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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª TurmaAPELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000020-19.2024.4.03.6183 RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA APELANTE: EVANI MARIA OLIVEIRA VIALE Advogados do(a) APELANTE: GILBERTO FIGUEIREDO VASSOLE - SP270872-A, RAFAEL ALBERTONI FAGANELLO - SP336917-A, TAIZ DO VALE SANTOS - SP414262-A, THIAGO CARVALHO DE OLIVEIRA - PR87499-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I OO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de ação ajuizada por Evani Maria Oliveira Viale em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte em decorrência do óbito de seu ex-marido, Sr. José Antônio Dahwache, ocorrido em 22.09.2006. A sentença, prolatada em 15.05.2025, considerando a não comprovação da condição de dependente da parte autora, julgou improcedente o pedido inicial, conforme dispositivo que ora transcrevo: “Diante do exposto, decreto a prescrição das diferenças vencidas anteriores ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação, nos termos do artigo 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91; no mais, julgo improcedentes os pedidos formulados nesta ação, resolvendo o mérito (artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015). Condeno a parte ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios de sucumbência, fixados no percentual legal mínimo (cf. artigo 85, §3º, do Código de Processo Civil de 2015), incidente sobre o valor atualizado da causa (cf. artigo 85, §4º, inciso III), observada a suspensão prevista na lei adjetiva (§§2º e 3º do artigo 98), por ser a parte beneficiária da justiça gratuita. Transcorrido in albis o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. P.R.I.” Apela a parte autora pleiteando a reforma da sentença. Alega para tanto que está demonstrado nos autos a sua dependência econômica em relação ao segurado, aduzindo que: “As provas constantes dos autos evidenciam que o relacionamento entre a Apelante e o falecido perdurou por muitos anos mesmo após a separação judicial formalizada em 1997. A existência de filha em comum, os vínculos mantidos, a ajuda financeira habitual e os relatos testemunhais confirmam o ânimo de constituir família, caracterizando-se, portanto, uma união estável de fato.” Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal. É o relatório.
V O T OO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. O benefício previdenciário de pensão por morte é devido ao conjunto de dependentes do segurado, e encontra-se disciplinado pelos artigos 74 a 79 da Lei n.º 8.213/91, cujo texto original foi objeto de alterações, estando em vigor atualmente com a redação dada pela Lei n.º 13.846/2019 de 18.6.2019. Sobre a concessão da pensão por morte, observa-se o teor da Súmula n. 340 do Superior Tribunal de Justiça: “A lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado.” Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte estão previstos nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo necessária a comprovação, cumulativamente: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa) da Previdência Social; b) da existência de beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido. A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes. O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Por sua vez, o §4º desse dispositivo legal estabelece que haverá a perda da qualidade de segurado no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado. Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independentemente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários. Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado. Sobre o requisito de qualidade de segurado, cabe ressaltar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.110.565 SE, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, fixou que o deferimento do benefício de pensão por morte está vinculado ao cumprimento da condição de segurado do falecido, salvo na hipótese prevista na Súmula 416/STJ: “É devida a pensão por morte aos dependentes do segurado que, apesar de ter perdido essa qualidade, preencheu os requisitos legais para a obtenção de aposentadoria até a data do seu óbito” A concessão da pensão por morte independe de carência, a teor do artigo 26, I da Lei n. 8213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019). Nesse passo, importa consignar que a redação original do inciso I do artigo 26 da Lei de Benefícios, bem como aquela que lhe foi dada pela Lei nº 9.786/99, mantida pela Lei nº 13.135/2015, dispensa o cumprimento de carência para fins de concessão do benefício de pensão por morte. O artigo 16 da Lei n. 8213/91 discorre sobre os dependentes do segurado. Ainda sobre os critérios de concessão, por relevante, aponto que a Medida Provisória n. 664, de 30 de dezembro de 2014 alterou a redação do art. 74 da Lei n. 8.213/91, exigindo para concessão do benefício de pensão por morte que o beneficiário e o segurado estivessem casados há mais de 02 anos antes do óbito. No entanto, essa disposição não foi convertida em Lei, de maneira que, considerando o teor do artigo 5º da Lei n. 13.135/2015 (Art. 5º. Os atos praticados com base em dispositivos na Medida Provisória n. 664, de 30 de dezembro de 2014, serão revistos e adaptados ao disposto nesta Lei.), deve ser aplicado o disposto nos artigos 16 e 74 a 79 da Lei n. 8.213/91, com redação dada pela Lei n. 13.135/2015. Por fim, o artigo 77 da Lei n. 8213/91 estabelece que: “Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)”. A norma prevê ainda as condições e prazos para manutenção da pensão por morte. No caso concreto. Pleiteia a parte autora a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte, ante o falecimento de seu ex-marido, Sr. José Antônio Dahwache, ocorrido em 22.09.2006 (ID 336824644 - Pág. 1). Conforme estabelecido no artigo 16 da Lei n. 8213/91: “Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) (...) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 7º Será excluído definitivamente da condição de dependente quem tiver sido condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)" Especificamente sobre a união estável, o artigo 16 do Decreto 3048/99 estabelece que: “(...) § 6º Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o disposto no § 1º do art. 1.723 da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil, desde que comprovado o vínculo na forma estabelecida no § 3º do art. 22. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020). § 6º-A As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior aos vinte e quatro meses anteriores à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, observado o disposto no § 2º do art. 143. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)” A sentença julgou improcedente o pedido de concessão de pensão por morte, sob a fundamentação que segue: “No presente caso, o óbito de JOSÉ ANTÔNIO DAHWACHE, falecido em 22/09/2006, restou devidamente comprovado, conforme certidão de óbito (id. 310993039, p. 1). Assim, incide nesta hipótese a Lei 8.213/91, observadas as alterações supervenientes já mencionadas cessando para o dependente que não mais se enquadre nas disposições dos preceitos normativos. A qualidade de segurado do instituidor da pensão é incontroversa, pois estava em gozo do benefício de aposentadoria por invalidez, NB 32/502.034.785-6 (id. 310993041, p. 5). Ademais, a filha do falecido, Catherine-Marie Viale Dahwache, recebeu o benefício de pensão por morte NB 21/140.200.442-4, da data do óbito 22/09/2006 até 12/09/2015. A parte autora requereu administrativamente a revisão do benefício de pensão por morte NB 21/140.200.442-4, DER 28/03/2014, para inclusão do seu nome, mas foi indeferido por ausência de documentação comprobatória para a inclusão da requerente como dependente do de cujus. Resta analisar, portanto, a qualidade de dependente da parte autora em relação ao “de cujus” na época de seu falecimento. O conjunto fático-probatório deve ser levado em consideração pelo magistrado, independentemente de quem tenha produzido a prova. Todos os elementos trazidos aos autos devem ser analisados a fim de formar seu livre convencimento capaz de embasar os fundamentos jurídicos adotados. A fim de comprovar sua dependência econômica de JOSÉ ANTÔNIO DAHWACHE à época do falecimento do instituidor, foram apresentados os seguintes documentos: . Certidão de óbito de JOSÉ ANTÔNIO DAHWACHE, ocorrido em 22/09/2006, aos 52 anos de idade, consta estado civil: separado; residente à Rua Bahia, 3716, Centro de Votuporanga/SP; local de falecimento: Santa Casa de Misericórdia; declarante: Azi Nicolas Dahwache; deixou a filha Catherine-Marie com 12 anos de idade (id. 310993039, p. 1); . Certidão de casamento da autora com o sr. José Antônio Dahwache, celebrado em 18/12/1993; com averbação de separação em 08/09/1997; e com registro de óbito de José Antônio em 22/09/2006 (id. 310993034, p. 1/2); . Cópia de ofício espedido na ação de Separação Judicial, assinada em 10/09/97, encaminhada ao departamento pessoal da Prefeitura Municipal de Votuporanga, para descontar da folha de pagamento do sr. José Antônio o percentual de 33% de seus vencimentos líquidos a título de pensão alimentícia até que a menor completasse 21 anos de idade ou terminasse o curso universitário que estivesse cursando. Indica que o valor deveria ser depositado na conta 48.037-4, Bco Itaú, ag. 0713, cuja titularidade pertence à sra. Ivani Maria de Oliveira Vialli Dahwache (id. 310993035, p. 1 e 2); . Extratos do Banco Itaú, ag. 0504, fav: 341-0713.51282-0 Evani Maria Oliveira, datado de diversas datas, entre elas, 07/02/2003; 07/04/2003; 08/05/2003; 06/05/2005; 09/12/2004; em 11/08/2003 o depósito foi em dinheiro; em 01/10/2004 consta depósito em dinheiro, no valor de 400,00; em 08/06/2004, consta depósito em dinheiro no valor de 1.500,00; em 02/08/2004 e em 01/09/2006 constam depósitos em dinheiro; em 03/01/2005; em 01/02/2005; em 01/03/2005; em 01/04/2005 depósitos em dinheiro no valor de 500,00; há depósitos em cheques também (04/07/2005 e 01/02/2006); em 01/03/2006; 03/04/2006 há depósitos em dinheiro e depósitos em cheque; em 08/2006 depósito em dinheiro; IRPF anos de 1999 a 2001, consta o nome da autora no item de doações (id. 310993038, p. 7/13); (não consta a autora como dependente); . Apólice de seguro de vida, vigência 29/04/1994 a 28/04/2004, consta a sra. Evani Maria como cônjuge e beneficiária 100% (id. 310993042, p. 1); . Documentos médicos/relatório médico atestando tratamento de saúde da autora, datado de 04/12/2023 (id. 310993043, p. 1 a 4); . Extratos bancários do Banco Itaú (id. 317559067 a 317559073); . Contas de telefones em nome da autora; anos de 2002; 2003; 2004 (id. 317559075, 1 a 16); . Juntada de novos documentos médicos sobre o estado de saúde da autora (id. 326933089, 1 a 4).
Em audiência, foram coletadas as oitivas de três testemunhas. A testemunha JOSÉ ROBERTO FERREIRA respondeu que conheceu José Antônio Dahwache e Evani antes, durante e depois do casamento. Informou que, após a separação deles, praticamente voltaram a ficar juntos na medida em que, apesar de ele ter ido para Votuporanga e depois para o Paraguai a trabalho, ele vinha sempre para São Paulo e nessas vindas dele para cá a testemunha sempre se encontrava com ele; que eles eram muito próximos, como dois irmãos, tinham o mesmo apelido, e ele sempre comentava com a testemunha que precisava mandar um dinheiro para Evani, mas não sabe dizer o que a Evani fazia com o recurso. Declarou que o sr. José Roberto contribuía financeiramente e acha que também emocionalmente. A testemunha KATIA SAISI respondeu que conheceu a sra. Evani e o sr. José por muitos anos; que eles foram marido e mulher; que soube da separação judicial deles, mas que mantiveram sempre um bom relacionamento e estavam retomando. Afirmou que na época em que ele faleceu eles não estavam morando juntos, mas estavam retomando. Pelo que sabe, estavam voltando a viver juntos e, sabe dizer que o motivo que ele não morava com a dona Evani era por estar com contrato fora de São Paulo. Respondeu que, apesar de ela trabalhar fora, ela dependia dele pois tinham uma filha; disse que Dahwache sempre apoiou a Evani financeiramente, pois ele tinha melhores recursos. A testemunha JOSÉ ANTÔNIO POIANI respondeu que conhecia muito bem o casal; que conheceu Dahwache desde adolescente, pois além de terem o mesmo nome (José Antônio), eram da mesma cidade de Votuporanga, interior de São Paulo. Relatou que conviveram na adolescência, daí o falecido veio para São Paulo e, depois de um tempo, a testemunha veio para São Paulo também e continuou com a amizade; que, quando a Evani e o falecido começaram a namorar, a testemunha estava junto num show do Jorge Ben Jor. Não sabe dizer se eles se separaram; o que sabe é que o falecido se deslocou para outros trabalhos; que o falecido era uma pessoa que gostava de aventuras; que, durante uma época, ele queria fazer um tour pelo interior do Brasil; que ele foi trabalhar em Foz do Iguaçu, mas não sabe se eles se separaram. Sabe dizer que ficaram um pouco distantes nessa época. Acredita que ele vinha visitar dona Evani; que encontrou a filha dele várias vezes lá em Votuporanga, onde a testemunha ia passear em razão da mãe da testemunha morar lá. Acha que o falecido ajudava dona Evani, mas não tem provas disso; sabe que ele ajudava na educação da filha e, acha que também nas despesas familiares aqui. Respondeu que ficou sabendo do falecimento dele, que não foi ao velório, porque tinha encontrado com ele uma semana antes, lá no interior, vez que ele passou bem mal e estava na casa do pai dele, daí na semana seguinte ele faleceu. A testemunha achou que ele já estava bem mal de saúde. Perguntado pelo magistrado qual o problema de saúde dele, respondeu que o coração dele tinha inchado, mas não sabe dizer o que levou a isso; que o falecido já tinha feito uma cirurgia no coração no hospital Beneficência Portuguesa, mas não lembra quando foi; sabe que ele tinha diabetes. As testemunhas não foram capazes de afirmar com veemência que a autora e o falecido conviviam sob o mesmo teto, nem demonstrar que houve ajuda financeira exclusiva à autora para sua manutenção. Para a confirmação judicial das alegações apresentadas pela parte autora é preciso que se faça uma detida, adequada e criteriosa análise dos fatos e das provas trazidas. O Sr. José Antonio Dahwache casou com a autora em 1993, união que gerou uma filha, Catherine, mas se separaram em 1997. De acordo com a certidão de óbito, ele faleceu em 22.09.2006, ou seja, há mais de 18 anos. Como era beneficiário de aposentadoria por invalidez, sua filha recebeu pensão da data do óbito até completar 21 anos, em 12.09.2015. Agora a autora pretende comprovar sua dependência econômica com o falecido ou demonstrar que, embora separados judicialmente, viviam em união estável. Conforme certidão de óbito declarada por parente, Azis Nicolas Dahwache, o Sr. José Antonio era separado da autora e residia na Rua Bahia 3716 na cidade de Votuporanga, tendo falecido na Santa Casa da cidade. Na certidão de casamento entre a autora e o falecido consta a averbação da separação judicial e do óbito. Ainda, na ação de separação judicial consta a previsão de desconto em folha de pagamento do Sr. José Antonio de 33% de seus vencimentos a título de pensão alimentícia devida exclusivamente à filha, Catherine, que sendo menor, teria os valores depositados na conta da sua mãe. Há também uma apólice de seguro de vida feita pelo falecido em 29.04.1994, que vigorou por 10 (dez) anos, encerrando-se em 28.04.2004, onde a autora consta como cônjuge e beneficiária. Trouxe cópias de depósitos feitos em sua conta corrente, sendo que os realizados em dinheiro não têm identificação de origem, e cópias de declarações de imposto de renda do falecido referentes aos anos de 1999 a 2001 com doações favorecendo a autora, embora a mesma não conste, em nenhuma delas, como sua dependente. Finalmente trouxe outros documentos pertinentes à sua condição de saúde. Do quadro probatório documental apresentado não é possível extrair qualquer conclusão lógica capaz de indicar relação de união estável, pública, notória e duradoura entre a autora e o falecido. Também não é viável concluir-se pela relação de dependência econômica entre o ex-marido falecido e a requerente ou sua frágil condição financeira. A certidão de óbito, a certidão de casamento, as declarações de imposto de renda e as cópias referentes à própria ação judicial de separação apenas confirmam que o “status” pessoal do falecido era de SEPARADO. A autora não trouxe nenhum documento capaz de demonstrar que residiu no mesmo endereço que o falecido após a separação. A apólice de seguro que a mantinha como dependente foi feita ainda na vigência do casamento, e após o prazo de dez anos, não foi renovada pelo Sr. José Antonio. Doações apontadas na Declaração de Imposto de Renda do falecido, sendo que a última foi feita 5 (cinco) anos antes do seu falecimento, bem como depósitos esporádicos, sem uniformidade de valor ou de prazo, feitos na sua conta corrente também não são indicativos de uma relação de união estável ou de dependência econômica. Pelo contrário, são sugestivos de uma ajuda eventual, especialmente considerando que o valor da pensão destinado à filha menor em comum que vivia com a mãe era feito na sua própria conta e, nas datas dos depósitos, a filha ainda era incapaz. O falecido era aposentado por invalidez, a testemunha José Antonio Poiani disse que ele tinha problemas de saúde e fez cirurgia no coração, tendo falecido na Santa Casa de Votuporanga. Contudo, em nenhum momento a autora comprovou que esteve ao seu lado ou o acompanhou em consultas, exames ou mesmo no hospital onde faleceu, situações que evidentemente geram prova documental. De acordo com os documentos juntados e o CNIS da autora, verifica-se que ela sempre exerceu atividade remunerada, tendo inclusive gozado de auxílio doença até 20.09.2023 no valor de R$ 3.210,55, a demonstrar que continuou efetuando os recolhimentos previdenciários por mais de 18 anos após o falecimento do ex-marido. As provas trazidas aos autos, assim, devem demonstrar de forma clara e concreta a realidade existente e, nesta, não há qualquer indicativo de união estável ou dependência econômica. Não se pode pretender construir uma narrativa que se adeque aos interesses da requerente sem que haja compatibilidade com a realidade apresentada. Reforço, não há prova de endereço comum, não há prova de ajuda financeira reiterada e constante do falecido para a autora, nem qualquer outra relação de dependência ou convivência. Também por isso não se pode pretender que a melhor interpretação da Súmula 336 do STJ seja estendida ao presente caso. Não apenas porque não há efetiva demonstração de necessidade econômica, uma vez que a autora continuou exercendo atividade laborativa tendo usufruído de benefício por incapacidade nos anos de 2019, 2022 e 2023, como também pelo prazo decorrido desde o falecimento do ex-marido. Estiveram separados de 1997 até o falecimento dele em 2006, ela fez requerimento administrativo apenas em 2014 e propôs ação judicial em 2024. A dependência econômica superveniente é aquela que surge logo que cessada a relação e que se mostra essencial para sua manutenção e não aquela que surge muito anos depois de encerrado o vínculo, até porque a outra parte de uma relação conjugal ou decorrente de união estável não é devedor permanente, sem prazo para a manutenção da parte adversa ou para melhoria de sua condição financeira. Por essas razões, improcede o pedido de pensão por morte. ” Da dependência econômica. Afirma a parte autora que foi casada com o de cujus e que, embora tenham se separado judicialmente, voltaram a conviver e permaneceram juntos até o falecimento do segurado. Para comprovar a existência de união estável, a parte autora trouxe aos autos- - cópia de sua certidão de casamento celebrado em 18.12.1993, na qual consta averbação de separação consensual homologada em 08.09.1997 (ID 336824639 - Pág. 1/2); - cópia de ofício, datado de 10.09.1997 (ID m. 336824640 - Pág. 1), determinando o pagamento de pensão alimentícia em favor da filha do casal; - Extratos e comprovantes de depósitos bancários em favor da parte autora, efetuados em diversas datas entre os anos de 2003 e 2006; - cópias das declarações de imposto de renda referente aos anos exercício de 1999 e 2001 na qual constam valores doados à parte autora (ID 336824643 - Pág. 7/10); - cópia de apólice de seguro com vigência no período de 29.04.1994 a 28.04.2004, na qual a parte autora consta como beneficiária (ID 336824647 - Pág. 1) Foi realizada a prova testemunhal. A testemunha José Roberto Ferreira informa que conheceu o segurado falecido e a parte autora, antes e após o casamento. Relata que sabe sobre a separação do casal, e que após a separação o falecido praticamente se mudou para o Paraguai para trabalhar, mas que voltava constantemente para visitar a filha e a parte autora, com quem mantinha proximidade. Acrescenta que o de cujus sempre comentava com a testemunha que precisava mandar um dinheiro para Evani (autora), mas não sabe precisar a destinação do recurso. A testemunha Katia Saisi informa que conheceu a sra. Evani e o sr. José por muitos anos e que eles foram marido e mulher. Sabe que se separaram mas mantinham bom relacionamento, e que ao tempo do óbito eles não estavam morando juntos, mas estavam retomando. Relata ainda que o falecido trabalhava fora de São Paulo, mas que apoiava a parte autora financeiramente, pois ele tinha melhores recursos. A testemunha José Antônio Poiani informa que conhecia muito bem o casal e que conheceu Dahwache desde adolescente. Relata que não sabe dizer se eles se separaram, mas tem conhecimento de que o falecido se deslocou para outros trabalhos fora da cidade, e que era uma pessoa que gostava de aventuras que queria fazer um tour pelo interior do Brasil, e que ele foi trabalhar em Foz do Iguaçu e que, neste período, ficaram um pouco distantes. Acredita que o falecido vinha visitar dona Evani e acha que ele a ajudava, mas não tem provas disso. Da análise dos documentos apresentados verifica-se que, de acordo com a cópia da certidão de casamente apresentada nos autos, a parte autora e o segurado falecido casaram-se em 18.12.1993 e em 08.09.1997 foi homologada a separação consensual do casal. Em que pesem as alegações da parte autora no sentido de que reataram o relacionamento, não há nos autos elementos probatórios aptos a comprovar tal alegação. Observa-se que embora aparentemente o ex-conjuge mantivesse bom relacionamento com a parte autora e fornecesse eventual ajuda financeira, com ela não residia, e não há início de prova material de eventual convívio marital contemporânea à data do óbito. Nesse sentido, as testemunhas inqueridas, embora afirmassem que conheciam muito bem a autora e o falecido, confirmaram a ajuda financeira e o bom relacionamento entre eles, mas não informaram, de forma inequívoca, a retomada do relacionamento conjugal. Assim, considerando a ausência de início de prova material da retomada do convívio marital entre a parte autora e segurado falecido, e a frágil prova testemunhal produzida, resta inviável o reconhecimento da existência de união estável entre a parte autora e o segurado falecido. No mais, aponto que a norma previdenciária vigente estabelece que a pensão por morte é devida ao ex-conjuge, desde que comprovada a sua dependência econômica ao segurado (§ 2º do artigo 76 da Lei n.8213/91). Entretanto, da análise dos autos, verifica-se não houve arbitramento de pensão alimentícia em favor da autora, e que a mesma não estava elencada como dependente do segurado para fins de imposto de renda. Ademais, não restou demonstrado que os depósitos realizados pelo falecido em favor da parte autora destinava-se a suprir as suas necessidades, ou que estivesse ela em estado de hipossuficiência. Nesse sentido, note-se que, de acordo com os extratos do sistema CNIS ID 336824650 - Pág. 5 e 336824646 - Pág. 5, no momento do óbito, a autora mantinha vínculo empregatício com remuneração substancial - cerca de 7 salários-mínimos – valor em mesmo patamar da aposentadoria do ex-marido. Observa-se ainda que a prova testemunhal produzida não permite concluir-se, de forma inequívoca, que os valores depositados em favor da parte autora era destinados ao pagamento de suas despesas, especialmente considerando que o casal possuía uma filha menor de idade que com a requerente residia, e a quem o segurado falecido tinha o dever de alimentos e amparo. Conclusão. Não comprovada a dependência econômica da autora em relação ao segurado falecido, resta inviável a concessão da pensão por morte, pelo que, de rigor a manutenção da sentença de improcedência, por seus próprios fundamentos. Da sucumbência recursal. Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, termos da fundamentação exposta. É o voto. E M E N T AEmenta: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDÊNCIA. EX-CONJUGE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RECURSO NÃO PROVIDO. I – CASO EM EXAME 1. Recurso de apelação da parte autora objetivando a reforma da sentença de primeiro grau que julgou improcedente o pedido inicial. II – QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. As questões em discussão consistem em: (i) verificar-se a parte autora preenche os requisitos para a percepção da pensão por morte, em especial se comprova sua condição de dependente do segurado instituidor seja como sua companheira ou ex-conjuge; III – RAZÕES DE DECIDIR 3. Os requisitos a serem observados para a concessão da pensão por morte estão previstos nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/1991, sendo necessária a comprovação, cumulativamente: a) do óbito ou morte presumida de pessoa que seja segurada (obrigatória ou facultativa) da Previdência Social; b) da existência de beneficiário dependente do de cujus, em idade hábil ou preenchendo outras condições previstas em lei; e c) da qualidade de segurado do falecido. 4. Nos termos do inciso I artigo 16 da Lei n. 8213/91, são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: “I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)” 5. De acordo com o artigo 16, § 6º do Decreto 3048/99: “Considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, observado o disposto no § 1º do art. 1.723 da Lei nº 10.406, de 2002 - Código Civil, desde que comprovado o vínculo na forma estabelecida no § 3º do art. 22. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)”. 6. Inviável o reconhecimento da existência de união estável entre a parte autora e o segurado falecido. A alegada retomada do convívio marital não encontra amparo no conjunto probatório apresentado. Ausência de início de prova material da retomada da união entre a parte autora e segurado falecido. Prova testemunhal não informa, de forma inequívoca, a existência de união estável no momento do óbito do segurado. 7. A norma previdenciária vigente estabelece que a pensão por morte é devida ao ex-conjuge, desde que comprovada a sua dependência econômica ao segurado (§ 2º do artigo 76 da Lei n.8213/91). 8. Não restou configurada a alegada dependência econômica da parte autora em relação ao ex-marido. Não houve arbitramento de pensão alimentícia em favor dela, e a mesma não está elencada como dependente para fins de imposto de renda. Não está demonstrado que os valores depositados em favor da parte autora pelo falecido destinavam-se a suprir as necessidades da parte autora, e nem que estivesse ela em estado de hipossuficiência. No momento do óbito do segurado auferia rendimento relevante, em patamar similar ao ex-marido. 9. Não comprovada a dependência econômica da autora em relação ao segurado falecido, resta inviável a concessão da pensão por morte. Sentença de improcedência mantida. 10. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015. IV – DISPOSITIVO E TESE 11. Preliminares rejeitadas. Mérito das apelações do INSS e da corré não providas. _________________________________ Legislação citada: Lei nº 8.213/1991, artigos 16, I e artigos 74 a 79; Artigo 16, § 6º do Decreto 3048/99; Artigos 85, §11 e 98, §3º e 443, II, do Código de Processo Civil/2015. Jurisprudência relevante citada: Súmula 340 STJ A C Ó R D Ã OVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARCELO VIEIRA
Relator |
