
| D.E. Publicado em 13/03/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora nesta ação rescisória, a fim de desconstituir a r. decisão monocrática e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0030714-30.2014.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação rescisória ajuizada por JERONIMO FLAUZINO em face do INSS visando rescindir a decisão monocrática (fls. 115/117) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Convocado Douglas Camarinha Gonzalez que, nos autos da apelação cível n.º 2013.03.99.009863-5, deu provimento à apelação do INSS, afastando, assim, a possibilidade de concessão, em favor do autor, tanto do benefício de aposentadoria por idade rural quanto do benefício previsto no art. 48, §3º, da Lei nº. 8.213/1991 (aposentadoria por idade híbrida).
A ação rescisória foi ajuizada com fundamento em violação a literal disposição de lei e em erro de fato, nos termos do artigo 485, incisos V e IX, respectivamente, do Código de Processo Civil de 1973.
A parte autora aduziu, em síntese, que teria havido "erro de fato" (fl. 04), tendo em vista que o que se pleiteou foi a concessão de "aposentadoria por idade (híbrida)" (fl. 03) e considerando que JERONIMO "tem direito a aposentadoria por idade por ter prestado serviços por vários anos e ter mais de 65 anos de idade" (fl. 04). Alegou que o julgado em questão "violou várias disposições legais, inclusive de cunho Constitucional" (fl. 04), tais como as dos artigos 6º, 7º, 194, 195, 201 e 202 da CF (fls. 04/08), bem como o disposto nos artigos 2º e 143 da Lei nº. 8.213/1991 (fls. 08/09).
Requer, assim, a rescisão da r. decisão monocrática objurgada e, em novo julgamento da ação subjacente, a procedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade em favor do autor.
A ação rescisória foi ajuizada em 02.12.2014 (fl. 02), tendo sido atribuído à causa o valor de R$ 2.000,00 (fl. 19).
A inicial veio instruída com os documentos acostados às fls. 20/122.
Foi deferido à parte autora o benefício da assistência judiciária gratuita (fl. 125).
A parte ré foi regularmente citada (fl. 127 v.) e apresentou contestação às fls. 128/138. Alegou "ausência de violação a literal disposição de lei" (fl. 129), uma vez que "a regra trazida pelo parágrafo terceiro do artigo 48, da Lei 8.213/91, restringe-se aos trabalhadores rurais" (fl. 130) e tendo em vista que o autor não teria comprovado "o exercício de atividade pelo tempo exigido por lei" (fl. 131). Aduziu, ainda, "inexistência do erro de fato" (fl. 133), pois "a r. decisão rescindenda não somente se manifestou acerca de todas as provas produzidas, mas fez uma lúcida análise de todo o conjunto probatório, concluindo pela improcedência do pedido" (fl. 135).
Instados a indicarem as provas que pretendiam produzir (fl. 140), a parte autora permaneceu inerte (fl. 140 v.) e o INSS manifestou seu desinteresse na produção de provas (fl. 140 v.).
Em suas razões finais (fls. 144/148), a parte autora alegou que "o acórdão rescindendo errou ao julgar o pedido apenas como aposentadoria rural" (fl. 145), bem como aduziu que o autor "tem direito a aposentadoria por idade híbrida por ter prestado serviços por vários anos e ter mais de 65 anos de idade" (fl. 146). O INSS, em suas razões finais, reiterou os argumentos já apresentados na contestação (fl. 142 v.).
O Ministério Público Federal, em parecer acostado às fls. 150/157, opinou "pela procedência do pedido no âmbito do juízo rescindendo, desconstituindo a coisa julgada com fulcro no inciso V do artigo 485 do CPC, e pela procedência do juízo rescisório para: a) reconhecer o direito do segurado autor ao recebimento de aposentadoria rural por idade híbrida desde a data da propositura da ação ou da citação, determinando-se o pagamento das parcelas atrasadas com a devida correção monetária e os respectivos juros de mora" (fls. 157/157 v.).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0030714-30.2014.4.03.0000/SP
VOTO
O Exmo. Senhor Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de ação rescisória ajuizada por JERONIMO FLAUZINO com fundamento em violação a literal disposição de lei e em erro de fato, nos termos do artigo 485, incisos V e IX, respectivamente, do Código de Processo Civil de 1973 (correspondentes aos incisos V e VIII do art. 966 do CPC), visando rescindir a r. decisão monocrática (fls. 115/117) por meio da qual se deu provimento à apelação do INSS, afastando-se, assim, a possibilidade de concessão tanto do benefício de aposentadoria por idade rural quanto do benefício previsto no art. 48, §3º, da Lei nº. 8.213/1991 (aposentadoria por idade híbrida).
Inicialmente, destaco que é sabido que o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.115/2015, entrou em vigor no dia 18/3/2016 e que, após o advento do CPC de 2015, houve a elaboração de enunciados administrativos, por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, com o objetivo de orientar a comunidade jurídica sobre a questão do direito intertemporal. Dentre estes, destaca-se o enunciado nº. 2, in verbis:
Reputo que, no que concerne às ações rescisórias, o aludido enunciado pode ser aplicado por analogia, de modo que, quanto aos pressupostos de admissibilidade e condições da ação, estes devem ser analisados conforme as previsões do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que a presente ação rescisória foi ajuizada quando ainda vigia aquele diploma legal.
Válido, nesse passo, mencionar os ensinamentos do jurista Roberto Rosas: "No atinente à ação rescisória, buscar-se-ia um ponto necessário: o trânsito em julgado da sentença. É o premente norteador dos pressupostos para a ação rescisória. A lei fixadora desses requisitos regerá essa ação no prazo para sua propositura. Se a lei nova amplia os fundamentos para a rescisória ou os restringe, não se altera o direito subjetivo do autor da ação, ele é o mesmo do trânsito em julgado da sentença rescindenda. O CPC de 1973 ampliou os pressupostos de rescindibilidade, não se aplicando às sentenças trânsitas em julgado antes da sua vigência" (ROSAS, Roberto, Direito Processual Constitucional, São Paulo: ed. RT, 2ª ed., 1.997, p. 184).
Inclusive, os Tribunais pátrios têm entendido, recentemente, que, se a ação rescisória foi ajuizada antes da entrada em vigor do CPC de 2015, esta deverá ser analisada sob a égide da Lei nº. 5.869/1973 (antigo CPC), conforme se pode observar neste trecho extraído de voto proferido pelo E.TST - AgR-AR: 74025920135000000, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 17/05/2016, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016:
Pois bem.
A presente ação rescisória foi ajuizada dentro do biênio decadencial previsto no artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973, eis que a decisão monocrática rescindenda transitou em julgado em 06.09.2013 (fl. 120) e a inicial foi protocolada em 02.12.2014 (fl. 02).
Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, passo à análise do juízo rescindente.
Primeiramente, esclareço que não restou configurada a hipótese de rescindibilidade prevista no inciso IX do art. 485 do CPC de 1973 (erro de fato).
Consigno que o artigo 485, inciso IX, do Código de Processo Civil de 1973 disciplinava que:
Sobre o tema, cumpre transcrever o seguinte excerto doutrinário:
Inclusive, a atual redação do art. 966, VIII, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, IX, do CPC de 1973) melhor se adequou à referida interpretação doutrinária, ao estabelecer que:
Em suma, tanto nos termos do que atualmente dispõe o art. 966, VIII, § 1º, do CPC, quanto do que dispunha o art. 485, IX e parágrafos, do CPC de 1973, o erro de fato, verificável do exame dos autos, ocorrerá quando o julgado admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo que, para seu reconhecimento, é necessário que não tenha havido qualquer controvérsia, tampouco pronunciamento judicial sobre o fato.
A parte autora alegou que teria havido "erro de fato" (fl. 04), pois "o acórdão rescindendo errou ao julgar o pedido apenas como aposentadoria rural" (fl. 145), uma vez que o que se pleiteou foi a concessão de "aposentadoria por idade (híbrida)" (fl. 03).
Contudo, da leitura da r. decisão rescindenda, extrai-se que foram efetivamente apreciadas tanto a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade rural quanto a possibilidade de concessão do benefício previsto no art. 48, §3º, da Lei nº. 8.213/1991 (aposentadoria por idade híbrida). O que houve foi que, após afastar a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade rural, sob o fundamento de que "ainda que o autor tenha apresentado relevante documentação apta a constituir início de prova material, observa-se que não se dedicou exclusivamente ao labor rural, exercendo atividades urbanas em vários períodos e não apenas em fases de entressafra" (fl. 116 v.), o r. juízo prosseguiu em sua análise, afastando, também, a possibilidade de concessão do benefício previsto no art. 48, §3º, da Lei nº. 8.213/1991 (aposentadoria por idade híbrida), desta vez sob o fundamento de que seria necessária "a observância das contribuições correspondentes ao ano em que alcançou a idade prevista, neste caso 180 contribuições, o que não se verificou" (fl. 117).
Atente-se que seria descabido, nesse momento, examinar se houve ou não acerto do julgador primitivo ou se a tese adotada foi a mais adequada. O fato é que a desconstituição de decisão coberta pela coisa julgada, que consubstancia garantia fundamental, requer a presença de alguma das estritas hipóteses permissivas de rescisão e, in casu, não se pode afirmar ter havido erro de fato, já que, em momento algum, se admitiu como verdadeiro fato inexistente nem se considerou inexistente fato efetivamente ocorrido.
Ademais, em já tendo havido pronunciamento judicial a respeito do fato apontado na inicial, não poderia ser outra a conclusão senão a de que a pretensão da parte autora de rescindir a decisão objurgada é obstaculizada também pelo disposto no § 2º do artigo 485 do Código de Processo Civil.
Válida, neste passo, a transcrição dos seguintes julgados proferidos pela E. Terceira Seção desta Corte:
Ante o exposto, afasto qualquer possibilidade de rescisão da decisão objurgada com fulcro no inciso IX do art. 485 do CPC de 1973, seja em razão do disposto no §1º, seja em razão do que dispõe o §2º do mesmo dispositivo legal.
Dito isto, passo a tecer considerações quanto ao pleito de desconstituição do julgado com fulcro no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, que dispunha o seguinte:
A violação a literal disposição de lei é, sem dúvida, de todos os enunciados normativos previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973, o que possui sentido mais amplo. O termo "lei" tem extenso alcance e engloba tanto a lei material como a processual, tanto a infraconstitucional como a constitucional, vale dizer, trata-se de expressão empregada como sinônimo de "norma jurídica", independentemente de seu escalão. Quanto ao termo "literal", este é empregado no sentido de "expresso" ou "revelado", vale dizer, qualquer direito expresso ou revelado, seja ele escrito ou não escrito, uma vez violado, poderá ser protegido por meio do ajuizamento da ação rescisória (Nesse sentido, DIDIER JR, Fredie e DA CUNHA, Leonardo Carneiro, em Curso de Direito Processual Civil, vol. 03, Editora Jus PODIVM, 12ª Edição, 2014, pág. 392). O intuito é o de, em casos de reconhecida gravidade, se impedir a subsistência de decisão que viole o valor "justiça", ainda que em detrimento do valor "segurança", de modo que, em se constatando violação a uma norma jurídica (incluída a violação de princípio), revela-se cabível o ajuizamento de ação rescisória.
Inclusive, a atual redação do art. 966, V, do CPC (dispositivo correspondente ao art. 485, V, do CPC de 1973) consolidou essa construção doutrinária ao estabelecer que:
É preciso se ter em mente que a ação rescisória não é sucedâneo recursal de prazo longo. Trata-se de meio excepcional de impugnação das decisões judiciais, cuja utilização não pode ser banalizada. Assim, para se configurar a hipótese do inciso V do art. 485 do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, V, do CPC), a violação deve se mostrar aberrante, cristalina, observada primo ictu oculi, consubstanciada no desprezo do sistema jurídico (normas e princípios) pelo julgado rescindendo. (STJ, 1ª Turma. Resp 1458607/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 23/10/2014).
In casu, observa-se que o r. julgador primitivo, não obstante tenha concluído que o caso concreto se enquadrava "no previsto pelo art. 48 §3º, da Lei de Benefícios" (fl. 116 v.), afastou a possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida, sob o fundamento de que seria necessária "a observância das contribuições correspondentes ao ano em que alcançou a idade prevista, neste caso 180 contribuições, o que não se verificou" (fl. 117).
Ocorre, todavia, que, para fins do cômputo da carência necessária à concessão de aposentadoria por idade híbrida, a lei não exige que o segurado comprove ter recolhido contribuições durante o período de labor rural, mas apenas que demonstre, por meio de início de prova material corroborado por testemunha(s), que efetivamente trabalhou como rurícola naquele período. Apenas com relação ao período de trabalho urbano é que é imprescindível a comprovação do recolhimento das respectivas contribuições.
Foi justamente nesse sentido que se posicionou o Ministério Público Federal quando afirmou, em seu parecer, que "a aposentadoria híbrida tem a sua carência medida a partir do cômputo do tempo de contribuição urbana ou rural somado ao tempo de atividade rural, mesmo sem contribuição" (fl. 154), tendo concluído que "não há como negar a ocorrência de violação ao artigo 143, §3º, da Lei 8.213/91" (fl. 154), pois "a decisão exigiu para fins de carência a prova de tempo de contribuição rural, quando a lei exige para os rurícolas apenas o tempo de atividade rural" (fl. 154).
É certo que o art. 55, §2º, da Lei nº. 8.213/1991, assim dispõe:
Todavia, tal dispositivo não poderia se aplicar ao instituto da aposentadoria por idade híbrida, uma vez que esta foi criada como expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, isto é, justamente para contemplar aqueles trabalhadores que, por terem migrado para a cidade, não têm período de carência suficiente para obter a aposentadoria por idade urbana nem poderiam obter a aposentadoria por idade rural, já que exerceram também trabalho urbano. Com efeito, o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF). Assim, se a aposentadoria por idade rural exige apenas a comprovação do trabalho rural em determinada quantidade de tempo, sem o recolhimento de contribuições, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência necessária à concessão de aposentadoria por idade híbrida, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições correspondentes ao período de atividade campesina. Nesse sentido, inclusive, já se posicionou, recentemente, o E. STJ, no julgamento do RESP. nº. 1407613 (vide itens 13 e 14 desse julgado).
Ora, a razão de o ordenamento prever a possibilidade de concessão de aposentadoria por idade híbrida é, justamente, a de se permitir às categorias de trabalhadores urbanos e rurais mesclarem período contributivo (rural ou urbano) com período rural não contributivo, de modo que seria um disparate exigir, para a concessão desse benefício, que o preenchimento da carência se dê, tão-somente, mediante o recolhimento de 180 (cento e oitenta) contribuições. Interpretação diversa levaria à ineficácia da norma jurídica contida no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991, já que, para a concessão do benefício em questão, não haveria necessidade de cômputo de qualquer labor rural não contributivo, o que seria um contrassenso.
Válida, nesse passo, a menção dos seguintes julgados, os quais dão respaldo a este posicionamento:
Assim, em tendo sido dada à norma interpretação contrária ao que explicitamente dispõem os §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei nº. 8.213/1991, conclui-se ter havido, de fato, violação a literal disposição de lei, isto é, manifesta violação de norma jurídica.
Passo, pois, à análise do juízo rescisório.
A respeito dos requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida ou mista, o art. 48, §§3º e 4º, da Lei 8.213/1991, dispõe:
Nos termos do dispositivo supramencionado, incluído pela Lei nº. 11.718/2008, o(a) segurado(a) terá direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, isto é, como trabalhador(a) rural e urbano(a), quando atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos, desde que tenha cumprido a carência exigida, devendo ser considerados ambos os períodos (urbano e rural) para efeitos de se apurar o cumprimento da carência.
Com o advento da Lei nº. 11.718/2008, surgiu uma discussão sobre se o novo benefício abarcaria, além dos trabalhadores rurais (conforme a literalidade do §3º do art. 48 da Lei nº. 8.213/91), também os trabalhadores urbanos, ou seja, se estes poderiam computar ou mesclar período rural anterior ou posterior a 11/1991 como carência para a obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Tal controvérsia apareceu, inclusive, graças à previsão do artigo 51, §4º, do Decreto 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto 6.777/2008, publicado em 30/12/2008, o qual determinou que:
Uma corrente doutrinária e jurisprudencial passou a sustentar que a aposentadoria por idade híbrida teria natureza de benefício rural e somente poderia ser concedida ao trabalhador rural que tenha, eventualmente, exercido atividade urbana, mas não ao trabalhador urbano que tenha, eventualmente, exercido alguma atividade rural. Argumentou-se que o §3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 dispõe expressamente que o benefício se destina aos trabalhadores rurais e que não haveria previsão de fonte de recursos para se financiar a ampliação do benefício em favor dos trabalhadores urbanos, de modo que conceder o benefício aos urbanos afrontaria o disposto nos artigos 195, § 5º, da CF/88 e 55, § 2º da Lei 8.213/1991. Quanto ao disposto no artigo 51, § 4º, do Decreto 3.048/1999, argumentou-se tratar-se de uma norma que objetivaria resguardar o direito adquirido daqueles que implementaram as condições enquanto rurais mas deixaram para formular pedido em momento posterior.
Esse entendimento de que o trabalhador urbano não faria jus à aposentadoria por idade híbrida vinha sendo adotado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) que, no julgamento dos Pedidos de Uniformização n. 2008.50.51.001295-0 (Rel. Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros) e n. 5001211-58.2012.4.04.7102 (Rel. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo), procedendo a uma interpretação sistemática dos artigos 48 e 55 da Lei 8.213/1991, decidiu que a Lei 11.718/2008 apenas autorizou ao trabalhador rural utilizar contribuições recolhidas para o regime urbano para fins de cumprimento da carência, mas não ao trabalhador urbano se utilizar de período rural para o preenchimento da carência necessária à concessão de aposentadoria por idade urbana.
Ocorre, contudo, que, em outubro de 2014, na ocasião do julgamento do RESP nº. 1407613, o Superior Tribunal de Justiça adotou entendimento diverso, posicionando-se no sentido de que pouco importa se o segurado era rural ou urbano quando do requerimento, podendo somar ou mesclar os tempos para fins de obter o benefício de aposentadoria por idade (híbrida) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. Inclusive, no bojo de julgamento realizado em novembro de 2014 (PEDILEF nº. 50009573320124047214), a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) reviu seu posicionamento anterior para adotar a mais recente diretriz hermenêutica da Segunda Turma do C. STJ, fixada nos autos do Recurso Especial nº. 1407613.
Válida, nesse passo, a transcrição dos julgados supramencionados:
Em suma, conforme o entendimento mais recente adotado tanto pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, é irrelevante o fato de o(a) segurado(a) estar ou não exercendo atividade rural no momento em que completa a idade ou apresenta o requerimento administrativo, bem como o tipo de trabalho predominante. O que deve definir o regime jurídico da aposentadoria é o trabalho exercido no período de carência: se exclusivamente rural ou urbano, será devida, respectivamente, aposentadoria por idade rural ou urbana; se de natureza mista, o regime será o do artigo 48, parágrafos 3º e 4º, da Lei nº. 8.213/1991, independentemente de a atividade urbana ser a preponderante no período de carência ou a vigente quando do implemento da idade.
Pois bem.
A idade mínima necessária à concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida restou comprovada, uma vez que o autor completou 65 (sessenta e cinco) anos de idade em 21.07.2011 (fl. 41).
Desse modo, a teor da tabela prevista no artigo 142, da Lei n.º 8.213/1991, seriam necessários, em princípio, 180 (cento e oitenta) meses de contribuição para o cumprimento da carência, sendo que, para fins de cômputo dessa carência, conforme já se asseverou, não há óbice a que seja contabilizado, além do tempo de contribuição relativo ao exercício de labor urbano, também o tempo em que o autor comprovadamente exerceu labor rural, independentemente de ter havido ou não contribuição atinente a esse período.
Quanto ao exercício de atividade urbana, da análise do extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais-CNIS (fls. 61/62) é possível extrair que o autor manteve vínculo com a Prefeitura do Município de Guaíra-SP entre 22.05.1984 e 25.06.1988, isto é, por 49 (quarenta e nove) meses. Além disso, consta terem sido efetuados recolhimentos correspondentes a outros 11 (onze) meses, atinentes aos intervalos de 12.2002 a 03.2003, período em que o autor trabalhou como "caseiro" (fl. 34) em estabelecimento rural, e de 03.2010 a 09.2010, período em que o autor exercia "serviços gerais" (fl. 34) na Fazenda Jupia, conforme se extrai das anotações em sua CTPS (vide fl. 34).
Resta, pois, saber se o autor comprovou satisfatoriamente ter exercido labor rural, mesmo sem verter contribuições, ao menos por outros 120 (cento e vinte) meses (além dos mencionados 60 (sessenta) meses em que houve recolhimentos), isto é, se o autor comprovou ter cumprido a carência de 180 (cento e oitenta) meses.
Na ocasião em que demanda subjacente foi ajuizada, o autor apresentou os seguintes documentos:
I)Cópia de sua CTPS, em que constam anotações de vínculos com estabelecimentos rurais de 08.1976 a 11.1976, de 12.2002 a 04.2003 e de 03.2010 a 09.2010, bem como com a Prefeitura do Município de Guaíra de 03.1977 a 04.1977 e de 05.1984 a 06.1988 (fls. 30/34);
II)Declaração de empregador rural de que o autor teria trabalhado na Fazenda Santa Helena entre 06.1978 e 07.1978 (fl. 35);
III)Declaração (do empregador) e registro de que o autor teria exercido "serviços gerais da lavoura" (fl. 37) na fazenda boa vista entre 09.1980 e 03.1981 (fls. 36/38 e 39);
IV)Cópia de carteira de membro da COTRAG - Cooperativa dos Trabalhadores de Guaíra e Região, em que não consta a data de emissão do documento (fl. 40);
V)Certidão de Casamento, em que o autor aparece qualificado como lavrador, datada de 24.10.1973 (fl. 41);
VI)Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, em que consta que o autor teria trabalhado na Fazenda Jupia entre 03.2010 e 09.2010 (fls. 42/45).
Em 30.08.2012, foram ouvidas três testemunhas.
A testemunha NATAL LUIZ afirmou conhecer o autor há uns 10 (dez) anos e que trabalhou com ele na chácara da Comap. Em seguida, alegou que, de vista, já conhecia o autor há cerca de 20 (vinte) anos e que JERÔNIMO trabalhava na lavoura, exercendo serviço braçal (fl. 84).
A testemunha GERALDO GELONI afirmou conhecer o autor há uns 21 (vinte e um anos) mais ou menos (fl. 85), desde que ele morava e trabalhava na Fazenda Santa Helena. Aduziu que, além de ter trabalhado na Fazenda Santa Helena, o autor já trabalhou na Fazenda Matão e já morou no sítio do pai do senhor José Carlos, bem como que, atualmente, o autor mora e trabalha em uma chácara, onde ele "cuida da criação" (fl. 85).
A testemunha DURVAL MODESTO afirmou conhecer o autor há uns 25 (vinte e cinco) anos mais ou menos e que trabalhou com ele nas Fazendas Santa Lina, Matão e Mandu, onde ele "carpia lavoura", "catava milho" e "tirava pendão" (fl. 86). Afirmou que, atualmente, o autor trabalha na cidade, fazendo bicos de pedreiro, bem como mora e trabalha em uma chácara, onde "faz limpeza, faxina, cuida da chácara" (fl. 86).
Considerando que nenhuma das testemunhas afirmou que conhecia o autor antes de 1987, reputo que, dentre os documentos apresentados, apenas aqueles com data posterior a esta é que poderiam ser corroborados pelos depoimentos, de modo que constituem início de prova material, apenas: I) o Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho, em que consta que o autor teria trabalhado na Fazenda Jupia entre 03.2010 e 09.2010 (fls. 42/45) e II) a cópia da CTPS do autor, em que consta anotação de vínculo entre 03.2010 e 09.2010, período em que o autor exercia "serviços gerais" (fl. 34) na Fazenda Jupia (fls. 30/34). Atente-se que, quanto à anotação relativa ao intervalo de 12.2002 a 03.2003, esta se refere a período em que o autor trabalhou como "caseiro" (fl. 34) em estabelecimento rural. Trata-se de contrato de curta duração (quatro meses), exercido no meio rural, o que revela forte indício de que, na época, o autor efetivamente vivia e trabalhava no campo, isto é, não teria deixado a vida campesina.
Consigno que, nos termos do julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.348.633/SP, proferido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, é perfeitamente possível que as testemunhas comprovem período de labor rural anterior ao início de prova material mais antigo. In casu, a despeito de a prova documental mais robusta ser datada de 2010, reputo que os depoimentos se mostram bem circunstanciados, revelando-se aptos a comprovar o exercício de labor rural no período compreendido entre o final do ano de 1988 (quando cessou o contrato de trabalho de JERONIMO com a Prefeitura Municipal de Guaíra-fl.33) e setembro de 2010 (quando houve a rescisão do contrato de trabalho de JERONIMO com o proprietário da Fazenda Jupia-fl. 34), até porque é sabido que, em se tratando de rurícola, é muito comum que as relações de trabalho sejam regidas pela absoluta informalidade, sem qualquer registro nos órgãos oficiais, em decorrência de, normalmente, serem tais contratos de trabalho pactuados verbalmente.
Portanto, tudo leva a crer que, após a cessação de seu contrato de trabalho com a Prefeitura, em 25.06.1988, o autor teria passado a prestar serviços junto a estabelecimentos rurais, a fim de garantir sua subsistência, o que é verossímil, considerando que, no passado, JERÔNIMO já havia sido lavrador (conforme consta de sua Certidão de Casamento, datada de 1973-fl. 41).
Inclusive, o fato de constar da CTPS de JERÔNIMO registro de que ele exerceu a função de caseiro em estabelecimento rural por quatro meses (entre 12.2002 a 03.2003), reforça a versão, corroborada pelas testemunhas, de que, no período compreendido entre o final do ano de 1988 e 09.2010, isto é, durante um intervalo de mais de vinte anos, o autor efetivamente exerceu labor em ambiente rural, mesmo que de forma descontínua, ora na condição de caseiro ora na condição de diarista/bóia-fria. O fato de a testemunha DURVAL MODESTO ter informado que, em 2012, o autor estaria trabalhando na cidade, fazendo bicos de pedreiro (fl. 86), bem como estaria morando e trabalhando em uma chácara, onde "faz limpeza, faxina, cuida da chácara" (fl. 86), não infirma essa conclusão. Atente-se, inclusive, que o próprio autor, na exordial dos autos subjacentes, narrou já ter trabalhado "como servente de pedreiro e outros serviços gerais na cidade e no campo, sem registro em carteira" (fl. 26). Reputo, pois, existir nos autos prova suficiente de exercício de trabalho rural por mais de 120 (cento e vinte) meses que, somados aos 60 (sessenta) meses em que houve contribuição (vide extrato do CNIS às fls. 61/62), perfazem os 180 (cento e oitenta) meses necessários ao cumprimento da carência.
É de rigor, pois, a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida ao trabalhador.
DISPOSITIVO.
A aposentadoria deve ser fixada no valor de um salário mínimo mensal.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da data da citação realizada na ação subjacente, porquanto a r. decisão rescindenda foi desconstituída com base em violação a literal disposição de lei.
Mister esclarecer, outrossim, que os juros de mora e a correção monetária deverão ser calculados na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, sem prejuízo da aplicação da legislação superveniente, observando-se, ainda, quanto à correção monetária, o disposto na Lei n.º 11.960/2009, consoante a Repercussão Geral reconhecida no RE n. º 870.947, em 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux.
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a presente decisão.
Tendo em vista que os autos subjacentes tramitaram perante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Guaíra-SP, oficie-se àquele Juízo dando-lhe ciência do inteiro teor deste acórdão.
Determino, desde já, a expedição de ofício ao INSS, instruído com cópia da petição inicial, dos documentos de identificação da parte autora, da procuração e da íntegra deste acórdão, a fim de que, naquele âmbito, sejam adotadas as providências necessárias à imediata implantação do benefício, nos termos da disposição contida no caput do art. 497 do CPC, o qual encontra correspondência no artigo 461 do CPC de 1973. O aludido ofício poderá ser substituído por email, na forma disciplinada por esta Corte.
Verifico que, desde 16.04.2013, o autor vem percebendo benefício assistencial (LOAS). Determino, pois, a cessação do aludido benefício de amparo social ao idoso, bem como a compensação dos valores que já foram pagos na esfera administrativa.
Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora, a fim de desconstituir a decisão rescindenda, com fulcro no art. 485, inc. V, do CPC de 1973 (correspondente ao art. 966, VII, do CPC) e, em novo julgamento, JULGAR PROCEDENTE o pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida formulado na demanda subjacente.
É o voto.
Fausto De Sanctis
Desembargador Federal
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