Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0003235-27.2016.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO
Órgão Julgador
1ª Turma
Data do Julgamento
23/08/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 26/08/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO
ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO GRAVE DO INSS.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CONFIGURADA. DANOS MORAIS DEVIDOS.
REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º-F DA LEI Nº
9.494/1997, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.690/2009. INCONSTITUCIONALIDADE.
APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Trata-se de ação ordinária na qual o INSS foi condenado
ao pagamento de indenização por danos morais à autora, portadora de neuromielite óptica e
tetraplegia espástica, em razão do indeferimento de benefício previdenciário após constatação de
capacidade laboral em perícia, em desacordo com o quadro clínico detalhado pelo próprio perito.
2. É firme a Jurisprudência desta Corte no sentido de que o mero indeferimento de benefício
previdenciário não é suficiente para a caracterização da responsabilidade civil da autarquia,
sendo necessário que se verifique, in casu, conduta em tal dissonância com os preceitos da
Administração Pública que seja suficiente para ensejar sua responsabilidade civil. No caso, a
gravidade do quadro clínico da apelada evidencia o erro grosseiro presente na primeira conclusão
pericial, o que foi constatado em exame posterior pela própria autarquia, visto que os pagamentos
retroagiram à data da primeira perícia. 3. é inegável que a injusta negativa do benefício
previdenciário e a demora excessiva na análise do recurso administrativo interposto configuram
ato estatal apto a ensejar dano moral à segurada, que se viu impossibilitada de exercer sua
profissão e sem o respaldo da Previdência Social, para a qual contribuiu, no momento de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
vulnerabilidade. Ainda que ela tenha recebido os valores devidos retroativamente, é inegável que
todo o tempo em que permaneceu acamada e doente sem perceber os valores necessários à sua
subsistência causou abalo psíquico que excede, e muito, o mero dissabor. 4. Quanto ao
arbitramento do dano moral, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, na fixação do
valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível
cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade
do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do
ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima (REsp 355392/RJ, rel.
Min. Castro Filho, j. 26.03.02). 5. Considerando as especificidades do caso, é devida a redução
do quantum indenizatório, a fim de evitar o enriquecimento sem causa da vítima e a punição
desproporcional ao causador do dano. 6. Acerca da atualização do débito, a aplicação do IPCA-E
garante a efetividade da correção monetária dos valores cogitados, já que é o índice capaz de
concretamente refletir a inflação apurada no período e recompor, assim, o poder da moeda. 6.
Incabível, portanto, a modificação do julgado para determinação da incidência do art. 1º-F da Lei
n° 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, ante a sua inconstitucionalidade. 7.
Apelação provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003235-27.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA CARVALHO RUSSO MATOS
Advogados do(a) APELADO: LAIS GONCALVES VELLOZO - SP351729-A, NATALIE SENE -
SP318450-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003235-27.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA CARVALHO RUSSO MATOS
Advogados do(a) APELADO: LAIS GONCALVES VELLOZO - SP351729-A, NATALIE SENE -
SP318450-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ordinária movida porGABRIELA CARVALHO RUSSO MATOS contra o
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS pretendendoa condenação da autarquia
ao pagamento de indenização por danos morais por erro no indeferimento de auxílio-doença,
em razão da constatação, por perito oficial, de capacidade laborativada apelada em 14.04.2015,
apesar deseu diagnóstico detetraplegia espástica e neuromielite ótica desde 2013;bem como
por embaraçar o recebimento do benefício, exigindo documentos desnecessários, recusando
procuração outorgada ao seu cônjuge e oferecendo informações incongruentes que resultaram
eminúmeros deslocamentos da apelada, doente e em cadeira de rodas (ID 75939765 - f. 4-20).
Após contestação do INSS, saneamento e instrução processual, foi prolatada sentença que
julgou"PROCEDENTE O PEDIDO, condenando a ré ao pagamento da quantia de R$ 200.00,00
(duzentos mil reais). Juros moratórios de 6% ao ano a contar de 14 de abril de 2014 (data do
principal evento danoso). Correção na forma do Manual dos Cálculos da Justiça Federal."(ID
75939766 - f. 74-80).
A autarquia federal interpôs apelação (ID 75939766 - f. 89-103), arguindo, em suma, a ausência
de nexo causalentre a atuação de seus agentes e o dano alegado, bem como a ausência da
alegada demora para concessão do benefício. Aduziu que, por ocasião doprimeiro
requerimentoem 21.10.2013, com agendamento para perícia em 14.11.2013, não há prova de
que a apeladapostulouque o ato fosse realizado no hospital onde estava internada, sendo
imprescindível o exame pessoal. Afirmou que todas as perícias efetuadas constataram
incapacidade, em 04/2015, quando concedido o auxílio-doença, e em 10/2015, quando atestada
a irreversibilidade do quadro clínico. Sustentou que concedeu os benefícios quando verificou
subsídios para tanto e que sua conduta foi lícita, bem como que não houvedano moral, pois não
configurada violação a direito fundamental da apelada. Subsidiariamente, impugnou o valor
atribuído à indenização, arguindo que não foram consideradas a concessão do benefício após a
perícia, com manutenção da renda familiar,e a situação econômica da apelada, convertendo-
seem fonte de enriquecimento ilícito às custas do erário público. No mais, insurgiu-se contra a
aplicação do Manual de Cálculos da Justiça Federal, devendo ser observado o art. 1º-F da Lei
n. 9.494/1997 para as parcelas em atraso.
Contrarrazões da apelada (ID 75939766 - f. 120-8).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0003235-27.2016.4.03.6100
RELATOR:Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GABRIELA CARVALHO RUSSO MATOS
Advogados do(a) APELADO: LAIS GONCALVES VELLOZO - SP351729-A, NATALIE SENE -
SP318450-A
V O T O
Inicialmente, assiste razão à apelada quanto à preclusão da prova documental trazida pelo
INSS com a apelação (ID 75939766 – f. 104-117), uma vez que não se tratam de documentos
novos na forma do art. 435 do CPC, nem o apelante apresentou justificativa de eventual
impossibilidade de acesso ou disponibilidade no momento processual oportuno. Do contrário,
são documentos emitidos pela própria autarquia, que poderiam ter sido acostados com a
defesa, conforme determina o art. 434 do CPC.
Apesar disso, não vejo necessidade de desentranhamento dos autos, uma vez que o conteúdo
de maior relevância (laudos médicos periciais) já havia sido juntado pela própria apelada com a
inicial. O CNIS (f. 104-108), embora ainda não constasse dos autos, não traz informações aptas
a influir no convencimento do Juízo. Portanto, deixo de determinar o desentranhamento dos
documentos e passo à análise do mérito recursal.
Pretende a autarquia federal a reforma da sentença proferida em primeiro grau, com
fundamento na inexistência de ato ilícito de sua parte na demora/indeferimento do auxílio-
doença requerido pela apelada e na inocorrência de dano moral. Subsidiariamente, impugnou o
montante indenizatório fixado em sentença (R$ 200.000,00), assim como o parâmetro de
atualização e remuneração monetária estabelecido (Manual de Cálculos da JF).
Pois bem. É pacífico na jurisprudência que o indeferimento de benefício pelo INSS, em regra,
não é apto a gerar dano moral, sobretudo porque é da própria atribuição da autarquia a
verificação da existência – ou inexistência – dos requisitos legais exigidos para a concessão da
benesse previdenciária. Nesse sentido, eis outro julgado de minha relatoria:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE NA SENTENÇA. INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONDUTA LÍCITA DO INSS. AUSÊNCIA DE
RESPONSABILIDADE CIVIL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 3.É firme a Jurisprudência desta
Corte no sentido de que o mero indeferimento de benefício previdenciário não é suficiente para
a caracterização da responsabilidade civil da autarquia,sendo necessário que se verifique, in
casu, conduta em tal dissonância com os preceitos da Administração Pública que seja suficiente
para ensejar sua responsabilidade civil, bem como que o atraso na implementação de benefício
previdenciário é lesão reparável por meio do pagamento retroativo da benesse, não sendo
possível a condenação ao pagamento de indenização por danos morais ou materiais
decorrentes unicamente deste evento. Precedentes. 4.No caso dos autos, verifica-se ser
incontroverso que o apelante requereu a concessão de aposentadoria por tempo de serviço em
24/07/1998, que restou indeferido porque, no entender da autarquia, o requerente não
preenchia os requisitos para tanto, uma vez que ele contava, à época, com tempo de serviço de
27 anos, 07 meses e 10 dias, tendo o indeferimento sido pautado em normativa interna à
autarquia, a Ordem de Serviço nº 600. Sobreveio liminar em ação civil pública suspendendo os
efeitos do ato normativo em questão, tendo, inclusive, sido acolhido o recurso administrativo do
segurado, de modo que o benefício previdenciário veio a ser implementado. 5.Assim, verifica-se
que a conduta do INSS foi justificada diante da existência de ato normativo então vigente e da
adoção de tese jurídica razoável e contrária à pretensão do apelante, que depois veio a ser
modificada quando da apreciação do seu recurso administrativo, de modo que não se verifica a
ilicitude do ato necessária a ensejar a sua responsabilidade civil no evento, ainda mais porque o
meio adequado para que a parte perceba o dinheiro que deixou de receber naquele período é o
pagamento retroativo do benefício previdenciário, e não eventual indenização a este título.
6.Apelação não provida.
Na espécie, não obstante os argumentos trazidos pelo apelante, tenho que o conjunto
probatório indica que de fato houve situação excepcional que justifica a responsabilização civil
do INSS, à luz do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, como entendeu o magistrado de 1º
grau. E isso porque os laudos de perícia médica oficial de ID 75939765, f. 52 e 53, lavrados em
14/04/2015 e 08/10/2015, respectivamente, não deixam dúvidas acerca do erro perpetrado pela
autarquia.
Como se depreende do histórico e exame físicos descritos nos laudos, não houve alteração
significativa no quadro clínico da apelada que justificasse conclusões diferentes em cada
ocasião. Em abril de 2015, quando não se reconheceu incapacidade laboral, ela já se
encontrava tetraplégica, acamada, na dependência de terceiros, alimentando-se por sonda e
cega, em razão da neuromielite óptica com a qual foi diagnosticada, exatamente o mesmo
quadro verificado na perícia seguinte, em outubro.
Considerando a gravidade do quadro apresentado pela apelada, inclusive descrito pelo próprio
médico perito do INSS, é evidente o erro grosseiro presente na conclusão pericial emitida em
14/04/2015, negando à autora benefício ao qual já tinha direito. Neste ponto, não foi
apresentada pelo apelante qualquer justificativa para a diferença de conclusão acerca da
incapacidade, apesar do quadro clínico semelhante. Do contrário, a autarquia afirma que teria
sido constatada a incapacidade também naquele ato (ID 75939766 – f. 90) – o que não foi, visto
que o benefício foi concedido somente em outubro de 2015, retroativamente a abril (ID
75939765 – f. 105).
Soma-se a isso o fato de que, interposto recurso administrativo pela segurada (ID 75939765 – f.
57-69) em 19/05/2015, tal discrepância não foi corrigida tempestivamente pela autarquia, ou
seja, dentro do prazo legal para análise do recurso (30 dias). O extrato de f. 74 do mesmo ID
supracitado indica que, apesar do protocolo do recurso naquela data, o pedido apenas foi
encaminhado em 11/11/2015, ou seja, após a exposição do caso na mídia (f. 10), quando a
apelada foi contatada pela autarquia para realização de nova perícia.
Nesse caso, é inegável que a injusta negativa do benefício previdenciário e a demora excessiva
na análise do recurso administrativo interposto configuram ato estatal apto a ensejar dano moral
à apelada, que se viu impossibilitada de exercer sua profissão e sem o respaldo da Previdência
Social, para a qual contribuiu, no momento de vulnerabilidade. Assim, como bem reconheceu o
juízo a quo, a responsabilidade civil no caso configura-se independentemente de culpa, por ser
objetiva.
Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “Nessa teoria, a ideia de culpa é substituída pela de
nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo
administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma
regular ou irregular. Constituem pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado: (a) que
seja praticado um ato lícito ou ilícito, por agente público; (b) que esse ato cause dano específico
(porque atinge apenas um ou alguns membros da coletividade) e anormal (porque supera os
inconvenientes normais da vida em sociedade, decorrentes da atuação estatal); (c) que haja um
nexo de causalidade entre o ato do agente público e o dano. É chamada teoria da
responsabilidade objetiva, precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos
(culpa ou dolo); é também chamada teoria do risco, porque parte da ideia de que a atuação
estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente. Causado o dano, o Estado responde como
se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando
os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo (cf. Cretella Júnior, 1970, v.
8, p. 69-70).” (Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 33. ed. – Rio de Janeiro:
Forense, 2020. p. 835)
Configurados, portanto, a conduta lesiva e o nexo de causalidade, também se afigura presente
o dano moral. Como dito, a apelada, já em situação de extrema desvantagem, foi privada do
recebimento do benefício a que fazia jus por erro injustificado do apelante, o qual foi corrigido
apenas sete meses depois. Ainda que ela tenha recebido os valores devidos retroativamente, é
inegável que todo o tempo em que permaneceu acamada e doente sem perceber os valores
necessários à sua subsistência causou abalo psíquico que excede, e muito, o mero dissabor.
Como registrado na sentença (ID 75939766 – f. 78-79): “A autora estava em situação de
extrema debilidade e nessa condição foi atingida pela reiterada desídia do INSS. Ao longo de
um período expressivo ficou a autora sem perceber benefício - quando mais precisava - e
sujeitando-se a idas e vindas em busca do mesmo. A mal sofrido foi grave e de longa duração,
gerando transtornos para si e para terceiros, agravando a situação da autora que além de
depender dos outros para as atividades mais básicas, passou a onerar financeiramente outras
pessoas. Antes do problema de saúde, era psicóloga, tinha renda própria e independência não
apenas financeira, mas igualmente para a rotina habitual. Suprimida a capacidade de
deambular, de alimentar-se e de enxergar, veio, ainda, infelizmente, o peso das despesas e a
ausência de receita, esta última que deveria ter sido suprida pelo benefício a que fazia jus e foi
injustamente negado, não apenas em uma perícia inexplicável, mas ainda mediante o
tratamento dispensado pela autarquia à necessitada. Por outro lado, o mal-estar causado pelo
INSS não foi o único fator de sofrimento, pois a própria enfermidade, dada sua manifesta
gravidade, já a colocara em uma situação complicadíssima que não pode ser desconsiderada.
Não foi o descaso do réu que gerou, sozinho, todo o mal experimentado. A autarquia agravou
um estado de coisas já muito ruim, mas não o gerou isoladamente.”
Portanto, presentes estão os pressupostos da responsabilidade civil da autarquia federal, não
havendo que se falar em reforma da sentença neste ponto.
Prosseguindo, o apelante ainda impugnou o valor fixado a título de indenização por danos
morais na sentença, no importe de R$ 200.000,00 (ID 75939766 – f. 79). E, aqui, entendo que
assiste razão ao recorrente.
Como se sabe, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, na fixação do valor da
condenação por dano moral, deve o julgador atender a certos critérios, tais como nível cultural
do causador do dano; condição sócio-econômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo
ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa; efeitos do dano no psiquismo do ofendido e
as repercussões do fato na comunidade em que vive a vítima (REsp 355392 / RJ, rel. Min.
Castro Filho, j.26.03.02).
No caso, deve-se considerar que a apelada não percebe benefício de valor elevado (R$
2.713,37 em 11/2015, conforme ID 75939765 – f. 104), de modo que a manutenção do valor
fixado é passível de causar o enriquecimento despropositado, com o qual o ordenamento
jurídico não coaduna. Além disso, como apontado pelo magistrado a quo, a privação da renda,
por conduta do INSS, a que ela fazia jus por sete meses, embora seja circunstância grave e
apta a lesar moralmente a autora, não foi, por si só, a causa do sofrimento que passou,
agravado pela própria doença.
Ainda deve-se ter em consideração o fato de que seu esposo e representante legal também
postulou indenização por dano moral perante esta Justiça Federal, pelos mesmos fatos
narrados na inicial destes autos, ação que foi julgada procedente com fixação de indenização
em R$ 20.000,00 (ID 75939766 – f. 56-59), sendo certo presumir que o sofrimento
experimentado pela apelada, debilitada e dependente, mas completamente lúcida (conforme
atestado às f. 81 e 84 – ID 75939765), foi superior àquele imposto àqueles ao seu redor.
Diante disso, tenho que a fixação da indenização no importe de R$ 40.000,00 é apta a
compensar o sofrimento da vítima e a punir e desestimular práticas semelhantes pelo causador
do dano. Importância menor não se prestaria a fazê-lo, enquanto importância maior poderia
acarretar enriquecimento indevido da apelada e punição desproporcional do apelante.
Assim, a sentença deve ser reformada para reduzir o montante indenizatório arbitrado, nos
moldes dos fundamentos supra.
Por fim, quanto aos parâmetros de correção monetária e incidência de juros de mora, o
apelante pretende a aplicação do art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, com a redação dada pela Lei n.
11.960/2009, que lê: “Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública,
independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do
capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento,
dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”
Contudo, a sentença, que estabeleceu a atualização pelo Manual de Cálculos da Justiça
Federal e juros de mora de 6% ao ano, não merece reparos neste ponto.
Isto porque a aplicação do IPCA-E garante a efetividade da correção monetária dos valores
cogitados, já que é o índice capaz de concretamente refletir a inflação apurada no período e
recompor, assim, o poder da moeda. É bem verdade que, no julgamento de questão de ordem
movimentada na ADI n. 4.425, o Egrégio Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos do
reconhecimento da inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária.
Pontificou a Suprema Corte que, para os precatórios expedidos antes da sessão de julgamento
da questão de ordem, ocorrida em 25.03.2015, ficaria mantida a TR como índice de correção
monetária, ao passo que para os expedidos após a ocorrência da referida sessão de
julgamento, o IPCA-E corresponderia ao índice a ser adotado. Eis a ementa do julgado a que
faço alusão:
QUESTÃO DE ORDEM. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS DE DECISÃO
DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE (LEI 9.868/99, ART. 27). POSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE ACOMODAÇÃO OTIMIZADA DE VALORES CONSTITUCIONAIS
CONFLITANTES. PRECEDENTES DO STF. REGIME DE EXECUÇÃO DA FAZENDA
PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009. EXISTÊNCIA
DE RAZÕES DE SEGURANÇA JURÍDICA QUE JUSTIFICAM A MANUTENÇÃO
TEMPORÁRIA DO REGIME ESPECIAL NOS TERMOS EM QUE DECIDIDO PELO PLENÁRIO
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A modulação temporal das decisões em controle
judicial de constitucionalidade decorre diretamente da Carta de 1988 ao consubstanciar
instrumento voltado à acomodação otimizada entre o princípio da nulidade das leis
inconstitucionais e outros valores constitucionais relevantes, notadamente a segurança jurídica
e a proteção da confiança legítima, além de encontrar lastro também no plano
infraconstitucional (Lei nº 9.868/99, art. 27). Precedentes do STF: ADI nº 2.240; ADI nº 2.501;
ADI nº 2.904; ADI nº 2.907; ADI nº 3.022; ADI nº 3.315; ADI nº 3.316; ADI nº 3.430; ADI nº
3.458; ADI nº 3.489; ADI nº 3.660; ADI nº 3.682; ADI nº 3.689; ADI nº 3.819; ADI nº 4.001; ADI
nº 4.009; ADI nº 4.029. 2. In casu, modulam-se os efeitos das decisões declaratórias de
inconstitucionalidade proferidas nas ADIs nº 4.357 e 4.425 para manter a vigência do regime
especial de pagamento de precatórios instituído pela Emenda Constitucional nº 62/2009 por 5
(cinco) exercícios financeiros a contar de primeiro de janeiro de 2016. 3. Confere-se eficácia
prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como
marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e
mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: (i) fica mantida
a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos
termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (a) os créditos
em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial
(IPCA-E) e (b) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a
Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e (ii) ficam resguardados os precatórios
expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº
12.919/13 e nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária. 4. Quanto
às formas alternativas de pagamento previstas no regime especial: (i) consideram-se válidas as
compensações, os leilões e os pagamentos à vista por ordem crescente de crédito previstos na
Emenda Constitucional nº 62/2009, desde que realizados até 25.03.2015, data a partir da qual
não será possível a quitação de precatórios por tais modalidades; (ii) fica mantida a
possibilidade de realização de acordos diretos, observada a ordem de preferência dos credores
e de acordo com lei própria da entidade devedora, com redução máxima de 40% do valor do
crédito atualizado. 5. Durante o período fixado no item 2 acima, ficam mantidas (i) a vinculação
de percentuais mínimos da receita corrente líquida ao pagamento dos precatórios (art. 97, § 10,
do ADCT) e (ii) as sanções para o caso de não liberação tempestiva dos recursos destinados
ao pagamento de precatórios (art. 97, §10, do ADCT). 6. Delega-se competência ao Conselho
Nacional de Justiça para que considere a apresentação de proposta normativa que discipline (i)
a utilização compulsória de 50% dos recursos da conta de depósitos judiciais tributários para o
pagamento de precatórios e (ii) a possibilidade de compensação de precatórios vencidos,
próprios ou de terceiros, com o estoque de créditos inscritos em dívida ativa até 25.03.2015, por
opção do credor do precatório. 7. Atribui-se competência ao Conselho Nacional de Justiça para
que monitore e supervisione o pagamento dos precatórios pelos entes públicos na forma da
presente decisão." (grifei) (ADI 4425 QO, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
25/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-152 DIVULG 03-08-2015 PUBLIC 04-08-2015)
O precatório que será expedido com relação a esta demanda será posterior à data colocada
pela Suprema Corte como marco temporal para a modulação de efeitos do reconhecimento da
inconstitucionalidade da TR. Nessa condição, a adoção do IPCA-E como índice de correção
monetária seria medida adequada também por essa ótica.
Por fim, cumpre registrar que a discussão instaurada no âmbito do Recurso Extraordinário n.
870.947/SE referente à possível modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade
antes proferida foi definitivamente encerrada com a rejeição, pelo Plenário do Pretório Excelso,
dos embargos de declaração opostos com esta finalidade, em julgamento concluído em
03/10/2019. Incabível, portanto, a modificação do julgado para determinação da incidência do
art. 1º-F da Lei n° 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009, como pretende o
INSS.
Portanto, conheço e dou parcial provimento à apelação, apenas para reduzir o valor da
indenização por danos morais arbitrado na sentença para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais),
nos termos da fundamentação.
Considerando que, de acordo com a Súmula 326 do STJ, “na ação de indenização por dano
moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência
recíproca”, sendo o recurso acolhido unicamente em relação ao quantum indenizatório, deixo de
arbitrar honorários em favor do apelante.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDEFERIMENTO
ADMINISTRATIVO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO GRAVE DO INSS.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CONFIGURADA. DANOS MORAIS DEVIDOS.
REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º-F DA LEI Nº
9.494/1997, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.690/2009. INCONSTITUCIONALIDADE.
APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Trata-se de ação ordinária na qual o INSS foi condenado
ao pagamento de indenização por danos morais à autora, portadora de neuromielite óptica e
tetraplegia espástica, em razão do indeferimento de benefício previdenciário após constatação
de capacidade laboral em perícia, em desacordo com o quadro clínico detalhado pelo próprio
perito. 2. É firme a Jurisprudência desta Corte no sentido de que o mero indeferimento de
benefício previdenciário não é suficiente para a caracterização da responsabilidade civil da
autarquia, sendo necessário que se verifique, in casu, conduta em tal dissonância com os
preceitos da Administração Pública que seja suficiente para ensejar sua responsabilidade civil.
No caso, a gravidade do quadro clínico da apelada evidencia o erro grosseiro presente na
primeira conclusão pericial, o que foi constatado em exame posterior pela própria autarquia,
visto que os pagamentos retroagiram à data da primeira perícia. 3. é inegável que a injusta
negativa do benefício previdenciário e a demora excessiva na análise do recurso administrativo
interposto configuram ato estatal apto a ensejar dano moral à segurada, que se viu
impossibilitada de exercer sua profissão e sem o respaldo da Previdência Social, para a qual
contribuiu, no momento de vulnerabilidade. Ainda que ela tenha recebido os valores devidos
retroativamente, é inegável que todo o tempo em que permaneceu acamada e doente sem
perceber os valores necessários à sua subsistência causou abalo psíquico que excede, e muito,
o mero dissabor. 4. Quanto ao arbitramento do dano moral, é firme a orientação jurisprudencial
no sentido de que, na fixação do valor da condenação por dano moral, deve o julgador atender
a certos critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição sócio-econômica do
ofensor e do ofendido; intensidade do dolo ou grau da culpa (se for o caso) do autor da ofensa;
efeitos do dano no psiquismo do ofendido e as repercussões do fato na comunidade em que
vive a vítima (REsp 355392/RJ, rel. Min. Castro Filho, j. 26.03.02). 5. Considerando as
especificidades do caso, é devida a redução do quantum indenizatório, a fim de evitar o
enriquecimento sem causa da vítima e a punição desproporcional ao causador do dano. 6.
Acerca da atualização do débito, a aplicação do IPCA-E garante a efetividade da correção
monetária dos valores cogitados, já que é o índice capaz de concretamente refletir a inflação
apurada no período e recompor, assim, o poder da moeda. 6. Incabível, portanto, a modificação
do julgado para determinação da incidência do art. 1º-F da Lei n° 9.494/1997, com redação
dada pela Lei nº 11.960/2009, ante a sua inconstitucionalidade. 7. Apelação provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por
unanimidade, conheceu e deu parcial provimento à apelação, apenas para reduzir o valor da
indenização por danos morais arbitrado na sentença para R$ 40.000,00 (quarenta mil reais),
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
