Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000585-74.2016.4.03.6110
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
22/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 29/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS
INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Trata-se de ação ajuizada pelo INSS objetivando a devolução de valores indevidamente
recebidos, em virtude de benefício de prestação continuada, considerando-se que o segurado
retornou ao trabalho, o que torna indevida a concessão do amparo assistencial deferido ao
portador de deficiência.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, a controvérsia cinge-se à cobrança pelo INSS dos valores recebidos a título de
benefício de prestação continuada de 25/02/2007 a 31/07/2012, em que autor encontrava-se com
vínculo empregatício e recebeu o benefício.
- Os benefícios de prestação continuada têm como finalidade suprir a ausência da remuneração
do segurado que tem a sua força de trabalho comprometida, não conseguindo exercer suas
ocupações habituais, de modo que o retorno ao exercício de atividade laborativa descaracteriza
tal incapacidade, implicando no seu cancelamento.
- Não se pode olvidar que tal benefício, no valor de 01 (um) salário mínimo, objetiva dar suporte
ao idoso ou ao deficiente a fim de que possa prover a própria subsistência, portanto, revelando-se
o seu caráter nitidamente assistencial.
- Cumpre à Administração, através de procedimento de averiguação e revisão de benefício,
verificar se os requisitos para a manutenção se encontram presentes. Assim, por consequência, o
demandante que exerceu trabalho concomitante ao recebimento do benefício de prestação
continuada, não deve ser compelido a restituição dos valores pagos indevidamente, uma vez que
recebidos de boa-fé.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do autor provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000585-74.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: CLAUDIMIR CARLOS DE MEIRA
Advogado do(a) APELANTE: WAGNER RIZZO - SP146545-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000585-74.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: CLAUDIMIR CARLOS DE MEIRA
Advogado do(a) APELANTE: WAGNER RIZZO - SP146545-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em face do INSS em que objetiva a devolução de valores indevidamente
recebidos, em virtude de benefício de prestação continuada, considerando-se que o segurado
retornou ao trabalho, o que torna indevida a concessão do amparo assistencial deferido ao
portador de deficiência.
Na r. sentença, o dispositivo restou assim consignado:
“(...)
Ante o exposto, ACOLHO o pedido, com resolução de mérito, condenando CLAUDIMIR
CARLOS DE MEIRA à restituição das parcelas recebidas indevidamente a título de benefício
assistencial de amparo ao deficiente, NB 87/505.070.876-8, conforme pedido formulado na
inicial, a serem calculadas na fase de execução da sentença, excluídas as parcelas alcançadas
pela prescrição quinquenal, nos termos do artigo 487, inciso 1, do novo Código de Processo
Civil. Custas ex lege. Condeno o réu em honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por
cento) do valor atualizado atribuído à causa, nos moldes do artigo 85, do NCPC, suspendendo
a execução ante o pedido de gratuidade da justiça, que ora defiro nos termos do artigo 98 do
NCPC. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais.
(...)”. (ID n. 102975489)
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta que os pagamentos do benefício
previdenciário ocorreram em razão de erro administrativo e que os valores foram recebidos de
boa-fé. Argumenta ainda que diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos
alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente.
Sem contrarrazões.
O MPF pugna pelo regular processamento do feito, considerando-se a desnecessidade da sua
intervenção no processo.
É o relatório.
SM
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000585-74.2016.4.03.6110
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: CLAUDIMIR CARLOS DE MEIRA
Advogado do(a) APELANTE: WAGNER RIZZO - SP146545-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o apelo e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal.
DOS FATOS
Extrai-se da exordial que o segurado recebeu benefício de amparo assistencial ao deficiente
(NB n. 87/505070876-8) com DIB em 11/12/2002 e DCB em 31/07/2014, sendo que durante o
ato revisional do benefício, o órgão previdenciário verificou que a existência de vínculo
empregatício, o que acarretou em recebimento irregular do benefício.
Durante o processo de revisão, verificou-se que para comprovar o direito ao benefício
assistencial, o segurado declarou que “(...) tinha sérios problemas de saúde física e que não
dispunha de nenhuma renda, sem condições de exercer quaisquer tipo de trabalho.”.
Acrescente-se que o benefício foi concedido por se enquadrar no requisito “renda per capta
inferior a ¼ do salário mínimo”.
A parte ré foi notificada, assegurando-lhe o direito de defesa, para apresentar documentos que
demonstrassem a regularidade da manutenção do benefício, no entanto, permaneceu silente, o
que acarretou na suspensão do benefício.
O interessado foi comunicado da suspensão do benefício e apresentou recurso, sendo
convocado para avaliação pela perícia médica, que concluiu não haver incapacidade laborativa
para a sua subsistência e que o benefício assistencial fosse cessado imediatamente.
Houve a suspensão do benefício em 30/10/2012, com base no disposto no art. 21-A e par. 1 da
Lei n. 8.742/93 e art. 47 do Decreto 6214/2007.
Nas razões recursais, alegou que desconhecia a impossibilidade de acumular o benefício
assistencial com vínculo empregatício e que não possuía meios de restituir os valores
recebidos.
Na conclusão do procedimento de revisão, a Administração constatou que houve o recebimento
indevido no período de 25/02/2007 a 31/07/2012, no montante de R$ 34.809,27.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
A controvérsia cinge-se à cobrança pelo INSS dos valores recebidos a título de benefício de
prestação continuada de 25/02/2007 a 31/07/2012, em que autor encontrava-se com vínculo
empregatício e recebeu o benefício.
A Lei nº 8.742/93 preconiza, nos arts. 20 a 21-A, que o benefício de prestação continuada é
devido ao portador de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Dispõe o par. 4, do art. 20 da Lei nº 8.742/93,in verbis:
“O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.”.
Certo é que os benefícios de prestação continuada têm como finalidade suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem a sua força de trabalho comprometida, não conseguindo
exercer suas ocupações habituais, de modo que o retorno ao exercício de atividade laborativa
descaracteriza tal incapacidade, implicando no seu cancelamento.
Em que pese tais considerações, não se pode olvidar que tal benefício, no valor de 01 (um)
salário mínimo, objetiva dar suporte ao idoso ou ao deficiente a fim de que possa prover a
própria subsistência, portanto, revelando-se o seu caráter nitidamente assistencial.
De se acrescentar que cumpre à Administração, através de procedimento de averiguação e
revisão de benefício, verificar se os requisitos para a manutenção se encontram presentes.
Assim, por consequência, o demandante que exerceu trabalho concomitante ao recebimento do
benefício de prestação continuada, não deve ser compelido a restituição dos valores pagos
indevidamente, uma vez que recebidos de boa-fé. Nesse sentido, trago à colação as seguintes
jurisprudências:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CESSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE
DEDEVOLUÇÃO DE VALORESRECEBIDOS. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR.
IRREPETIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. Não se aplica o duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico
obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e
as respectivas autarquias e fundações de direito público. (art. 496, § 3º, I, CPC/2015).
2. Obenefício de prestação continuadaé uma garantia constitucional, de caráter assistencial,
previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº
8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de
deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem
de tê-la provida pelo núcleo familiar.
3. No caso dos autos verifica-se que a autora é portadora de necessidades especiais (
deficiente visual) e recebeu o benefício de amparo social, como sendo pessoa portadora de
deficiência incapacitante para o trabalho e impossibilitando de prover a sua subsistência. A data
de início do benefício é 10/02/2002 e a data de cessação é 18/07/2014, em virtude de ter sido
constatadovínculo empregatícioassumido pela autora. Desta forma, o réu exige o ressarcimento
do valor de R$ 65.458,95, pelos valores recebidos indevidamente.
4. O Superior Tribunal de Justiça, em julgado submetido à sistemática dos recursos repetitivos
(art. 543-C do CPC/1973), firmou o posicionamento no sentido de que o benefício previdenciário
recebido em casos de antecipação de tutela posteriormente revogada, obriga o autor da ação a
devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos (REsp 1401560/MT, Rel.
Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em
12/02/2014).
5. O Supremo Tribunal Federal, depois do referido julgamento do STJ, adotou orientação
diversa no que se refere aos benefícios previdenciários, estabelecendo que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo
segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão
de seu caráter alimentar.
6. Não se pode exigir a devolução dos valores recebidos a título de benefício previdenciário,
recebidos de boa-fé pelo beneficiário, visto que se cuida de valor destinado à sua subsistência,
ou de quem afirma deter essa qualidade, pessoas geralmente hipossuficientes e sem condições
materiais de proceder à restituição, vivendo no limite do necessário à sobrevivência com
dignidade.
7. Como a autora, portadora de necessidades especiais, encontra-se no mercado de trabalho
de maneira formal e regular, com anotações na CTPS, sem qualquer indício de manobra para a
permanência do benefício, logo, agiu de boa-fé, cabendo ao INSS, periodicamente, a cada 2
anos, verificar os requisitos para a sua manutenção, procedimento este que não foi realizado.
8. Apelação do INSS não provida.
(TRF1 – Ap. Cível 0030031-59.2015.4.01.3800 – Primeira Turma – Data da publicação:
27/09/2017 – Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA.
REQUISITOS PREENCHIDOS. FIXAÇÃO DE TERMO FINAL. CUMULAÇÃO COM OUTROS
BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DE CONSECTÁRIOS
LEGAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família.
2. Requisito etário preenchido.
3. No tocante à demonstração da miserabilidade, o primeiro Estudo Social produzido enseja o
reconhecimento da presunção de hipossuficiência à época, nos termos do art. 20, § 3º, da Lei n.
8.742/1993.
4. Requisitos preenchidos.
5. Fixação do termo final do benefício assistencial quando do recebimento do benefício da
pensão por morte, por ser inviável a cumulação dos benefícios por expressa proibição legal, nos
termos do artigo 20, §4º, da Lei 8.742/93.
6. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal,
nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal,
aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver
em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da
expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção
desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
7. Os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), arcados por
cada parte em prol do advogado da parte contrária, nos termos do Art. 85, § 14 do Código de
Processo Civil, atendido o disposto no Art. 98, § 3º do mesmo diploma legal, no caso de parte
beneficiária da gratuidade da justiça.
8. Apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº 1.401.560/MT,
entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR,
este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade dedevolução de
valoresrecebidos de boa-fé, em razão de sua natureza alimentar.
9. Apelação do INSS parcialmente provida. Tutela antecipada cassada. Consectários legais
fixados de ofício.
(TRF3 – Ap. Cível 00047000920194039999 – Décima Turma – Data da publicação: 11/03/2020
– Relator: Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR)
Nesse contexto, embora se reconheça que ninguém pode invocar a própria ignorância como
justificativa para o descumprimento da lei, não se verifica má-fé na conduta praticada pelo
autor.
Com efeito, da análise dos autos não se observaqualquer conduta ilícita, fraudulenta ou dolosa
do segurado na manutenção do benefício. O que se apuraé que a irregularidade ocorreu por
equívoco administrativo, em não efetuar a revisão administrativa, para constatar a presença dos
requisitos para a manutenção do benefício.
Sendo assim, ainda que seja indevida o percebimento do benefício de prestação continuada em
concomitância com vínculo empregatício, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos
termos do decidido no Tema 979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à apelação do autor, para afastar a devolução dos valores
recebidos a título de benefício assistencial de amparo ao deficiente, observando os honorários
advocatícios na forma acima fundamentada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS
INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Trata-se de ação ajuizada pelo INSS objetivando a devolução de valores indevidamente
recebidos, em virtude de benefício de prestação continuada, considerando-se que o segurado
retornou ao trabalho, o que torna indevida a concessão do amparo assistencial deferido ao
portador de deficiência.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, a controvérsia cinge-se à cobrança pelo INSS dos valores recebidos a título de
benefício de prestação continuada de 25/02/2007 a 31/07/2012, em que autor encontrava-se
com vínculo empregatício e recebeu o benefício.
- Os benefícios de prestação continuada têm como finalidade suprir a ausência da remuneração
do segurado que tem a sua força de trabalho comprometida, não conseguindo exercer suas
ocupações habituais, de modo que o retorno ao exercício de atividade laborativa descaracteriza
tal incapacidade, implicando no seu cancelamento.
- Não se pode olvidar que tal benefício, no valor de 01 (um) salário mínimo, objetiva dar suporte
ao idoso ou ao deficiente a fim de que possa prover a própria subsistência, portanto, revelando-
se o seu caráter nitidamente assistencial.
- Cumpre à Administração, através de procedimento de averiguação e revisão de benefício,
verificar se os requisitos para a manutenção se encontram presentes. Assim, por consequência,
o demandante que exerceu trabalho concomitante ao recebimento do benefício de prestação
continuada, não deve ser compelido a restituição dos valores pagos indevidamente, uma vez
que recebidos de boa-fé.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Apelação do autor provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
