira (...), profissão lavrador, emitido em 24/10/1983"; 9) "Certificado de Alistamento Militar (...) em nome do marido da requerente José Aparecido de Oliveira, profissão trabalhador rural (...), datado de 07/06/1988"; 10) "Comprovante de Residência (...) em nome do marido da requerente José Aparecido de Oliveira, onde consta o seu endereço na Chácara Melissa e Emanoelle (...)" (fls. 09/10).
Requer, assim, a rescisão do v. acórdão objurgado e, em novo julgamento da ação subjacente, a procedência do pedido de concessão de aposentadoria rural por idade.
A ação rescisória foi ajuizada em 31.07.2015 (fl. 02), tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 9.456,00 (fl. 12).
A inicial veio instruída com os documentos acostados às fls. 14/255.
Foi deferido à parte autora o benefício da assistência judiciária gratuita (fl. 261).
A parte ré foi regularmente citada (fl. 264) e apresentou contestação às fls. 265/278. Alegou, em síntese, "inexistência de erro de fato" (fl. 267), pois "a decisão que se pretende ver rescindida, analisando o conjunto probatório produzido, entendeu que não foi demonstrado, tanto por meio testemunhal quanto por prova material, o exercício de atividade rural no período pretendido" (fl. 271). Aduziu que "o julgado rescindendo não somente se manifestou acerca de todas as provas produzidas, mas fez uma lúcida análise de todo o conjunto probatório, concluindo pela improcedência do pedido" (fl. 273), de modo que o que se pretende é o "reexame do contexto fático-probatório produzido na lide subjacente - inviável em sede rescisória" (fl. 267). Por fim, alegou que "referidos documentos acostados à petição inicial da presente Ação Rescisória não podem ser considerados documentos novos" (fl. 277), pois "não há como se sustentar que a parte autora não tinha acesso a tais documentos" (fl. 276). Aduziu, ainda, que tais documentos não seriam capazes de alterar o resultado do julgado, "uma vez que são documentos meramente declarativos, unilaterais" (fl. 275).
Instadas a indicarem as provas que pretendiam produzir (fl. 280), a parte autora e o INSS manifestaram-se pela desnecessidade de produção de outras provas, bem como requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 281 e 282).
Em suas razões finais, a parte autora e o INSS reiteraram os termos da petição inicial e da contestação, respectivamente (fls. 285/292 e 294).
O Ministério Público Federal, em parecer acostado às fls. 296/297, manifestou-se pelo prosseguimento do feito sem a sua intervenção.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0017483-96.2015.4.03.0000/SP
VOTO
O Exmo. Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de ação rescisória ajuizada por MARIA ODETE SOARES com fundamento em existência de documento novo e em erro de fato, nos termos do artigo 485, incisos VII e IX, respectivamente, do Código de Processo Civil de 1973 (correspondentes aos incisos VII e VIII do art. 966 do CPC), visando rescindir o acórdão (fls. 116/121 e 136/138) por meio do qual se negou provimento ao Agravo Legal da parte autora, afastando, assim, a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade a trabalhador(a) rural.
Inicialmente, destaco que é sabido que o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.115/2015, entrou em vigor no dia 18/3/2016 e que, após o advento do CPC de 2015, houve a elaboração de enunciados administrativos, por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal. Dentre estes, destaca-se o enunciado nº. 2, in verbis:
Reputo que, no que concerne às ações rescisórias, o aludido enunciado pode ser aplicado por analogia, de modo que, quanto aos pressupostos de admissibilidade e condições da ação, estes devem ser analisados conforme as previsões do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que a presente ação rescisória foi ajuizada quando ainda vigia aquele diploma legal.
Válido, nesse passo, mencionar os ensinamentos do jurista Roberto Rosas: "No atinente à ação rescisória, buscar-se-ia um ponto necessário: o trânsito em julgado da sentença. É o premente norteador dos pressupostos para a ação rescisória. A lei fixadora desses requisitos regerá essa ação no prazo para sua propositura. Se a lei nova amplia os fundamentos para a rescisória ou os restringe, não se altera o direito subjetivo do autor da ação, ele é o mesmo do trânsito em julgado da sentença rescindenda. O CPC de 1973 ampliou os pressupostos de rescindibilidade, não se aplicando às sentenças trânsitas em julgado antes da sua vigência" (ROSAS, Roberto, Direito Processual Constitucional, São Paulo: ed. RT, 2ª ed., 1.997, p. 184).
Inclusive, os Tribunais pátrios têm entendido, recentemente, que, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), conforme se pode observar neste trecho extraído de voto proferido pelo E.TST - AgR-AR: 74025920135000000, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 17/05/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016:
Pois bem.
A presente ação rescisória foi ajuizada dentro do biênio decadencial previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, eis que o acórdão rescindendo transitou em julgado para a parte autora em 02.06.2015 (fl. 253) e a inicial foi protocolada em 31.07.2015 (fl. 02).
Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, passo à análise do juízo rescindente.
Esclareço que, não obstante o inciso V do art. 485 do CPC de 1973 tenha sido brevemente mencionado à fl. 02, o que se observa é que a presente ação rescisória foi ajuizada, apenas, com fundamento em existência de "documento novo" (art. 485, VII, do CPC de 1973) e "erro de fato" (art. 485, IX, do CPC de 1973), mas não em "violação a literal disposição de lei" (art. 485, V do CPC de 1973), uma vez que a petição inicial (fls. 02/13) não apresenta qualquer alegação a este respeito, de modo que a aludida menção ao inciso V do art. 485 do CPC de 1973 se revela completamente dissociada do conteúdo dos autos.
In casu, reputo que não restou configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso IX do art. 485 do CPC de 1973 (erro de fato), correspondente ao art. 966, VIII, do CPC.
Consigno que o artigo 485, inciso IX, do Código de Processo Civil de 1973 disciplinava que:
Sobre o tema, cumpre transcrever o seguinte excerto doutrinário:
Inclusive, a atual redação do art. 966, VIII, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, IX, do CPC de 1973) melhor se adequou à referida interpretação doutrinária, ao estabelecer que:
Em suma, tanto nos termos do que atualmente dispõe o art. 966, VIII, § 1º, do CPC, quanto do que dispunha o art. 485, IX e parágrafos, do CPC de 1973, o erro de fato, verificável do exame dos autos, ocorrerá quando o julgado admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo que, para seu reconhecimento, é necessário que não tenha havido qualquer controvérsia, tampouco pronunciamento judicial sobre o fato.
Pois bem.
Na ocasião em que propôs a demanda subjacente, a autora apresentou os seguintes documentos (fls. 38/54, correspondentes às fls. 13/29 dos autos subjacentes):
I)RG, CPF e Titulo Eleitoral da autora (fl. 38);
II)Certidão de Casamento, lavrada em 02.08.1976, em que consta a qualificação da autora como "do lar" e de seu primeiro marido (José Batista Soares) como "lavrador" (fl. 39);
III)Certidão de Nascimento de Reducino de Jesus Soares, nascido em 14.08.1990, registro feito em 25.10.1993, em que consta a qualificação do marido da autora como "lavrador" (fl. 40);
IV)Certidão de Nascimento de Maria Clara Aparecida Soares, nascida em 06.10.1991, registro feito em 09.11.1993, em que consta a qualificação do marido da autora como "lavrador" (fl. 41);
V)Certidão de Nascimento de Marciel Aparecido Soares, nascido em 16.03.1993, registro feito em 22.11.1993, em que consta a qualificação da autora como "do lar" e de seu marido como "lavrador" (fl. 42);
VI)Certidão de Óbito de José Batista Soares (primeiro marido da autora), falecido em 31.07.2001, em que ele aparece qualificado como prestador de "serviços gerais" (fl. 43);
VII)Cópia da CTPS da autora, em que não constam anotações de vínculos empregatícios (fls. 44/45), e da CTPS de seu primeiro marido (José Batista Soares), em que constam anotações trabalho no meio rural de 30.10.1982 e 13.03.1986, de 20.05.1986 a 13.03.1987, de 01.07.1993 a 08.03.1994 e de 01.02.1996 a 14.12.1996.
VIII)Certidão (fl. 53) e Ficha de Inscrição Eleitoral de José Batista Soares (primeiro marido da autora), datada de 03.03.1980, em que consta a qualificação de "lavrador" (fl. 51);
IX)Certidão de quitação eleitoral em nome de Maria Odete Soares, emitida em 03.01.2011, em que nada consta acerca de sua qualificação profissional (fl. 52);
X)Comprovante de Residência de Maria Odete Soares, datado de 12.04.2010 (fl. 54).
Em 26.06.2013, foram ouvidas duas testemunhas, as quais afirmaram, em síntese, conhecer a autora há 30 e 25 anos, respectivamente, e que e ela sempre trabalhou como rurícola.
A parte autora alegou que teria havido erro de fato, pois, no v. acórdão rescindendo, se considerou que a prova foi "exclusivamente testemunhal, quando, na verdade, existe nos autos farto início de prova material" (fl. 05).
Ocorre que da leitura do v. acórdão rescindendo (fls. fls. 116/121 e 136/138), extrai-se que a razão determinante para se decidir pela improcedência do pedido foi a constatação de que os documentos apresentados não eram "contemporâneos" (fl. 119 v.), isto é, não se mostraram "suficientes para comprovar o exercício da atividade rural pelo período de carência" (fl. 119 v.), considerando que "a partir do óbito do esposo em 31.07.2001, a autora deveria instruir os autos com documentos próprios para demonstrar a continuidade do trabalho rurícola, o que não ocorreu" (fl. 119). Isto levou os julgadores à conclusão de que MARIA ODETE SOARES não poderia fazer jus à concessão de aposentadoria rural por idade, tendo em vista que "a prova testemunhal, por si só, não se mostra suficiente para comprovar o exercício do trabalho pelo período de carência" (fl. 119 v.).
Observa-se, assim, que, no bojo dos autos subjacentes, adotou-se corrente jurisprudencial de acordo com a qual o(a) autor(a) não pode fazer jus ao benefício se a prova documental não se referir aos anos do período correspondente à carência, sendo, portanto, indispensável a apresentação de início de prova material recente, datado do "período imediatamente anterior" ao requerimento. Em momento algum, portanto, se admitiu como verdadeiro fato inexistente nem se considerou inexistente fato efetivamente ocorrido.
O que houve foi que, não obstante os documentos apresentados possibilitassem, em princípio, a extensão da qualidade de rurícola do marido à esposa, os julgadores primitivos entenderam por bem afastar tal possibilidade em relação ao período posterior ao óbito de José Batista Soares, em 31.07.2001 (fl. 43), considerando que nenhum dos documentos acostados aos autos subjacentes se revelou apto a comprovar que MARIA ODETE continuou trabalhando como rurícola depois do falecimento de seu primeiro marido (em 2001-fl. 43). Ao exigir prova documental referente ao período (de carência) imediatamente anterior ao ano em que a autora preencheu o requisito etário (o que ocorreu em 06.05.2011-fl. 38), o decisum agasalhou um dos possíveis sentidos da norma prevalecentes à época, não se havendo de falar, pois, em erro de fato.
A solução conferida pelo v. acórdão rescindendo em nada desbordou da razoabilidade. É descabido examinar se houve ou não acerto do(s) julgador(es) primitivo(s) ou se a tese adotada é a mais adequada. O fato é que a desconstituição de decisão coberta pela coisa julgada, que consubstancia garantia fundamental, requer a presença de alguma das estritas hipóteses permissivas de rescisão e, in casu, não se pode afirmar ter havido erro de fato.
Por fim, atente-se que, em já tendo havido pronunciamento judicial a respeito do fato apontado na inicial, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a pretensão da parte autora de rescindir a decisão objurgada é obstaculizada também pelo disposto no § 2º do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973.
Válida, neste passo, a transcrição dos seguintes julgados proferidos pela E. Terceira Seção desta Corte:
Ante o exposto, afasto qualquer possibilidade de rescisão do acórdão objurgado com fulcro no inciso IX do art. 485 do CPC de 1973.
Na sequência, analiso o pleito de desconstituição do julgado com fulcro no art. 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Não ignoro que, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, houve ampliação das hipóteses de cabimento da ação rescisória, tendo em vista a substituição da expressão "documento novo" pela expressão "prova nova", conforme o disposto no art. 966, VII, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, VII, do CPC de 1973), in verbis:
Com efeito, não obstante a "prova nova" continue sendo aquela cuja existência a parte ignorava ou de que não podia fazer uso, "capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável", o fato é que, a partir dessa mudança legislativa, as hipóteses de rescindibilidade restaram ampliadas, considerando que poderá haver propositura de ação rescisória também nas hipóteses em que, posteriormente ao trânsito em julgado, a parte obtiver "prova nova", inclusive testemunhal, por exemplo, bem como tendo em vista que o termo inicial do prazo de dois anos será a data de descoberta da "prova nova", observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos (inteligência do art. 975, §2º, do CPC).
De qualquer sorte, conforme já se asseverou, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá, no que diz respeito aos pressupostos de admissibilidade e de rescindibilidade, ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), de modo que, no caso em questão, o que se analisará é se a parte autora apresentou "documento novo" apto a justificar a rescisão do aludido julgado, nos termos do art. 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973, que estava assim redigido:
A análise do dispositivo em tela permite concluir que documento novo é aquele que já existia ao tempo da ação originária, cuja existência se ignorava ou de que não se pôde fazer uso. Em regra, é necessário que a invocação desse dispositivo requeira a demonstração do desconhecimento da existência do documento novo à época do ajuizamento da ação subjacente ou que seja apresentado motivo relevante, que justifique o porquê da sua não juntada naquela oportunidade.
Todavia, a jurisprudência admite o abrandamento do rigor legal quando se cuidar de trabalhador(a) rural. Trata-se da aplicação do princípio pro misero, em razão do reconhecimento judicial das peculiaridades da vida no campo. Nesse sentido, assim se pronunciou a Juíza Federal Convocada Márcia Hoffmann, quando do julgamento da AR 2008.03.00.003584-9/SP, cuja ementa foi publicada no Diário Oficial em 15/3/2011:
Cumpre considerar que o dito "documento novo" é, em verdade, "documento velho", pois este já deve existir ao tempo do ajuizamento da ação primitiva. Na dicção do CPC de 1973, documento novo não é aquele constituído posteriormente. O adjetivo "novo" se refere, apenas, ao fato deste não ter sido utilizado, mas não à ocasião em que veio a se formar.
Além disso, somente é permitido que se traga documento novo para provar um fato já alegado anteriormente, mas não para arrimar um novo fato, pois, nesse caso, haveria a inserção de fato superveniente que não foi discutido na ação primitiva.
Nos termos do disposto no artigo 485, inciso VII, do CPC de 1973, faz-se necessário, também, que o documento considerado novo possua tamanha força probante que, se já se encontrasse na ação subjacente, teria sido capaz de assegurar pronunciamento favorável à pretensão da parte autora. Em outras palavras, o documento novo deve ser suficiente para alterar o julgamento da decisão rescindenda, sob a ótica da tese jurídica por ela adotada. Pontes de Miranda leciona que "o documento que se obteve, sem que dele tivesse notícia ou não tivesse podido usar o autor da ação rescisória, que foi vencido na ação em que se proferiu a sentença rescindenda, tem de ser bastante para que se julgasse procedente a ação. Ser bastante, aí, é ser necessário, mas não é exigir-se que só ele bastasse, excluído outro ou excluídos outros que foram apresentados. O que se exige é que sozinho ou ao lado de outros, que constaram dos autos seja suficiente" (Tratado da Ação rescisória, 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2003, p. 329).
Pois bem.
No bojo da presente ação rescisória, a parte autora apresentou os seguintes documentos novos:
I)"Certidão de Casamento" da autora e José Aparecido de Oliveira (seu segundo marido), celebrado em 29.03.2011, em que ambos aparecem qualificados como trabalhadores rurais (fl. 16);
II)"Certidão de Nascimento" de Reginaldo Benedito Soares, nascido em 14.03.1978, em que a autora aparece qualificada como "do lar" e seu primeiro marido (José Batista Soares) aparece qualificado como "lavrador" (fl. 17);
III)"Certidão de Nascimento" de Rafael Augusto Soares, nascido em 06.08.1979, em que a autora aparece qualificada como "do lar" e seu primeiro marido (José Batista Soares) aparece qualificado como "lavrador" (fls. 18 v.);
IV)"Certidão de Nascimento" de Claudineia Aparecida Soares, nascida em 05.09.1980, em que o primeiro marido da autora (José Batista Soares) aparece qualificado como "lavrador" (fl. 19);
V)Cópia da CTPS de José Aparecido de Oliveira (segundo marido da autora), em que não constam anotações de vínculos empregatícios (fls. 20/21);
VI)Cópia de "Instrumento Particular de Permuta de Imóveis", datado de 23.03.2013, em que tanto a autora quanto seu segundo marido aparecem qualificados como rurícolas (fl. 22);
VII)Cópia de "procuração" outorgada por José Aparecido de Oliveira (segundo marido da autora), datada 17.12.2014, em que ele aparece qualificado como "lavrador" (fl. 23);
VIII)Ficha Cadastral de Eleitor, datada de 24.10.1983, em que consta a profissão de José Aparecido de Oliveira como sendo a de "lavrador" (fl. 24);
IX)Certificado de Alistamento Militar de José Aparecido de Oliveira, datado de 07.06.1988, em que ele aparece qualificado como "trabalhador rural" (fl. 25);
X)Comprovante de Residência na Chácara Melissa e Emanoelle em nome de José Aparecido de Oliveira, datado de 29.09.2014 (fl. 26).
Considero que ao menos um destes documentos, vale dizer, a Certidão de Casamento da autora e José Aparecido de Oliveira (seu segundo marido), celebrado em 29.03.2011, em que ambos aparecem qualificados como trabalhadores rurais (fl. 16), se revela apto a modificar a conclusão a que chegaram os julgadores primitivos.
Conforme já se expôs, a razão determinante para se indeferir a concessão do benefício foi a constatação de que, não obstante os documentos apresentados possibilitassem, em princípio, a extensão, à autora, da qualidade de rurícola de seu primeiro marido, nenhum desses documentos se revelou apto a comprovar que MARIA ODETE continuou trabalhando como rurícola depois do falecimento de José Batista Soares (em 2001-fl. 43). Constou do v. acórdão rescindendo que: "a partir do óbito do esposo em 31.07.2001, a autora deveria instruir os autos com documentos próprios para demonstrar a continuidade do trabalho rurícola, o que não ocorreu" (fl. 119).
Ora, se a razão para se decidir pela improcedência do pedido foi a ausência de qualquer documento que se referisse ao período compreendido entre 31.07.2001 (data do óbito do primeiro marido da autora-fl. 43) e 06.05.2011 (data em que MARIA ODETE preencheu o requisito etário-fl. 38), não poderia ser outra a conclusão senão a de que a Certidão do segundo casamento da autora (fl. 16), celebrado em 29.03.2011, na qual ela aparece qualificada como "trabalhadora rural" (fl. 16), constitui documento que, se tivesse sido acostado aos autos subjacentes, configuraria início de prova material apto a ser corroborado pelas testemunhas, isto é, que teria sido capaz de assegurar pronunciamento favorável à pretensão da parte autora.
Atente-se, inclusive, que, embora o documento em questão (Certidão de Casamento celebrado em 29.03.2011-fl. 16), seja relativamente recente, considerando que a autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 06.05.2011, é pacífico o entendimento do C. STJ no sentido de que pode ser reconhecido tempo de serviço rural anterior à data do documento apresentado, desde que isto esteja amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório (vide Súmula 577, STJ, Primeira Seção, Julgado em 22/06/2016, Dje 27/06/2016).
Ante o exposto, julgo procedente o pedido de desconstituição do acórdão rescindendo, com fulcro no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Passo, pois, à análise do juízo rescisório.
A idade mínima necessária à concessão do benefício de aposentadoria rural por idade restou comprovada, uma vez que a autora completou 55 (cinquenta e cinco) anos de idade em 06.05.2011 (fl. 38).
Desse modo, a teor da tabela prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/1991, deveria comprovar o exercício de atividade rural por 180 (cento e oitenta) meses, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, nos termos do artigo 143 da lei acima mencionada.
É relevante salientar, ainda, que o parágrafo único do artigo 3º da Lei n.º 11.718/2008 permitiu a extensão da comprovação da carência, na forma do artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, para o trabalhador rural classificado como contribuinte individual, desde que comprove a prestação de serviço de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas sem relação de emprego. Assim, no caso dos trabalhadores boias-frias, para fins de concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, a atividade desenvolvida até 31 de dezembro de 2010 poderá ser contada para efeito de carência se comprovada na forma do artigo 143 da Lei n.º 8.213/1991.
Na petição inicial da demanda subjacente, MARIA ODETE SOARES narrou que "iniciou a atividade rural desde criança" (fl. 28), juntamente com seus pais e que, a partir de 02.08.1976, data em que se casou com José Batista Soares, mudou-se para a Chácara Santa Rita, onde continuou trabalhando como rurícola, sendo que, "logo após, passou a morar na cidade de Itaberá e trabalhar como bóia-fria, volante" (fl. 28), em diversas propriedades rurais, atividade que continuou desempenhando até aquele momento (maio de 2011), "por ser este seu meio de sobrevivência" (fl. 28).
Reputo que os documentos acostados, em especial a Certidão de Casamento da autora e José Aparecido de Oliveira (seu segundo marido), celebrado em 29.03.2011, em que ela aparece qualificada como "trabalhadora rural" (fl. 16), e as Certidões de Nascimento de três dos filhos de MARIA ODETE e José Batista Soares, nascidos em 1990, 1991 e 1993 (fls. 40/42), nas quais o primeiro marido da autora aparece qualificado como lavrador, constituem, em conjunto, o início de prova material necessário à concessão do benefício requerido.
Além disso, os depoimentos das duas testemunhas, ouvidas em 23.06.2013, se mostraram bem circunstanciados, revelando-se aptos a corroborar o início de prova material apresentado.
A testemunha Maria Benedita de Carvalho alegou conhecer a autora há aproximadamente 30 anos, isto é, desde 1983, pois ambas foram vizinhas e trabalharam juntas na roça. Afirmou que a autora sempre trabalhou no campo, nunca na cidade, que prestou serviços como bóia-fria em diversas fazendas e que os "gatos" que a levavam eram "Bastiaozinho, Pereira, Cidão, Pedro Soeira e Luis Soeira" (fl. 73). Aduziu que tanto o primeiro quanto o segundo marido da autora eram bóias-frias e que, naquela data, ela estaria trabalhando "na colheita de laranja, na Batistella" (fl. 73).
A testemunha José Sebastião de Lima alegou conhecer a autora há aproximadamente 25 anos, isto é, desde 1988, pois são vizinhos e a filha dele trabalhou juntamente com a autora na roça. Afirmou que a autora sempre trabalhou no campo, nunca na cidade, que prestou serviços como bóia-fria em diversas fazendas e que os "gatos" que a levavam eram "Mandi, Pereira, Mauro, Antonio, Luis Soeira, Bastianzinho" (fl. 74). Aduziu que tanto o primeiro quanto o segundo marido da autora eram bóias-frias, que ela havia se casado novamente há aproximadamente 1 ano e meio e que, naquela data, ela estaria trabalhando "na colheita de laranja, na Batistella" (fl. 74), "sendo levada pelo gato Joel" (fl. 74).
Assim, do conjunto probatório produzido extrai-se que a autora, ao menos desde 1983 (data alcançada pela testemunha que há mais tempo conhecia MARIA ODETE), exercia atividade rural na condição de diarista, isto é, em sítios ou fazendas cuja propriedade era de terceiros, situação que, ao que tudo indica, perdurou até 06.11.2011 (data em que ela completou 55 anos de idade). Reputo, pois, existir nos autos prova suficiente de exercício de trabalho rural pelos 180 (cento e oitenta) meses necessários ao cumprimento da carência.
É sabido que, em se tratando de trabalhadora rural "bóia-fria", é muito comum que as relações de trabalho sejam regidas pela absoluta informalidade, sem qualquer registro nos órgãos oficiais, em decorrência de, normalmente, serem tais contratos de trabalho pactuados verbalmente. In casu, tudo leva a crer o exercício de atividade rural sempre foi indispensável à subsistência da autora ao longo de sua vida, até porque não consta do CNIS qualquer registro de natureza urbana, tanto em nome dela quanto de nenhum de seus maridos.
Comprovados a idade mínima prevista em lei e o trabalho campesino pelo período equivalente à carência, é de rigor a concessão do benefício de aposentadoria por idade à trabalhadora rural.
DISPOSITIVO.
A aposentadoria deve ser fixada no valor de um salário mínimo mensal, a teor do disposto no artigo 143 da Lei n.º 8.213/1991.
O termo inicial do benefício fica fixado a partir da data de citação nesta ação rescisória, porquanto o v. acórdão rescindendo foi desconstituído com base na presença de documento novo.
Os juros de mora e a correção monetária deverão ser calculados na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, sem prejuízo da aplicação da legislação superveniente, observando-se, ainda, quanto à correção monetária, o disposto na Lei n.º 11.960/2009, consoante a Repercussão Geral reconhecida no RE n.º 870.947, em 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux.
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a presente decisão.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Itaberá-SP, oficie-se àquele Juízo dando-lhe ciência do inteiro teor deste acórdão.
Determino, desde já, a expedição de ofício ao INSS, instruído com cópia da petição inicial, dos documentos de identificação da parte autora, da procuração e da íntegra deste acórdão, a fim de que, naquele âmbito, sejam adotadas as providências necessárias à imediata implantação do benefício, nos termos da disposição contida no caput do art. 497 do CPC, o qual encontra correspondência no artigo 461 do CPC de 1973. O aludido ofício poderá ser substituído por email, na forma disciplinada por esta Corte.
Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, a fim de desconstituir o acórdão rescindendo, com fulcro no art. 485, inc. VII, do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, VII, do CPC) e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria rural por idade formulado na demanda subjacente.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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