Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003983-77.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
01/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 08/07/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício
previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração
da Previdência Social”, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos
segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em
interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o
desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido."
- Em auditoria, a autarquia concluiu que deixou de realizar pesquisas aos sistemas CNIS e não
vislumbrou a ausência de comprovação do labor rural em período imediatamente anterior ao
requerimento ou à data em que implementou a idade.
- Consta, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da concessão, houve atuação, com
descumprimento da legislação previdenciária, pelo servidor do INSS ROGÉRIO FLÁVIO DE
QUEIROZ BILINI, matrícula 1424394 (ID 1543132, p. 68), não havendo qualquer demonstração
de que a segurada falecida tenha agido com dolo ou má-fé. Diante do recebimento de valores de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
boa-fé objetiva, mantenho a decretação de inexigibilidade do débito.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Recurso autárquico improvido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003983-77.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADAIR SOARES BARBAI, NAIR SOARES BARBAI FREIRE, APARECIDA BARBAI
LELIS
Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A
Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A
Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A
OUTROS PARTICIPANTES:
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003983-77.2017.4.03.9999
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APELADO: ADAIR SOARES BARBAI, NAIR SOARES BARBAI FREIRE, APARECIDA BARBAI
LELIS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
– INSS, em ação ajuizada pelos herdeiros da segurada IRACI JESUS BARBAI, objetivando a
declaração de inexigibilidade da devolução dos valores por ela recebidos a títulos de
aposentadoria por idade, concedida em 23.12.04.
Sustentam que o requerido considerou a concessão do benefício irregular e está cobrando dos
herdeiros o ressarcimento do valor de R$ 21.245,30. Aduzem ser inviável a restituição de
valores pagos pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos e que não está provada a má-fé
da titular do benefício no ato da concessão.
Foi deferida tutela antecipada para abster o requerido de praticar qualquer ato de cobrança e
eventual inscrição dos nomes dos autores nos cadastros de inadimplentes até o julgamento
final.
Em contestação, o INSS sustenta que houve irregularidade na concessão do benefício, visto
que a documentação apresentada não foi suficiente para comprovar a qualidade de segurada,
resultando, inclusive, em abertura de processo administrativo disciplinar em relação ao servidor
responsável e aplicação de pena de demissão.
A sentença julgou procedente e declarou a inexigibilidade do débito referente ao benefício de
aposentadoria rural (NB 41/126.458.497-8), no valor de R$ 21.245,30 (Vinte e um mil, duzentos
e quarenta e cinco reais e trinta centavos), bem como determinou a exclusão dos nomes dos
autores, eventualmente, lançados nos órgãos de proteção ao crédito público ou privado em
razão do débito questionado, confirmando a tutela antecipada concedida. Condenou o Instituto
requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, no equivalente a 10% do valor atualizado
da causa, com fulcro no art. 85, §§2º e 4º, inciso III, do CPC, considerando o trabalho realizado,
o zelo profissional e o tempo decorrido para a prestação jurisdicional (ID 1543133, p. 102).
Em suas razões recursais, o INSS requer a reforma da sentença e prequestiona a matéria para
fins recursais (ID 1543133, p. 113).
Foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório
as
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003983-77.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADAIR SOARES BARBAI, NAIR SOARES BARBAI FREIRE, APARECIDA BARBAI
LELIS
Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A
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Advogado do(a) APELADO: ALYNE ALVES DE QUEIROZ - MS10358-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, tempestivo o apelo e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
DOS FATOS
Contam os autores na exordial, que sua genitora, a segurada Iraci Jesus Barbai, falecida em
16.05.12, era titular de benefício previdenciário de aposentadoria por idade, concedido em
23.12.04 (41/126.458.497-8), tendo recebido as mensalidades até a data do óbito.
Aos 07.03.16, os autores receberam da autarquia uma Carta com a cobrança do valor de R$
21.245,30, referentes a valores recebidos indevidamente a título de benefício.
Sustentam que os valores pagos possuíam caráter alimentar e, portanto, são irrepetíveis.
Ao que se depreende do Relatório Individual emitido pela Gerência Executiva do INSS de
Campo Grande/MS, em 08.04.13, a autarquia, em reanálise às peças concessórias e os dados
constantes no CNIS, vislumbrou, em resumo, as seguintes irregularidades quando da
concessão do benefício (ID 1543132, p. 45):
Ausência de pesquisa CNIS ao processo;
Ausência de comprovação de atividade rural em período imediatamente anterior ao
requerimento, na foram da legislação vigente à época da concessão;
Não consta Declaração de Sindicato Rural;
Consta no Resumo para cálculo do Tempo de Contribuição o período de 01.02.85 a 30.11.00,
sem efetiva comprovação.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DO ATO ILÍCITO
Todo aquele que cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta
ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002:
“Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação
que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187). causar dano a outrem. fica obrigado a
repará-lo.”
No que concerne à Previdência Social, é prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização
do INSS para descontar de benefícios os valores outrora pagos indevidamente:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II – pagamento de benefício além do
devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser
o regulamento, salvo má-fé”.
Também, no Decreto n. 3.048/99:
“Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II – pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06).”
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
Em minuciosa análise à documentação constante no vertente feito, verifico que o cancelamento
do benefício se deu por reconhecimento de erro administrativo quando da concessão.
Em auditoria, a autarquia concluiu que não houve comprovação do exercício da atividade rural,
no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou à data em que implementou
a idade (ID 1543132, p. 46).
Por fim, consta, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da concessão, houve
atuação, com descumprimento da legislação previdenciária, pelo servidor do INSS ROGÉRIO
FLÁVIO DE QUEIROZ BILINI, matrícula 1424394 (ID 1543132, p. 68), não havendo qualquer
demonstração de que a segurada falecida tenha agido com dolo ou má-fé.
Diante do recebimento de valores de boa-fé objetiva, mantenho a decretação de inexigibilidade
do débito.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento à apelação autárquica, observada a verba honorária na forma
acima explicitada.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. VALORES
RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA. RESSARCIMENTO AO
ERÁRIO. BOA FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos
indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não
embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis,
sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao
segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto,
comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível
constatar o pagamento indevido."
- Em auditoria, a autarquia concluiu que deixou de realizar pesquisas aos sistemas CNIS e não
vislumbrou a ausência de comprovação do labor rural em período imediatamente anterior ao
requerimento ou à data em que implementou a idade.
- Consta, no Relatório Conclusivo da Auditoria, que, quando da concessão, houve atuação, com
descumprimento da legislação previdenciária, pelo servidor do INSS ROGÉRIO FLÁVIO DE
QUEIROZ BILINI, matrícula 1424394 (ID 1543132, p. 68), não havendo qualquer demonstração
de que a segurada falecida tenha agido com dolo ou má-fé. Diante do recebimento de valores
de boa-fé objetiva, mantenho a decretação de inexigibilidade do débito.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- Recurso autárquico improvido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação autárquica, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
