
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007338-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JUVENIL APARECIDO
Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007338-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JUVENIL APARECIDO
Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Apelação interposta pelo autor em face de sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial nos períodos de 18/06/1986 a 28/08/1986, 31/12/1986 a 29/03/1989, 30/05/1989 a 08/04/1992, 05/05/1993 a 15/10/1993, 12/05/1994 a 01/10/1994 e 25/10/1994 a 29/04/1995, em que laborou como trabalhador rural.
A sentença, ao analisar o pedido, concluiu pela improcedência da ação, destacando que: a) há distinção entre trabalho agrícola e agropecuário, sendo que o autor laborou apenas em lavouras, não abrangendo atividades pecuárias; b) a documentação apresentada (CTPS e PPP) e a prova testemunhal confirmam que o trabalho era exclusivamente agrícola; c) mesmo considerando eventual exposição a agentes químicos, esta não ocorreu de forma habitual e permanente;d) a atividade rural, embora árdua, não se caracteriza como especial para fins previdenciários.
Em razão disso, a sentença concluiu que o autor não faz jus ao enquadramento como trabalhador da agropecuária, não cabendo o reconhecimento do tempo especial pretendido, condenando-o ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, nos termos dos §§ 2º e 8º do art. 85 do Código de Processo Civil, suspendendo a exigibilidade em razão da concessão da gratuidade de justiça.
O autor sustenta, em apelação, que: a) os períodos trabalhados devem ser considerados especiais com base no Decreto nº 53.831/64 (código 2.2.1), que incluía os “Trabalhadores na Agropecuária”, defendendo que a lei aplicável é a vigente à época do trabalho, não podendo legislação posterior (Lei nº 9.032/95) retroagir para impor requisitos adicionais; b) o tempo de serviço deve ser analisado à luz da legislação vigente à época, resguardando-se o direito adquirido à aposentadoria especial, de modo que a aplicação de normas posteriores que exigem comprovação de exposição a agentes nocivos violaria tal princípio; c) a prova de filiação ao RGPS, por meio da CTPS, demonstra que o trabalho rural era formal e contribuía para o sistema, justificando o enquadramento especial, nos termos do Decreto nº 704/69.
O INSS apresentou contrarrazões.
É o relatório.
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0007338-49.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 50 - DES. FED. SILVIA ROCHA
APELANTE: JUVENIL APARECIDO
Advogado do(a) APELANTE: CAIO GONCALVES DE SOUZA FILHO - SP191681-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Desembargadora Federal SILVIA ROCHA (Relatora):
Recebo o apelo por atender os requisitos de admissibilidade.
A controvérsia sobre a atividade rural cinge-se à possibilidade de reconhecimento do tempo laborado como rurícola braçal em lavouras de cana-de-açúcar e café como especial, em períodos anteriores à Lei nº 9.032/95.
É de conhecimento deste Tribunal que o C. STJ firmou entendimento no sentido de que a atividade de lavrador em lavoura não se equipara, para fins de enquadramento por categoria profissional, à atividade de "Trabalhador na Agropecuária" (código 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64).
Contudo, a jurisprudência desta E. Turma desta Corte tem reiteradamente reconhecido a natureza especial da atividade do trabalhador em lavoura de cana-de-açúcar, em períodos anteriores a 1995, em razão da exposição a agentes nocivos, químicos e biológicos, inerentes e presumidos nesse tipo de labor, o que encontra amparo nos Decretos Previdenciários da época.
Conforme a Profissiografia (Num. 85409622 - Págs. 56/57), o autor desempenhou as seguintes atividades:
- no período de 18/06/1986 a 26/09/1986: atividade predominante no corte e manejo de cana-de-açúcar (cana queimada e não queimada), implicando contato com a fuligem (fonte de hidrocarbonetos e outros agentes químicos);
- nos períodos subsequentes (a partir de 27/09/1986, até 31/03/1995), embora houvesse alternância com a cultura do café, a descrição das atividades atesta a exposição direta e habitual a agentes químicos, como na menção à pulverização da lavoura com bomba manual e aplicação de inseticidas, além do manejo de cana.
A exposição a tóxicos orgânicos, defensivos agrícolas e hidrocarbonetos (fuligem da cana queimada), mesmo que intermitente ou sazonal, era inerente à própria natureza do trabalho braçal nas lavouras. Tais agentes nocivos se enquadram nos códigos que tratam de tóxicos orgânicos e químicos previstos nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 (código 1.2.11) e nº 83.080/79 (código 1.2.10).
Ademais, tratando-se de períodos anteriores à Lei nº 9.032/95, é suficiente a análise qualitativa da exposição ao agente nocivo, sendo amplamente admitida a presunção de risco para atividades rurais que envolviam o uso e contato com agrotóxicos e outras substâncias.
A validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (Num. 85409622 - Págs. 56/57) para comprovar a exposição a agentes nocivos, nos períodos anteriores a 01/12/1993, não é prejudicada pela ausência de indicação do responsável pelo monitoramento ambiental ou dos registros do Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT). Conforme entendimento consolidado, a comprovação do tempo especial é regida pela lei vigente à época do trabalho (tempus regit actum). Para os períodos anteriores à Lei nº 9.032/95 (29/04/1995), a legislação não exigia a apresentação do LTCAT nem a indicação do profissional responsável pelos registros ambientais.
Nesses interregnos, o documento hábil para a comprovação (antigos SB-40, DSS-8030 ou o próprio PPP, ainda que preenchido posteriormente) deve ser analisado apenas em sua capacidade de atestar a presença do agente nocivo na atividade, ainda que de forma indireta (através da descrição destas atividades), o que foi cumprido nos presentes autos, em consonância com a notória insalubridade da atividade de rurícola braçal em cultura canavieira. A exigência formal da indicação do responsável técnico não pode retroagir para prejudicar o segurado que laborou sob a égide de legislação menos rigorosa.
Em consonância com a jurisprudência desta E. Turma, e considerando a notória insalubridade e exposição a agentes químicos intrínseca à atividade de lavrador/rurícola braçal em cultura canavieira no período anterior a 1995, deve ser reconhecida a natureza especial do labor do autor, no interregno de 18/06/1986 a 28/08/1986 (2 meses e 11 dias), 31/12/1986 a 29/03/1989 (2 anos, 2 meses e 29 dias) 30/05/1989 a 08/04/1992 (2 anos, 10 meses e 09 dias) e 26/11/1994 a 31/03/1995 (4 meses e 6 dias), conforme as datas apontadas no PPP (Num. 85409622 – Págs. 56/57).
Em relação à eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), cumpre salientar que os períodos em análise são anteriores à vigência da Lei nº 9.032/95. Àquela época, o reconhecimento da especialidade se dava, notadamente, pela presunção legal de risco ou pela mera constatação da presença do agente nocivo, conforme os anexos dos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79. A legislação então vigente não impunha a discussão sobre a eficácia dos equipamentos de proteção, tampouco exigia a comprovação, por parte do segurado, de que a exposição não havia sido neutralizada.
Portanto, a exigência de análise da eficácia do EPI, que se tornou relevante apenas com a evolução legislativa posterior (a partir do Decreto nº 2.172/97), é inaplicável aos períodos anteriores a 1995, devendo ser reconhecida a especialidade com base na lei vigente ao tempo da prestação do serviço.
Assinalo que os períodos de 05/05/1993 a 15/10/1993 e 12/05/1994 a 01/10/1994, por não constarem do PPP (Num. 85409622 – Págs. 56/57), não podem ser reconhecidos como especiais.
Abaixo, demonstramos o resultado da aplicação do fator de 1,40 em cada um dos períodos especiais reconhecidos, convertido para anos, meses e dias:
Período Original | 40% do Período |
|---|---|
| 18/06/1986 a 28/08/1986 | 0 anos, 0 meses e 28 dias |
| 31/12/1986 a 29/03/1989 | 0 anos, 10 meses e 23 dias |
| 30/05/1989 a 08/04/1992 | 1 ano, 1 mês e 28 dias |
| 26/11/1994 a 31/03/1995 | 0 anos, 1 mês e 20 dias |
TOTAL | 2 anos, 3 meses e 10 dias |
Acrescentando 02 anos, 03 meses e 10 dias ao tempo de contribuição reconhecido administrativamente em 33 anos, 01 mês e 07 dias (Num. 85409622 - Pág. 84), o resultado será 35 anos, 04 meses e 17 dias, alcançando o autor os necessários 35 anos para aposentar por tempo de contribuição a partir da DER de 12/09/2016.
Valores em atraso devem ser acrescidos de correção monetária e juros de mora, observando as diretrizes do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na data da liquidação do julgado.
Condeno a autarquia no pagamento dos honorários advocatícios em 10% sobre o total da condenação apurado até a data do presente julgamento, observando a Súmula 111/STJ.
Consigno que o presente caso não se submete à aplicação do Tema 1124/STJ, uma vez que a pretensão do autor quanto ao reconhecimento da especialidade dos períodos ora reconhecidos era de conhecimento da autarquia no procedimento administrativo em que se deu o indeferimento do benefício, tendo sido nele inclusive apresentado o PPP analisado neste julgamento.
As parcelas vencidas não são atingidas pela prescrição quinquenal, visto que o requerimento foi protocolizado em 12/09/2016 e o ajuizamento desta ação se deu em 10/05/2017.
A tese de ausência de prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF/88) não é óbice ao reconhecimento do tempo especial. Isto porque, a exigência constitucional se refere à criação de novos benefícios ou majoração de encargos, e não ao reconhecimento de um direito já previsto no ordenamento jurídico da época.
Ante o exposto, dou provimento parcial à apelação interposta pelo autor para reconhecer a especialidade dos períodos de 18/06/1986 a 28/08/1986, 31/12/1986 a 29/03/1989, 30/05/1989 a 08/04/1992 e 26/11/1994 a 31/03/1995 e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição a partir da DER de 12/09/2016, acrescidos, nos termos da fundamentação, dos consectários legais.
É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL EM LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR E CAFÉ. EXPOSIÇÃO A AGENTES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS. PERÍODOS ANTERIORES À LEI Nº 9.032/95. PRESUNÇÃO DE INSALUBRIDADE. PPP COMO PROVA IDÔNEA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. CONCEDIDA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
I. CASO EM EXAME
- Apelação interposta pelo segurado contra sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial nos períodos de 18/06/1986 a 28/08/1986, 31/12/1986 a 29/03/1989, 30/05/1989 a 08/04/1992, 05/05/1993 a 15/10/1993, 12/05/1994 a 01/10/1994 e 25/10/1994 a 29/04/1995, exercidos como trabalhador rural. O juízo de origem entendeu não caracterizada a especialidade da atividade agrícola e julgou improcedente o pedido. O autor recorre, alegando direito ao enquadramento especial por exposição a agentes nocivos e invocando o Decreto nº 53.831/64 (código 2.2.1) e o princípio do tempus regit actum.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- Há duas questões em discussão:
(i) definir se o labor rural braçal em lavouras de cana-de-açúcar e café, exercido antes da vigência da Lei nº 9.032/95, pode ser reconhecido como tempo de serviço especial;
(ii) determinar se o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), mesmo elaborado posteriormente e sem indicação do responsável técnico, é documento hábil para comprovar a exposição a agentes nocivos nos períodos anteriores a 1995.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- A jurisprudência do STJ distingue o trabalhador agrícola do “trabalhador na agropecuária” previsto no Decreto nº 53.831/64 (código 2.2.1), afastando o enquadramento automático por categoria profissional.
- Não obstante, a jurisprudência consolidada desta Corte reconhece a natureza especial do labor em lavouras de cana-de-açúcar, antes da Lei nº 9.032/95, diante da exposição presumida e habitual a agentes químicos e biológicos, como fuligem, hidrocarbonetos e defensivos agrícolas, conforme códigos 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64.
- A comprovação do tempo especial é regida pela legislação vigente à época da prestação do serviço (tempus regit actum). Antes de 1995, não se exigia laudo técnico nem a indicação do responsável pelo monitoramento ambiental, bastando prova documental ou testemunhal idônea.
- O PPP, ainda que emitido posteriormente, constitui meio de prova válido para atestar a exposição a agentes nocivos em períodos pretéritos, desde que contenha descrição suficiente das atividades exercidas.
- A discussão sobre a eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) é inaplicável aos períodos anteriores à Lei nº 9.032/95, pois a legislação então vigente não exigia a neutralização da exposição nem a análise da efetividade do equipamento.
- Reconhecida a especialidade dos períodos de 18/06/1986 a 28/08/1986, 31/12/1986 a 29/03/1989, 30/05/1989 a 08/04/1992 e 26/11/1994 a 31/03/1995, os quais, convertidos pelo fator 0,40, permitem a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição a partir da DER de 12/09/2016.
- A tese da ausência de prévia fonte de custeio (CF/88, art. 195, § 5º) não obsta o reconhecimento do tempo especial, pois o benefício já se encontra previsto no ordenamento jurídico.
IV. DISPOSITIVO E TESE
- Apelação parcialmente provida para reconhecer a especialidade dos períodos de 18/06/1986 a 28/08/1986, 31/12/1986 a 29/03/1989, 30/05/1989 a 08/04/1992 e 26/11/1994 a 31/03/1995 e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição a partir da DER de 12/09/2016.
Teses de julgamento:
- O labor rural braçal em lavouras de cana-de-açúcar exercido antes da Lei nº 9.032/95 é reconhecido como especial, em razão da exposição presumida e inerente a agentes químicos e biológicos.
- O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), ainda que elaborado posteriormente e sem indicação do responsável técnico, é documento válido para comprovar exposição a agentes nocivos em períodos anteriores a 1995.
- A análise da eficácia do EPI é inaplicável aos períodos de labor anteriores à Lei nº 9.032/95.
- A exigência constitucional de prévia fonte de custeio não impede o reconhecimento do tempo especial quando o benefício já está previsto em lei vigente à época do trabalho.
Dispositivos relevantes: CF/1988, art. 195, § 5º; CPC, art. 85, §§ 2º e 8º; Decreto nº 53.831/64, códigos 1.2.11 e 2.2.1; Decreto nº 83.080/79, código 1.2.10; Lei nº 9.032/95.
Jurisprudência relevante: nada consta
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
