
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5011004-89.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: MARCOS CUCONATO DA SILVA
Advogado do(a) AUTOR: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5011004-89.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: MARCOS CUCONATO DA SILVA
Advogado do(a) AUTOR: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN (Relator). Trata-se de ação rescisória ajuizada em 18.05.21 por MARCOS CUCONATO DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, com fulcro nos incisos V e VII, do art. 966, do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição do acórdão prolatado na ação n. 0001206-80.2015.4.03.6183, que tramitou perante a 10ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo, com trânsito em julgado em 17.05.19 e que, em suma, deixou de reconhecer labor especial e conceder aposentadoria especial. Atribuída à causa o valor de R$ 150.000,00.
A parte autora requer a desconstituição do julgado, na parte em que não reconheceu a especialidade do labor por exposição a agente perigoso em auto posto, diante da manifesta violação da norma inserta nos inc. XXXV e LX, do art. 5º, da CF e na tese fixada no tema 995, do STJ e da existência de prova nova, consubstanciada em recibos de pagamento que teve acesso na ação trabalhista das competências de janeiro/1997, novembro/1996, janeiro/1996, setembro/1995, janeiro/1995, agosto/1994, janeiro/1994, novembro/1993, janeiro/1993, fevereiro/1992, outubro/1992, fevereiro/1991, novembro/1991, dezembro/1990, maio/1990, dezembro/1989, outubro/1989, bem como PPRAs relativamente aos anos de 2009/2010 e 2015/2016.
Em novo julgamento, pede o reconhecimento da especialidade do labor dos lapsos de 07/10/1988 a 19/09/1995 e 02/01/1996 a 09/06/2014 e a condenação do INSS a conceder-lhe o benefício de aposentadoria especial desde o requerimento administrativo em 09.06.14 ou com reafirmação da DER. Pede a concessão da gratuidade da justiça.
Ainda, aduz que, considerando os termos da Lei 14010/2020 que suspendeu os prazos em decorrência da pandemia da Covid 19, no interregno de 10/06/2020 à 30/10/2020, o prazo bienal está por vencer no dia 07/10/2021, e não, s.m.j. em 17/05/2021.
Em decisão inicial foi concedida a gratuidade da justiça, dispensado o depósito previsto no inc. II, do art. 968, do CPC e determinada a citação.
Em contestação, o INSS requereu a extinção do feito, com julgamento do mérito, em face do decurso do prazo decadencial; ou a extinção do feito, sem julgamento de mérito, tendo em vista a ausência de interesse processual, quer em razão do caráter recursal da demanda, quer em razão da ausência de prévio requerimento administrativo ou em face da ausência de pressuposto de constituição e validade da relação processual, à míngua de procuração com poderes específicos e porque já houve o reconhecimento da especialidade das funções exercidas nos períodos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 02.01.96 a 05.03.97; requereu, ainda, a improcedência do pedido, em razão da incidência da Súmula 343, do STF, à míngua de violação de norma jurídica, de prova nova e de comprovação da especialidade do labor no interregno de 06.3.97 a 9.6.14. Caso reafirmada a DER, requereu a fixação de juros de mora somente após 45 dias da intimação para implantação do benefício (ID-186491490).
Após a réplica, foi indeferido o pedido do autor de produção de prova pericial e testemunhal, abrindo-se vista para alegações finais, oportunidade em que o autor reiterou os termos da inicial e o INSS deixou de se manifestar (ID-252732042).
O MPF pugnou pelo regular processamento e julgamento do feito, sem apresentar parecer, à míngua de interesse a justificar sua intervenção (ID-261872698).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
KS
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5011004-89.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
AUTOR: MARCOS CUCONATO DA SILVA
Advogado do(a) AUTOR: DANIELA BATISTA PEZZUOL - SP257613-A
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL GILBERTO JORDAN (Relator). Trata-se de ação rescisória ajuizada em 18.05.21 por MARCOS CUCONATO DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, com fulcro nos incisos V e VII, do art. 966, do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição do acórdão prolatado na ação n. 0001206-80.2015.4.03.6183, que tramitou perante a 10ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo, com trânsito em julgado em 17.05.19 e que, em suma, deixou de reconhecer labor especial e conceder aposentadoria especial.
ADMISSIBILIDADE
Competente esta Eg. Corte para o processamento e julgamento da ação, partes legítimas e bem representadas.
CAPACIDADE POSTULATÓRIA.
PRESENÇA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE.
Com o Código de Processo Civil de 2015 a capacidade postulatória passou a ser pressuposto processual de validade, já que ato praticado por advogado sem procuração e sem ratificação pela parte, será ineficaz e não inexistente, a teor do disposto no art. 104, §2º, do CPC.
O Pleno do STF, em sessão de 18.08.10, já decidiu que para propor ação rescisória o advogado precisa de nova procuração, não podendo usar aquela passada para a ação original (ARs 2239 e 2236), em função do grande lapso de tempo decorrido entre o mandado para a ação subjacente e aquele em que ajuizada a rescisória.
A falta de capacidade processual é vício sanável e o juiz deve dar prazo para parte saná-lo, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito, conforme princípio da primazia do julgamento de mérito.
In casu, a ação subjacente foi ajuizada em 2015 e a procuração juntada naquela ocasião datava de 2015.
Nesta rescisória, a procuração juntada data de 19.5.21 e atende aos requisitos necessários ao reconhecimento de sua regularidade, uma vez que se trata de novo instrumento de mandato e engloba em seu bojo poderes suficientes ao ajuizamento da presente ação, pelo que fica rejeitada a preliminar de ausência de pressuposto processual levantada pelo INSS.
INTERESSE PROCESSUAL
O INSS alegou falta de interesse processual, uma vez que os documentos que se imputam novos não foram apresentados ao crivo da administração.
A ação subjacente fora ajuizada em 26.02.15 (ID-159829424), oportunidade em que, na forma do julgado no R.E. 631.240/MG, sob regime de Repercussão Geral, era necessário o prévio indeferimento de requerimento administrativo perante o INSS para o prosseguimento de ação de aposentação no regime geral.
Consta dos autos da ação subjacente requerimento administrativo para a concessão do benefício datado de 09.06.14, de modo que, na oportunidade em que movida a ação matriz, presente estava o interesse em agir, pois demonstrada a necessidade de ir a juízo.
Considerando que nesta ação se pretende a rescisão daquele julgado em função da existência de prova nova relativamente a período cujo pedido de enquadramento já fora submetido ao crivo do administrativo, não há que se falar em ausência de interesse processual, haja vista que a matéria de fato – pedido de enquadramento – já foi levada ao conhecimento da Administração.
As alegações de falta de interesse por inadequação da via eleita para rediscussão do quadro fático-probatório e controvérsia nos tribunais quanto ao enquadramento da função de frentista e de reafirmação da DER, confundem-se com o mérito e com ele serão analisadas.
De outro lado, a sentença reconheceu o labor especial de 07.10.88 a 19.09.95 e de 02.01.96 a 09.06.14 e, nesta Corte, proveu-se em parte, ao final, o apelo do INSS para afastar o labor especial em parte dos períodos, mantido o enquadramento como especial dos interregnos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 01.01.96 até 05.03.97.
Nesse contexto, de rigor a extinção do feito sem resolução de mérito quanto ao pedido de rescisão do julgado e novo julgamento para enquadramento como especial dos interregnos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 01.01.96 a 05.03.97, à míngua de interesse processual, pois o julgado rescindendo decidiu nos termos do quanto requerido na inicial da rescisória.
PRAZO DECADENCIAL - APLICAÇÃO DA LEI Nº 14.010/2020
No caso dos autos, a presente ação foi ajuizada em 18.05.21 e o trânsito em julgada na demanda subjacente ocorreu em 17.05.19.
Todavia, há que se aplicar o art. 3º, da lei 14010/20, que disciplinou sobre a suspensão de prazos de 10/06/20 a 30/10/20.
Para a regulação emergencial de relações jurídicas de direito privado em razão da pandemia do coronavírus (Covid-19), foi editada a Lei nº 14.010, publicada em 10 de junho de 2020, cujo art. 3º dispôs:
“Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).”
Já o art. 207, do Código Civil assim estabelece:
“Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”(g.n.)
Como se vê, o art. 207, do Código Civil, quanto à possibilidade ou não de suspensão ou interrupção dos prazos decadenciais, estabeleceu que, desde que haja previsão legal, é possível a suspensão da fluência do prazo decadencial, como ocorre no caso da suspensão da decadência para os absolutamente incapazes (art. 208, CC).
Do mesmo modo, o art. 3º, da Lei n. 14.010/20 é uma exceção legal à regra geral de que não se suspende e nem se interrompe a fluência do prazo decadencial, impondo o reconhecimento da suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais entre 10 de junho até 30 de outubro de 2020.
Sobre o tema, há publicação de Prof. Flávio Tartuce de Comentários à Lei da Pandemia (Lei 14.010/2020), de artigo de Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Elias de Oliveira:
“Dispõe o § 3º que as regras estabelecidas no artigo 3º (referentes ao impedimento ou suspensão do prazo prescricional) também se aplicam ao prazo decadencial, a exemplo daqueles previstos no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor (30 ou 90 dias) para se exercer o direito potestativo de se reclamar em Juízo. Trata-se, aqui, de uma exceção legal à regra geral (prevista no art. 207 do Código Civil) de implacabilidade da fluência do prazo decadencial.” (https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/859582362/comentarios-a-lei-da-pandemia-lei-14010-2020).
Ainda, confira-se julgado do E. TRT/6ª Região:
“AÇÃO RESCISÓRIA. SUSPENSÃO DO PRAZO DECADENCIAL. APLICABILIDADE DA LEI N.º 14.010/2020. DECISÃO RESCINDENDA SEM ENFRENTAMENTO DE MÉRITO. NÃO CABIMENTO. 1. De acordo com o artigo 3.º da Lei n.º 14.010, de 12/6/2020 (que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavírus), os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor daquela lei até 30 de outubro de 2020, e, ainda, por força do seu § 2.º, aplica-se aquele comando à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Por conseguinte, passando a vigorar aquele diploma legal no curso do prazo decadencial, não há óbice ao processamento da presente ação rescisória em relação a esse aspecto. 2. No entanto, revelando-se como remédio extremo - pois mitiga o valor da coisa julgada e relativiza o princípio da segurança jurídica -, a ação rescisória alcança, em regras, as decisões de mérito, e, de acordo com o que preconiza o artigo 966, § 2.º, do CPC, admite-se a possibilidade de rescisão da decisão que não seja de mérito nas hipóteses que impeça: "I - nova propositura da demanda; ou II - admissibilidade de recurso correspondente." E, no caso dos autos, poderia o autor ter ajuizado nova ação, corrigindo o defeito quanto à indicação do endereço da parte ré (CPC, art. 486, § 1.º), ou mesmo ter interposto recurso no momento oportuno (CLT, art. 895), mas ele permaneceu inerte, o que impede o conhecimento da presente ação rescisória, porque incabível. 3. Declarada a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos moldes do artigo 485, inciso IV, do CPC.” (g.n.) (Processo: AR - 0000863-65.2020.5.06.0000, Redator: Dione Nunes Furtado da Silva, Data de julgamento: 12/04/2021, Tribunal Pleno, Data da assinatura: 13/04/2021)
Não se desconhece a existência de uma corrente que entende ser o RJET - Regime Jurídico Emergencial e Transitório, aplicável somente nas relações de direito privado. Todavia, dada máxima vênia a entendimento diverso, como se sabe, os limites entre direito público e direito privado são sutis, e o nosso ordenamento não classifica as relações jurídicas em públicas e privadas, até porque inexiste definição legal de direito público e de direito privado.
Há quem, como Hans Kelsen, que defendia a inexistência dessa dicotomia com a tese de que todas as formas de produção jurídica se apoiam na vontade do Estado, inclusive os negócios jurídicos entre particulares, entendendo que todo Direito é público.
Por outro lado, há também uma corrente que considera o critério do titular da ação, que considera público o direito que o Estado pleiteia em juízo e privado o direito pleiteado pelo indivíduo.
E ainda, a teoria mista, que defende uma flexibilização entre os ramos de Direito Público e Privado, e a admissão do Direito Misto implica na supressão dessa dicotomia, uma vez que em todos os ramos do Direito Positivo há normas de um e de outro ramo.
Como se vê, não existe um consenso,
Destarte, o que o julgador deve buscar é o sentido e o alcance da norma, o que de fato o legislador teve a intenção de regular e quais direitos se pretendeu tutelar, e não restringir direitos. Pelo contrário, deve o julgador aplicar interpretação teleológica extensiva, a fim de atender o sentido da norma, nos exatos termos do disposto no artigo 5º, da LINDB, in verbis:
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Assim, em respeito ao princípio da igualdade, não deve o julgador restringir a proteção da lei, mormente quando se trata de tutelar direitos de pessoas que, em sua maioria, são hipossuficientes, razão pela qual há de se aplicar o princípio hermenêutico: Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde existirem as mesmas razões, devem ser proferidas as mesmas decisões).
No mesmo sentido, cita-se o julgado desta Eg. 3ª. Seção em feito da relatoria deste magistrado, que, à unanimidade, afastou a decadência em caso parelho, em função da aplicação da Lei nº 14.010/20:
“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA COM FUNDAMENTO NO INCISO V, DO ART. 966, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA DO TRF/3ª REGIÃO. PROCURAÇÕES REGULARES. INTERESSE PROCESSUAL. LEI 14.010/20. INOCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. PEDIDO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTA VIOLAÇÃO A NORMAS JURÍDICAS. PEDIDO DE RESCISÃO IMPROCEDENTE.
- Preliminar incompetência absoluta rejeitada, ao fundamento de que, conquanto haja decisão do C. STJ nos autos da ação subjacente, o objeto do pedido de rescisão, na verdade, é a desconstituição do entendimento proferido nesta instância ordinária, e não no julgado do STJ, que não adentrou no mérito da demanda rescisória, pelo que competente esta Eg. Corte para o julgamento do feito.
- As procurações coligidas aos autos atendem aos requisitos necessários ao reconhecimento de sua regularidade, uma vez que se tratam de novos instrumentos de mandato e englobam em seu bojo poderes suficientes ao ajuizamento da ação.
- A preliminar de falta de interesse processual confunde-se com o mérito e com ele será analisada.
- Com espeque no disposto no art. 3º da Lei n. 14.010/20, exceção legal à regra geral de que não se suspende e nem se interrompe a fluência do prazo decadencial - na forma do disposto no art. 207, do Código Civil - que impôs a suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais entre 10 de junho até 30 de outubro de 2020 em virtude da pandemia causada pelo coronavírus, ajuizada a presente rescisória em 29.09.20 e transitado em julgado o feito originário em 13.09.18, a ação é tempestiva.
(...)
- Pedido julgado improcedente.”(AR n. 5026925-25.2020.4.03.0000, j. 10/03/2022, v.u.).
Com efeito, afastada está a decadência para a presente ação rescisória.
Inexigível o depósito previsto no inciso II, do artigo 968, do Código de Processo Civil aos beneficiários da gratuidade da justiça e vencida a matéria preliminar, passa-se ao exame do mérito.
HIPÓTESES DE RESCINDIBILIDADE
O artigo 966, do Código de Processo Civil, prevê, de modo taxativo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória, conforme abaixo transcrito, in verbis:
“Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar manifestamente norma jurídica;
VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;
VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.
§ 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça:
I - nova propositura da demanda; ou
II - admissibilidade do recurso correspondente.
§ 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.
§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.”
As hipóteses acima listadas têm por escopo a correção de defeitos processuais e decisões desarrazoadas.
De se ressaltar que cada fundamento previsto no art. 966 do Código de Processo Civil corresponde a uma causa de pedir para o juízo rescindente, ao qual fica adstrito o Tribunal (arts. 141 e 492, do CPC), sendo certo que para o juízo rescisório, a causa de pedir deverá ser a mesma da ação originária.
JUÍZO RESCINDENTE E RESCISÓRIO
Para julgamento da ação rescisória, mister proceder o tribunal inicialmente ao juízo de admissibilidade da ação.
Ao depois, compete à Corte o juízo de mérito quanto ao pedido de rescisão do julgado, chamado de juízo rescindente ou iudicium rescindens.
Sendo o caso e havendo pedido de novo julgamento e desde que acolhido o pedido de rescisão do julgado, o tribunal procederá ao rejulgamento do feito por meio do juízo rescisório ou iudicium rescissorium.
Sobre o tema, confira-se o ensinamento de Fredie Didier Jr.:
"O exercício do juízo 'rescissorium', como se percebe, depende do prévio acolhimento do juízo 'rescindens'. O iudicium rescindens é preliminar ao iudicium rescissorium. Mas nem sempre há juízo rescisório, conforme visto. Por isso, o art. 968, I, CPC, prescreve que o autor cumulará o pedido de rejulgamento 'se for o caso'; Por isso, também, o art. 974 determina apenas se for o caso o tribunal procederá a novo julgamento, caso rescinda a decisão.
(...)
Desconstituída a decisão, com o acolhimento do pedido de rescisão, passa, se for o caso, o tribunal ao exame do juízo rescissorium, procedendo a um novo julgamento da causa, para julgar procedente ou improcedente o pedido formulado na causa originária e renovado na petição inicial da ação rescisória. "Percebe-se, então, que a vitória no juízo rescindente não é, em regra, garantia de vitória no juízo rescisório - e é por isso que o primeiro é preliminar ao segundo." (in: Curso de Direito Processual Civil, v.3, 13ª ed., 2016, p. 520).
MANIFESTA VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA
Para correção de error in procedendo ou in judicando ou decisão contra precedente obrigatório, a ação rescisória proposta com fundamento em violação de norma jurídica deve indicar a norma ou o precedente violado.
As decisões judiciais devem, por meio de interpretação teleológica, escorar-se no ordenamento jurídico e atender aos fins sociais, exigindo-se a devida fundamentação e observação dos precedentes jurisprudenciais sobre a matéria.
Conforme preleciona Fredie Didier "quando se diz que uma norma foi violada, o que se violou foi a interpretação dada à fonte do direito utilizada no caso." (op. cit., p. 492).
A expressão norma jurídica refere-se a princípios, à lei, à Constituição, a normas infralegais, a negócios jurídicos e precedentes judiciais.
O inciso V, do art. 966, do Código de Processo Civil prevê o cabimento de ação rescisória quando houver violação evidente, ou seja, demonstrada com prova pré-constituída juntada pelo autor, de norma jurídica geral, ou seja, lei em sentido amplo, processual ou material. A violação a normas jurídicas individuais não admite a ação rescisória, cabendo, eventualmente e antes do trânsito em julgado, reclamação.
Nesse sentido, é o comentário ao art. 485, do CPC/73 de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery citando Pontes de Miranda e Barbosa Moreira: "Lei aqui tem sentido amplo, seja de caráter material ou processual, em qualquer nível (federal, estadual, municipal e distrital), abrangendo a CF, MedProv., DLeg, etc". (Código de Processo Civil Comentado: legislação Extravagante, 10ª ed., 2008).
Com efeito, a interpretação dada pelo pronunciamento rescindendo deve ser desarrazoado de tal modo que viole a norma jurídica em sua literalidade. Contudo, se a decisão rescindenda eleger uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, não é caso de ação rescisória, sob pena de desvirtuar sua natureza, dando-lhe contorno de recurso. Nesse sentido, é a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. (Theotonio Negrão, in Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor, 41ª ed., nota 20 ao art. 485, V, CPC).
Ainda, quanto à rescisão do julgado com fundamento no inciso V, do art. 966, do CPC, ensina Fredie Didier Jr:
"Se a alegação de violação puder ser comprovada pela prova juntada aos autos com a petição inicial, cabe a ação rescisória com base no inciso V, do art. 966; se houver necessidade de dilação probatória, então essa rescisória é inadmissível. A manifesta violação a qualquer norma jurídica possibilita o ingresso da ação rescisória, com vistas a desconstituir a decisão transitada em julgado. A norma manifestamente violada pode ser uma regra ou um princípio.
Se a decisão rescindenda tiver conferido uma interpretação sem qualquer razoabilidade ao texto normativo, haverá manifesta violação à norma jurídica. Também há manifesta violação à norma jurídica quando se conferir uma interpretação incoerente e sem integridade com o ordenamento jurídico. Se a decisão tratou o caso de modo desigual a casos semelhantes, sem haver ou ser demonstrada qualquer distinção, haverá manifesta violação à norma jurídica. É preciso que a interpretação conferida pela decisão seja coerente. Já se viu que texto e norma não se confundem, mas o texto ou enunciado normativo tem uma importante função de servir de limite mínimo, a partir do qual se constrói a norma jurídica. Se a decisão atenta contra esse limite mínimo, sendo proferida contra legem, desatendendo o próprio texto, sem qualquer razoabilidade, haverá também 'manifesta violação' à norma jurídica." (g.n., op. cit., p. 495).
E ainda:
"Cabe ação rescisória, nos termos do inciso V do art. 966 do CPC, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão de julgamento de casos repetitivos, que não tenha considerado a existência e distinção entre questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento (art. 966, §5º, CPC). A regra aplica-se, por extensão, à decisão baseada em acórdão de assunção de competência, que também não tenha observado a existência de distinção.
Nesse caso, cabe ao autor da ação rescisória demostrar, sob pena de inépcia e consequente indeferimento da petição inicial, fundamentadamente, que se trata de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a exigir a adoção de outra solução jurídica (art. 966, §6º, CPC)."
SÚMULA N. 343, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O enunciado da Súmula em epígrafe encontra-se vazado nos seguintes termos: "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Sobre a incidência da Súmula, ensina Fredie Didier Jr. que "Enquanto se mantém a divergência sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o enunciado 343 do STF". (op. cit., p. 496).
Frise-se que não incide o enunciado da Súmula nº 343 do C. STF, quando a matéria objeto de rescisão tenha sido controvertida nos tribunais, todavia, quando da prolação da decisão rescindenda, já havia decisão sedimentada pelos tribunais superiores.
De outra parte, o STF, inicialmente, posicionou-se no sentido de que se a matéria ventilada em ação rescisória fosse circunspecta à ordem constitucional, seria de se afastar o impedimento à ação, conforme julgado de 2008. Confira-se:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343.
2. Inaplicabilidade da Súmula 343 em matéria constitucional, sob pena de infringência à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Precedente do Plenário. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR nº555806; 2ª Turma do STF; por unanimidade; Relator Ministro EROS GRAU; 01/04/2008)
Com o advento do julgamento do RE nº 590.809/RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio - DJe de 24/11/2014 - submetido ao rito do art. 543-B do CPC/73, a Suprema Corte esclareceu incidir a vedação da Súmula n. 343 que obsta a ação rescisória com fundamento em violação de norma jurídica quando a matéria era controvertida nos Tribunais à época do julgamento, excepcionados os casos submetidos a controle concentrado de constitucionalidade, como extrai do julgado abaixo:
“AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. O Direito possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não cabendo colar a sinonímia às expressões “ação rescisória” e “uniformização da jurisprudência”. AÇÃO RESCISÓRIA – VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DOSUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.”(RE 590809, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em22/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-230DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014)
E ainda, no âmbito do STJ, quanto à aplicação da Súmula 343, do STF, em matéria constitucional, assim já se decidiu:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 343 DO STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ.
I - Na origem, trata-se de ação rescisória pretendendo desconstituir o acórdão que rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa e reformou a sentença, no reexame necessário procedido de ofício, para julgar improcedentes os pedidos iniciais, prejudicadas as apelações.
No Tribunal a quo, a sentença foi mantida.
II - Sobre a alegada inviabilidade da aplicação da Súmula n. 343 do STF, quando a ação rescisória versar sobre violação da matéria constitucional, observa-se que o STF, no RE n. 590.809/RS, julgado em regime de repercussão geral, pacificou o entendimento no sentido de que não há impedimento para a aplicação da súmula quando inexiste controle concentrado de constitucionalidade e existem entendimentos diferentes sobre o alcance da norma. Nesse sentido: AR n. 5.601/MA, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 14/8/2019, DJe 19/8/2019 e AR n. 5.261/RS, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 23/10/2019, DJe 19/11/2019 .
III - Por outro lado, no tocante à aduzida impossibilidade de aplicação da Súmula n. 343 do STF em desfavor de divergência do mesmo Tribunal, verifica-se que esse tema não foi abordado no âmbito do acórdão recorrido, atraindo o comando da Súmula n. 282/STF, tendo em vista a ausência do necessário pré-questionamento.
IV - Por fim, observe-se que, para aferir a aplicabilidade da referida súmula, no tocante à divergência jurisprudencial do tema entelado, seria impositivo revisitar o conjunto probatório dos autos, ou mesmo efetivar dilação probatória, o que é inviável na estreita via do recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ.
V - Agravo interno improvido.”
(AgInt no AREsp 1457130/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/02/2022, DJe 16/02/2022)
Como se vê, houve alteração na orientação do C. STF, passando a ser aplicada a Súmula 343/STF para não se admitir ação rescisória por violação de norma jurídica, ainda que o dissenso jurisprudencial envolva controvérsia de cunho constitucional (RE representativo de controvérsia n. 590.809/RS, Marco Aurélio, Pleno, DJe 24/11/2014).
PROVA NOVA
A lei prevê como hipótese de rescisão de julgado a obtenção de prova nova, anteriormente existente, ou seja, produzida antes, mas acessível somente após o trânsito em julgado do feito originário, desde que tal prova refira-se a fatos controvertidos no feito originário e tenha o condão de, isoladamente, modificar o resultado do julgado rescindendo de modo favorável ao autor da rescisória.
Sobre o tema, é o escólio de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha:
"É por isso que o termo prova nova deve ser entendido como prova anteriormente existente, mas somente acessível após o trânsito em julgado. Como será visto adiante, o termo prova nova não se refere ao momento da formação da prova. Apenas se considera como prova nova aquela que o autor não tenha tido condições de produzir no processo originário por motivos alheios à sua vontade e à sua disponibilidade, seja porque a desconhecia, seja por não lhe ser acessível durante o processo originário. E caberá ao autora da ação rescisória comprovar tal impossibilidade de produção anterior da prova.
É preciso, enfim, manter o caráter excepcional da ação rescisória. O alargamento do cabimento na hipótese de prova nova não transforma o regime geral da coisa julgada em secundum eventum probationis. A coisa jugada continua a ser pro et contra. Não é qualquer prova nova que autoriza o manejo da ação rescisória.
(...)
Em suma, considera-se prova nova aquela que não pôde ser produzida no momento oportuno, mas que se destina a provar fatos anteriores ..." (g.n.)(op. cit., p. 501).
Como se verifica, com esteio nos princípios atuais da cooperação e da segurança jurídica, não é qualquer prova nova que possibilita a desconstituição da coisa julgada, conquanto não se restrinja mais à prova documental, como era a previsão do artigo 485, VII, do Código de Processo Civil de 1973.
Ainda, é dever do autor da ação rescisória comprovar o momento em que obteve a prova nova, conforme prelecionam os autores citados:
"Cumpre ao autor da ação rescisória demonstrar o momento em que obteve a prova nova ou momento em que se tornou possível produzi-la. O memento, enfim, da 'descoberta' da prova nova.
É que, nos termos do art. 966, VII, do CPC, a prova nova dever ser obtida 'posteriormente ao trânsito em julgado'. O momento da descoberta da prova nova deve ocorrer depois do trânsito em julgado. Se ainda era possível à parte produzir a prova no processo originário, e não o fez, não caberá a rescisória. Esta somente será cabível, se a prova foi obtida ou se tornou possível em momento a partir do qual não se permitia mais produzi-la no processo originário.
(...)
Caso fosse lícito a parte produzir a prova em qualquer momento do processo originário, e desde que ainda possível ao órgão jurisdicional levar em cota a prova antes da ocorrência do transito em julgado, não se admitirá a ação rescisória.
Já se percebe qual deve ser o momento da descoberta da prova: a partir do instante em que não se possa mais produzi-la ou a partir do momento em que não possa mais ser apreciada no processo originário.(...)Enfim, a parte, para valer-se da ação rescisória fundada em prova nova, deve demonstrar que não conhecida tal prova durante o processo originário ou, se a conhecida, a ela não teve acesso.
(...)
Não se permite seja a ação rescisória intentada, sem a indicação da prova nova e a demonstração do momento de sua descoberta ou da possibilidade de sua produção. Isso porque um dos requisitos da rescisória, nesse caso, é, como se viu, a comprovação de que o autor da rescisória só teve acesso à prova, 'posteriormente ao trânsito em julgado'. Ora, se ainda não teve acesso à prova, não lhe cabe, por enquanto, propor a ação rescisória. (g.n.) (op. cit, p. 503/505).
Por fim, O C. STJ em posicionamento de que, para ajuizamento da ação rescisória, não configura documento novo aquele que o autor deixou de colacionar ao feito subjacente por desídia ou negligência. (REsp 705.796/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJ 25/2/2008).
Todavia, o mesmo Tribunal, no caso específico de rurícola, dada suas condições culturais e desigualdades de vida e solução pro misero, posicionou-se no sentido de que ainda que do documento que se alega novo seja acessível e dele tenha conhecimento o autor, admite-se o ajuizamento da ação rescisória fundada em documento novo (AR 719/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Rel. p/ Acórdão Ministro FERNANDO GONÇALVES, AR 1135/SP, Min. Hamilton Carvalhido, AR 3921, Min. Sebastião Reis Júnior).
DO CASO DOS AUTOS
O segurado moveu esta ação rescisória com fundamento nos incisos V e VII, do artigo 966 do CPC, sob o argumento de violação manifesta de norma jurídica e de que, depois do trânsito em julgado, obteve prova nova, capaz, por si só, de assegurar-lhe pronunciamento favorável.
Na ação subjacente o segurado objetivava o reconhecimento de labor especial nos períodos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 02.01.96 a 09.06.14 e concessão de aposentadoria especial.
A sentença de 20.03.17 julgou procedente o pedido para reconhecer o labor especial nos períodos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 02.01.96 a 09.06.14, perfazendo o total de 25 anos, 4 meses e 22 dias de tempo especial e condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria especial desde a DER de 09.06.14 (ID-159829798, pág. 4).
Em decisão singular datada de 30.11.17, disponibilizada no diário eletrônico da Justiça Federal em 22.01.18, o eminente Juiz Federal Convocado Otavio Port deixou de conhecer da remessa oficial e deu parcial provimento ao apelo do INSS para excluir do cômputo do tempo especial os interregnos de 29.04.95 a 19.09.95 e de 01.01.96 a 09.06.14 e afastar a aposentação, revogando a antecipação dos efeitos da tutela concedida em sentença (ID-159829809, págs. 5-7).
Os embargos de declaração opostos pelo autor foram rejeitados monocraticamente.
O agravo interno do autor foi parcialmente provido, por unanimidade, em sessão da Eg. Nona Turma deste Tribunal em sessão de 26.09.18, para reconhecer a especialidade do labor por categoria profissional da função de frentista de 29.04.95 a 19.09.95 e de 01.01.96 até 05.03.97 e tempo comum até a citação, acrescendo ao tempo o interregno de 10.06.14 a 12.06.15, totalizando 32 anos, 3 meses e 20 dias (ID-159829823, pág. 7), mantido como tempo comum o lapso de 06.03.97 a 09.06.14.
Os embargos de declaração do INSS foram rejeitados e o decisum transitou em julgado em 17.05.19 (ID-159829828, pág. 6).
Antes da análise das provas, é preciso lembrar o caráter excepcional da ação rescisória de modo que é incabível o alargamento das hipóteses do cabimento desta ação.
A prova nova que enseja a rescisão do julgado é aquela existente antes do trânsito em julgado, mas que restou acessível somente após o trânsito e refira-se a fatos controversos, com força de, isoladamente, modificar o julgado, e que o autor não teve condições de produzir no processo originário por desconhecer sua existência ou ser-lhe inacessível.
O autor indica como prova nova recibos de pagamento e PPRAs relativos aos anos de 2009/2010 e 2015/2016.
Quanto ao período de 06.03.97 a 09.06.14, os recibos de pagamento que teve acesso na ação trabalhista referentes às competências de janeiro/1997, novembro/1996, janeiro/1996, setembro/1995, janeiro/1995, agosto/1994, janeiro/1994, novembro/1993, janeiro/1993, fevereiro/1992, outubro/1992, fevereiro/1991, novembro/1991, dezembro/1990, maio/1990, dezembro/1989, outubro/1989 (ID-159829092), indicados como prova nova, e que se referem ao pagamento de adicional de periculosidade ao autor, não têm o condão de comprovar sua exposição a agentes nocivos indicados nos decretos de regência, para fins previdenciários, pois diversos os fundamentos estabelecidos pela legislação trabalhista para a concessão do adicional mencionado.
Além disso, ainda que tais recibos fizessem prova da especialidade, todos são anteriores a 03.1997 e o período que se requer o reconhecimento da especialidade é posterior a 06.03.97.
Nessa linha, as cópias dos recibos de pagamento apresentados não permitem a inversão do julgado, não se caracterizando como prova nova para fins de rescisão.
Os PPRAs relativos aos anos de 2009/2010 e 2015/2016 (ID-159829092) também não consubstanciam prova nova para fins de rescisão, porque não há sequer menção ao motivo pelo qual o autor deixou de juntá-los na ação subjacente, ou o motivo do desconhecimento de sua existência.
Não há prova nos autos da impossibilidade de utilização dos PPRAs mencionados por motivos alheios à vontade do autor, sendo certo que a negligência na ação subjacente não autoriza a juntada do documento na rescisória.
Outrossim, assim como o documento acostado quando do ajuizamento da lide subjacente, os Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, referentes ao Auto Posto Tapera Grande Ltda, de 2009/2010 e 2015/2016, informam que o Autor exercia suas funções a céu aberto, com “acentuada dispersão molecular” reduzindo “muito os níveis de concentração ambiental, tornando dispensável a avaliação quantitativa e o uso de Respirador”, ensejando a conclusão de que a exposição não se dava de modo habitual e permanente, ao revés, consta da pág. 42, do arquivo ID-159829092 que o regime de trabalho era habitual/intermitente.
Ademais, uma vez que a r. decisão já apreciou a questão sob a ótica de documento semelhante, a saber, PPRA do ano de 2011/2012 (ID-159829796), não há como se entender que as cópias dos Programas de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA, referente a empresa Auto Posto Tapera Grande Ltda, relativos aos anos de 2009/2010 e 2015/2016 atendem ao conceito de documento novo.
Confira-se fragmento do julgado rescindendo que trata dos PPRAs juntados na lide subjacente:
“Períodos de 29/04/95 a 19/09/95 e de 01/01/96 a 09/06/2014: caixa/frentista – PPP de fls. 26/27 e PPRA de fls. 86/87 – agente agressivo químico, exposição a hidrocarbonetos (gases e vapores provenientes dos combustíveis). Agente químico não qualitativa. Não reconhecida condição especial de tralho tendo em vista a ausência de exposição habitual e permanente, não ocasional e/ou intermitente conforme conclusões do PPRA juntado aos autos. Logo, os períodos acima indicados devem ser considerados tempo de serviço comum.” (ID-159829811, pág. 6).
Com efeito, no caso, os documentos indicados não servem como prova nova para fins de rescisão do julgado, seja porque não permitem a inversão do julgado, seja porque não há comprovação da impossibilidade da juntada na ação subjacente.
De outro lado, não há que se falar em violação manifesta de norma jurídica pelo julgado rescindendo, uma vez que sua conclusão resultou da baliza de todas as provas dos autos subjacentes e do convencimento motivado do órgão julgador.
Com a improcedência do pedido de desconstituição do julgado, não há que se falar em reafirmação da DER, que teria cabimento apenas se houvesse juízo rescisório.
Corolário lógico, não se antevê ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, vez que assegurados ao autor originário da ação subjacente todos os meios de prova necessários à demonstração dos fatos constitutivos de seu direito, a contraposição de provas apresentadas pela autarquia e a possibilidade de impugnação das decisões judiciais proferidas por meio dos recursos legalmente previstos.
A autoria, na verdade, pretende nesta ação a reapreciação da prova produzida na ação subjacente.
Nesse tópico, não se coaduna com o objeto da ação rescisória o reexame e revalorização de provas dos fatos controvertidos do processo até então produzidas e analisadas na ação matriz.
Consigne-se que incumbem às partes expor os fatos, e ao juiz, declarar o Direito, conforme consagrado nos brocardos jurídicos da mihi factum, dabo tibi ius (dê-me os fatos, e eu te darei o direito), e iura novit curia (o juiz conhece o direito).
O juiz conhece o texto da lei, mas o direito emerge do caso concreto posto em juízo, cujo reconhecimento depende da análise e da compreensão do caso, que pode se dar-se sob vários ângulos, possibilitando mais de uma solução, como aquela dada no julgado rescindendo.
Assim, não se antevê manifesta violação à norma jurídica, pois o julgado rescindendo, por meio de interpretação teleológica, escorou-se no ordenamento jurídico, não se vislumbrando caso de interpretação desarrazoada ou incoerente com o arcabouço legislativo, senão consentânea com as provas produzidas nos autos subjacentes naquela oportunidade, tendo-se adotado uma entre as possíveis interpretações ao caso concreto.
Não se admite a rediscussão em sede de ação rescisória do quadro fático-probatório produzido na ação originária com o fito de afastar eventual injustiça da decisão e sua interpretação.
Sobre o tema, de se trazer à colação os seguintes julgados:
“AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO DOENÇA. VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA NÃO CONFIGURADO. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. MATÉRIA CONTROVERTIDA. REANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA.
1. Para a configuração da rescisão com fundamento em violação manifesta a norma jurídica, o julgado impugnado deve violar, de maneira flagrante, preceito legal de sentido unívoco e incontroverso.
2. Entendimento adotado pelo julgado rescindendo não desborda do razoável, tendo em vista que concluiu não restar comprovada a incapacidade total e permanente para o trabalho, para fins de concessão da aposentadoria por invalidez, nem a incapacidade total e temporária, para a concessão do benefício de auxílio-doença.
3. Conclui-se que o decisum apenas deu aplicação aos preceitos tidos por violados, e o fez com base nas provas dos autos e com suporte no princípio do livre convencimento motivado, não havendo força suficiente para a alegação de violação manifesta a norma jurídica.
4. Não se presta a rescisória ao rejulgamento do feito, como ocorre no julgamento dos recursos, ou ainda como próprio substituto recursal, de instrumento não utilizado pela parte no momento oportuno.
5. Considera-se que a matéria possa envolver interpretação jurisprudencial controvertida, incidindo na espécie a Súmula 343 do E. Supremo Tribunal Federal.
6. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$1.000,00 (mil reais), cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do artigo 98, §3º, do CPC/2015, por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, conforme entendimento majoritário da 3ª Seção desta Corte.
7. Rescisória improcedente.”
(TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5002032-09.2016.4.03.0000, Rel. Juiz Federal Convocado NILSON MARTINS LOPES JUNIOR, julgado em 18/03/2020, Intimação via sistema DATA: 20/03/2020)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO: PRELIMINAR REJEITADA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA. ERRO DE FATO. PROVA NOVA. HIPÓTESES NÃO CONFIGURADAS.
I - A apreciação da presente ação rescisória dar-se-á em conformidade com as disposições do atual Código de Processo Civil, porquanto ajuizada sob sua égide.
II - Segundo a jurisprudência da C. 3ª Seção desta Corte, na análise da ação rescisória, aplica-se a legislação vigente à época em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão rescindenda. E diferentemente não poderia ser, pois, como o direito à rescisão surge com o trânsito em julgado, na análise da rescisória deve-se considerar o ordenamento jurídico então vigente.
III - O julgado rescindendo transitou em julgado em 29/04/2016 e a presente ação foi ajuizada em 02/11/2017, ou seja, dentro do prazo previsto no artigo 975 do CPC/2015.
IV - Se o autor realmente pretende apenas rediscutir o cenário fático-probatório do feito subjacente, tal circunstância enseja a improcedência do pedido de rescisão do julgado, por não se configurar uma das hipóteses legais de rescindibilidade, e não falta de interesse de agir, o que envolve o mérito da ação. Preliminar rejeitada.
V - A violação à norma jurídica precisa ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não depender de prova a ser produzida no bojo da rescisória. Caberá rescisória quando a decisão rescindenda conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade a texto normativo. Nessa linha, a Súmula 343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". No entanto, o STF e o STJ têm admitido rescisórias para desconstituir decisões contrárias ao entendimento pacificado posteriormente pelo STF, afastando a incidência da Súmula.
VI - O julgado rescindendo concluiu que o início de prova material não foi corroborado por idônea e robusta prova testemunhal e que os documentos trazidos são insuficientes à comprovação do alegado labor rural pelo autor em todo o período pleiteado, ficando comprovado, apenas, o exercício de atividade campesina no período de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a 31/12/1984.
VII - Com efeito, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
VIII - Consoante jurisprudência do C. STJ, é desnecessária a apresentação de prova documental de todo o período pretendido, desde que o início de prova material seja corroborado por robusta prova testemunhal, estendendo sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores à data do documento apresentado.
IX - Ainda, o C. STJ firmou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014).
X - No caso concreto, o julgado rescindendo expressamente considerou que a prova testemunhal não possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, por se revelar inidônea.
XI - Importante destacar, ainda, quanto ao período de labor rural reconhecido por esta Corte Regional, que não pode ser utilizado para fins de carência, sob pena de afronta ao art. 55, da Lei 8.213/91.
XII - Forçoso concluir que, no caso dos autos, a violação a disposição de lei não restou configurada, resultando a insurgência da parte autora de mero inconformismo com a valoração das provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente para justificar o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 966, inciso V, CPC/2015, que exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente, in casu.
XIII - Há erro de fato quando o julgador chega a uma conclusão partindo de uma premissa fática falsa; quando há uma incongruência entre a representação fática do magistrado, o que ele supõe existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz que há o erro de fato quando "a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato enseja uma decisão putativa, operando-se no plano da suposição. Além disso, a legislação exige, para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se estabelece uma controvérsia sobre a premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o magistrado sobre ela emite um juízo, um eventual equívoco nesse particular não se dá no plano da suposição e sim no da valoração, caso em que não se estará diante de um erro de fato, mas sim de um possível erro de interpretação, o qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966, VIII, do CPC/2015. Exige-se, ainda, que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele a decisão seria outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos processuais, não sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de demonstrá-lo.
XIV -No caso dos autos, o julgado rescindendo manifestou-se sobre o fato sobre o qual supostamente recairia o alegado erro de fato - labor rural do autor, estando referido decisum fundamentado nos documentos juntados aos autos subjacentes e na prova testemunhal produzida em juízo, que não se revelou robusta e idônea.
XV - Logo, não há como acolher o pedido de rescisão do julgado fundado em erro de fato, em função do quanto estabelecido no artigo 966, VII, do CPC, o qual, como visto, exige a inexistência de pronunciamento judicial sobre o fato.
XVI - Em verdade, a pretexto se sanar um alegado erro de fato, o autor busca o reexame dos fatos, documentos e provas já devidamente apreciados no decisum rescindendo, o que é inviável em sede de rescisória.
XVII - Entende-se por documento novo aquele que a parte só teve acesso após o julgamento, não se considerando novos os documentos que não existiam no momento do julgamento, já que o art. 485, VII, do CPC/73, aludia a documento "cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso". Isso significa que tal documento já existia ao tempo da decisão rescindenda, mas que o autor não teve acesso a ele. O documento (ou prova) deve, ainda, (a) comprovar um fato que tenha sido objeto de controvérsia na ação em que proferida a decisão rescindenda; e (b) ser, por si só, capaz de assegurar um resultado favorável na ação originária ao autor da ação rescisória. O STJ tem elastecido tal hipótese de rescindibilidade nas rescisórias propostas por trabalhadores rurais, com base no princípio in dubio pro misero, admitindo documentos já existentes antes da propositura da ação originária. A ratio decidendi de tal entendimento é a condição social do trabalhador rural (grau de instrução e, consequente, dificuldade em compreender a importância da documentação, sendo a sua ignorância - e não a negligência ou desídia a causa da não apresentação da documentação) - o que legitima a mitigação dessa exigência.
XVIII - No caso vertente, o requerente traz como prova nova a certidão expedida pela Justiça Eleitoral, em 21/07/2017, onde ele está qualificado como lavrador (Id 1321740). É certo que, diante das peculiaridades que envolvem as demandas previdenciárias ajuizadas pelos trabalhadores rurais, deve-se mitigar o formalismo das normas processuais, reconhecendo-se a possibilidade do “ajuizamento de nova ação pela segurada sem que se possa falar em ofensa à coisa julgada material”.
XIX - Nesse sentido, tem-se flexibilizado a exigência de demonstração de que o autor da rescisória ignorava a existência dos documentos novos, ou de que deles não pode fazer uso no momento oportuno, adotando a solução pro misero em favor daqueles que se encontram em situação desigual à situação de outros trabalhadores, pessoas simples que desconhecem seus direitos fundamentais, conforme precedentes oriundos desta Corte e do Eg. Superior Tribunal de Justiça
XX - Contudo, é imperioso que a nova prova seja reputada idônea, capaz de configurar início de prova material do labor rural, o que não é o caso dos autos. Em primeiro lugar, porque a certidão está lastreada em informações produzidas unilateralmente pela parte, carecendo de valor probatório. Em segundo lugar, como visto à saciedade, o início de prova material deve ser complementado por idônea e robusta prova testemunhal, hipótese diversa dos autos onde restou assentada a sua fragilidade.
XXI - Julgados improcedentes os pedidos de rescisão do julgado, fica prejudicada a análise do pedido rescisório.
XXII - Vencida a parte autora, condeno-a ao pagamento da verba honorária, a qual fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), considerando que não se trata de causa de grande complexidade, o que facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 12, da Lei 1.060/50, e no artigo 98, § 3º, do CPC/15.
XXIII - Ação rescisória improcedente.” (g.n.)
(TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5021144-27.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 09/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/03/2020)
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVA TESTEMUNHAL. SÚMULA 149 DO C. STJ.DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL POSTERIOR AO ACÓRDÃO. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS LEGAIS À PROPOSITURA DA AÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.(...) - Quadra ressaltar, que o documento de que trata o inciso VII, do art. 485 do CPC é o existente à época. Não se pode entender: "o constituído posteriormente. O adjetivo "novo" expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em que veio formar-se. Ao contrário, para admitir-se a rescisória, é preciso que o documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a sentença. Documento cuja existência a parte ignorava é, obviamente, documento que existia; documento de que ela "não pôde fazer uso", é também, documento que, noutras circunstâncias, poderia ter sido utilizado, e portanto existia."(Moreira, José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2.002, e. 10ª, p.137) - Documento não existente quando da prolação do decisum rescindendo não está apto a desconstituir o julgado.- Ação rescisória julgada improcedente.” (g.n.) (AR .541/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 221)
Com efeito, de rigor a improcedência do pedido de desconstituição do julgado com esteio nos incisos V e VII, do art. 966, do CPC.
Com o reconhecimento da improcedência do pedido de desconstituição, ficam prejudicadas as demais alegações e pedidos subsidiários.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno o autor em honorários advocatícios fixados em R$1.000,00, conforme o entendimento firmado pela Eg. Terceira Seção desta Corte, observada a gratuidade da justiça.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, à míngua de interesse processual, julgo extinto o feito, sem resolução de mérito, com fundamento no inc. VI, do art. 485, do CPC, o pedido de rescisão para enquadramento como especial dos lapsos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 01.01.96 a 05.03.97 e, no mais, julgo improcedente o pedido.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo da 10ª Vara Federal Previdenciária de São Paulo- SP, oficie-se àquele Juízo, após o trânsito em julgado da presente decisão, dando-lhe ciência do inteiro teor do acórdão.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA COM FUNDAMENTO NOS INCISOS V E VII, DO ART. 966, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INTERESSE PROCESSUAL. EXTINÇÃO PARCIAL DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. INOCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA. PROVA NOVA E MANIFESTA VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA DESCARACTERIZADAS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CONSECTÁRIOS.
- Pretende o autor nesta ação, ajuizada com fundamento nos incisos V e VII, do artigo 966 do CPC, a desconstituição do julgado e novo julgamento com reconhecimento de labor especial dos períodos que indica e concessão de aposentadoria especial.
- Considerando que nesta ação se pretende a rescisão daquele julgado em função da existência de prova nova relativamente a período cujo pedido de enquadramento já fora submetido ao crivo do administrativo, não há que se falar em ausência de interesse processual, haja vista que a matéria de fato – pedido de enquadramento – já foi levada ao conhecimento da Administração.
- As alegações de falta de interesse por inadequação da via eleita para rediscussão do quadro fático-probatório e controvérsia nos tribunais confundem-se com o mérito e com ele serão analisadas.
- De outro lado, a sentença reconheceu o labor especial de 07.10.88 a 19.9.95 e de 02.01.96 a 09.06.14, e, nesta Corte, proveu-se em parte, ao final, o apelo do INSS para afastar o labor especial em parte dos períodos, mantido o enquadramento como especial dos interregnos de 07.10.88 a 19.9.95 e de 01.01.96 até 05.03.97. Nesse contexto, de rigor a extinção do feito sem resolução de mérito quanto ao pedido de rescisão do julgado e novo julgamento para enquadramento como especial dos interregnos de 07.10.88 a 19.09.95 e de 01.01.96 a 05.03.97, à míngua de interesse processual, pois o julgado rescindendo decidiu nos termos do quanto requerido na inicial da rescisória.
- A procuração coligida aos autos atende aos requisitos necessários ao reconhecimento de sua regularidade, uma vez que se trata de novo instrumento de mandato e engloba em seu bojo poderes suficientes ao ajuizamento da ação.
- Com espeque no disposto no art. 3º da Lei n. 14.010/20, exceção legal à regra geral de que não se suspende e nem se interrompe a fluência do prazo decadencial - na forma do disposto no art. 207, do Código Civil - que impôs a suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais entre 10 de junho até 30 de outubro de 2020 em virtude da pandemia causada pelo coronavírus, ajuizada a presente rescisória em 18.05.21, e transitado em julgado o decisum proferido na demanda subjacente em 17.05.19, a ação é tempestiva.
- O artigo 966 do Código de Processo Civil elenca, de modo taxativo, as hipóteses de cabimento da ação rescisória, dentre as quais, o inciso V prevê a possibilidade de desconstituição do julgado na hipótese de violação manifesta de norma jurídica e o inciso VII, de existência de prova nova.
- A prova nova que enseja a rescisão do julgado é aquela existente antes do trânsito em julgado, mas que restou acessível somente após o trânsito e refira-se a fatos controversos, com força de, isoladamente, modificar o julgado, e que o autor não teve condições de produzir no processo originário por desconhecer sua existência ou ser-lhe inacessível.
- Os recibos de pagamento com indicação de adicional de periculosidade e os PPRAs juntados na rescisória não servem como prova nova para fins de rescisão do julgado, seja porque não permitem a inversão do julgado, seja porque não há comprovação da impossibilidade da juntada na ação subjacente.
- As decisões judiciais devem, por meio de interpretação teleológica, escorar-se no ordenamento jurídico e atender aos fins sociais, exigindo-se a devida fundamentação e observação dos precedentes jurisprudenciais sobre a matéria.
- Não há que se falar em violação manifesta de norma jurídica pelo julgado rescindendo, uma vez que a interpretação dada pela decisão rescindenda não se mostrou desarrazoada e incoerente com o arcabouço legislativo, de modo que não violou as normas referidas pelo autor, sendo inviável o manejo da ação rescisória para o reexame das provas de fatos relevantes e controvertidos do processo em relação aos quais o julgado rescindendo formou sua convicção, pelo que a improcedência do pedido de desconstituição do julgado com esteio nos incisos V e VII, do art. 966 do CPC é medida que se impõe.
- Condenado o autor ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00, a teor do disposto no art. 85, §8º, do CPC/2015 e do entendimento firmado pela Eg. Terceira Seção desta Corte, observada a gratuidade da justiça.
- Extinção parcial do feito sem julgamento do mérito, por ausência de interesse processual, com fundamento no inc. VI, do art. 485, do CPC. No mais, julgado improcedente o pedido da ação rescisória.
