
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014196-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: MIGUEL DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014196-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: MIGUEL DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, nas modalidades integral ou proporcional, bem como o pedido sucessivo de aposentadoria por idade rural. A decisão deixou de reconhecer como tempo de serviço o labor rural alegado no período de 1962 a 1991 e condenou o autor ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, observada, contudo, a gratuidade da justiça.
Nas razões recursais, o autor sustenta que a sentença não merece prosperar, pois haveria início de prova material consistente na certidão de casamento, na qual foi qualificado como lavrador, e nos registros rurais constantes de sua CTPS, documentos que deveriam ser ampliados pela prova testemunhal. Argumenta que a jurisprudência do C. STJ admite a utilização de prova material remota, desde que corroborada por testemunhos idôneos, inclusive para períodos anteriores ao documento mais antigo apresentado. Ressalta que a testemunha Maria Godoi confirmou o exercício de labor rural na Fazenda Boa Vista, entre 1964 e 1990, circunstância que comprovaria o trabalho no campo por mais de 15 anos.
Requer, assim, a reforma integral da sentença para o reconhecimento do tempo de serviço rural e a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou, subsidiariamente, do benefício de aposentadoria por idade rural, à vista do conjunto probatório coligido.
O INSS não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014196-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: MIGUEL DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: HELDER ANDRADE COSSI - SP286167-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo o apelo por atender aos requisitos de admissibilidade.
A controvérsia reside na comprovação do tempo de serviço rural, supostamente exercido de forma ininterrupta, no período de 1962 a 1991. A sentença não reconheceu o período rural, sob o fundamento de que a prova testemunhal apresentada foi insuficiente para corroborar o alegado labor.
O recorrente insiste em seu direito, sustentando que a certidão de casamento, na qual foi qualificado como lavrador, constitui início de prova material que, somada à prova testemunhal, seria suficiente para comprovar o período requerido.
Da insuficiência do conjunto probatório e da aplicação do Tema 629/STJ
Ainda que a certidão de casamento possa servir como indício de atividade rural, ela não é suficiente para comprovar o exercício ininterrupto da atividade pelo longo período de quase 30 anos.
O autor não trouxe outros documentos que servissem como início de prova material para o período anterior a 1974.
Além disso, a prova documental existente demonstra que o autor teve vínculos de trabalho urbano entre 1977 e 1987, o que afasta a alegação de labor rural ininterrupto.
A prova testemunhal também se mostrou frágil, não sendo capaz de preencher a lacuna probatória.
A apelação se pauta na alegação de que o depoimento de Maria Godoi seria apto a confirmar o trabalho rural do autor por mais de 15 anos. No entanto, a análise do depoimento dessa testemunha revela sua completa falta de precisão. Conforme transcrição da audiência, a Magistrada questionou-a sobre as datas de seu trabalho, mas ela não conseguiu fornecer uma única informação concreta. Senão, vejamos:
Magistrada: “A senhora não sabe nem precisar? Que ano, quantos anos a senhora tem agora? A senhora não sabe calcular mais ou menos?”
Maria Godoi: “Tenho 62 anos.”
Magistrada: “Aí a senhora falou desde uns 11?”
Maria Godoi: “É, uns 15 anos. Trabalhei e depois vim embora para Varginha e ele ficou.”
A incapacidade de precisar as datas e os eventos-chave se repete:
Magistrada: “Quando que a senhora veio embora pra Varginha?”
Maria Godoi: “Ah, eu vim embora primeiro do que ele.”
Magistrada: “Mas quando a senhora veio, que ano a senhora veio?”
Maria Godoi: “Ah, eu vim embora pra cá primeiro do que ele. Ele casou, ficou na fazenda.”
Magistrada: “Que ano a senhora veio para cá?”
Maria Godoi: “Uns 15 anos, uns 15 anos trabalhei lá. Vim pra cá. Tinha uns 15 anos mais ou menos. Uns 15 anos.”
A testemunha, por fim, admitiu a sua falta de memória para datas:
Magistrada: “Eu não tô entendendo. A senhora não lembra que ano começou a trabalhar com ele, tá. Não lembra que ano veio pra Varginha, a senhora não lembra de nenhuma data?”
Maria Godoi: “Não, não lembro.”
Magistrada: “Então como a senhora sabe me dizer que trabalhou uns 15 anos?”
Tal depoimento foi corretamente classificado pelo juízo a quo como “demasiadamente vago e confuso”.
A apelação, por sua vez, não faz menção alguma ao depoimento da segunda testemunha, Luiz Roberto Simão da Silva, cujo testemunho também foi considerado “vago e superficial” pela sentença. A omissão do apelante em refutar a fragilidade de ambos os testemunhos demonstra a insuficiência da prova apresentada como um todo.
Diante do exposto, o autor não preencheu os requisitos de instrução probatória para que o mérito de sua demanda fosse analisado. A ausência de um início de prova material robusto para o período requerido e a fragilidade dos testemunhos apresentados impedem o julgamento da causa, pois configuram a ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido do processo.
A jurisprudência do C. SJT, consolidada no Tema 629/STJ, estabelece que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial impõe a extinção do processo sem julgamento do mérito, o que permite ao autor, se e quando conseguir novas provas, ajuizar uma nova ação.
Conclusão
Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo autor. De ofício, com fulcro no Tema 629/STJ, decreto a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV, do Código de Processo Civil, restando prejudicada a concessão de quaisquer dos benefícios postulados.
Mantida a condenação do autor na verba honorária fixada na sentença, observada a gratuidade da justiça.
É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO OU POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL ROBUSTA. FRAGILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL. TEMA 629/STJ. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO NÃO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação interposta pelo autor contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, nas modalidades integral ou proporcional, bem como do pedido sucessivo de aposentadoria por idade rural. A sentença não reconheceu o labor rural alegado entre 1962 e 1991 e condenou o autor ao pagamento de custas e honorários, observada a gratuidade da justiça.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em definir se os documentos apresentados, consistentes em certidão de casamento com a qualificação de lavrador e registros rurais em CTPS, aliados à prova testemunhal, são suficientes para caracterizar início de prova material apto a comprovar o tempo de serviço rural de 1962 a 1991, possibilitando a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição ou, subsidiariamente, por idade rural.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A certidão de casamento constitui indício de atividade rural, mas não comprova o exercício contínuo da atividade pelo longo período de 1962 a 1974, carecendo de documentos contemporâneos ou próximos aos fatos.
4. Os registros constantes da CTPS revelam vínculos urbanos entre 1977 e 1987, o que afasta a alegação de labor rural ininterrupto até 1991.
5. Os depoimentos testemunhais apresentados são vagos, imprecisos e desprovidos de elementos objetivos de tempo e lugar, não se prestando a corroborar o suposto trabalho rural no período alegado.
6. O conjunto probatório não preenche o requisito de início de prova material exigido para a análise do mérito, impondo a aplicação do entendimento firmado pelo STJ no Tema 629.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Apelação não provida. Processo extinto sem resolução de mérito, de ofício, nos termos do art. 485, IV, do CPC e do Tema 629/STJ.
Teses de julgamento:
1. A certidão de casamento com qualificação de lavrador não é suficiente, por si só, para comprovar longos períodos de labor rural.
2. O exercício de atividade urbana em lapsos temporais relevantes rompe a alegação de continuidade de trabalho rural.
3. Prova exclusivamente testemunhal, quando vaga e imprecisa, não supre a ausência de início de prova material.
4. A ausência de prova documental mínima acarreta a extinção do processo sem resolução de mérito, nos termos do Tema 629/STJ, por ausência de pressuposto de constituição e de desenvolvimento válido do processo.
Dispositivos relevantes: CPC, art. 485, IV.
Jurisprudência relevante: STJ, Tema 629.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
