
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5075252-06.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: LOURDES MANSINI ALVES PEDRO
Advogados do(a) APELANTE: LILIAN GOMES - SP161873-N, MICHELE GOMES DIAS - SP237239-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5075252-06.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: LOURDES MANSINI ALVES PEDRO
Advogados do(a) APELANTE: LILIAN GOMES - SP161873-N, MICHELE GOMES DIAS - SP237239-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de apelação interposta pela requerente contra sentença de improcedência (ID 265695172 - Pág. 1) proferida nos seguintes termos:
“Inexiste início de prova material apta a autorizar a oitiva de testemunhas. Com efeito, a parte autora limitou-se a juntar seu CNIS na inicial, por meio do qual é possível constatar a existência de recolhimentos esporádicos e intermitentes no período de 31/10/1994 a 13/01/1999 (...) Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487,I, do Código de Processo Civil.”
Em síntese, a autora, Lourdes Mansini, moveu ação em face do INSS objetivando concessão de aposentadoria por idade rural, sob alegação de exercício da atividade campesina pelo período exigido, bem como preenchimento do requisito etário.
Apela a parte autora sustentando, em síntese, cerceamento de defesa em razão da ausência de produção de prova oral.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5075252-06.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: LOURDES MANSINI ALVES PEDRO
Advogados do(a) APELANTE: LILIAN GOMES - SP161873-N, MICHELE GOMES DIAS - SP237239-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): diante da regularidade formal do recurso de apelação, com base no art. 1.011, do CPC, passo à análise do objeto da insurgência recursal propriamente dita.
Aposentadoria por idade do trabalhador rural
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disposto nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1º e 2º; e 143 da Lei nº 8.213/91 e regulamentado pelo art. 56 do RPS (redação dada pelo Decreto nº 10.410/2020).
O § 1 da Lei de Benefícios propiciou eficácia a regra constitucional disciplinada no inciso I do art. 202 da CF, a qual reduziu exigência etária em 5 anos para trabalhadores rurais, ou seja, idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher.
Cabe esclarecer que a distinção na idade foi mantida pela EC nº 103/2019, com a nova redação ao art. 201, § 7º, II, mantendo-se a exigência etária para essa aposentadoria voltada aos trabalhadores rurais e aos que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Além do requisito etário, é imprescindível a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento da idade exigida, em número de meses igual à carência, nos termos do disposto no art. 142 da Lei 8.213/91.
No que tange ao cumprimento de carência pelo trabalhador rural (art. 26, inciso III), cumpre destacar que não se exige o recolhimento de contribuição previdenciária por determinado número de meses, mas a comprovação do exercício da atividade rural durante o respectivo período (STJ, AgInt no REsp n. 1.793.400/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6/6/2019, DJe de 17/6/2019; REsp n. 502.817/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 14/10/2003, DJ de 17/11/2003, p. 361; REsp n. 207.425/SP, relator Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 21/9/1999, DJ de 25/10/1999, p. 123).
No que concerne a comprovação da atividade rural, a Lei 8.213/91, bem como a jurisprudência consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça exigem início de prova material. Sendo, pois, a prova exclusivamente testemunhal insuficiente para tal finalidade. Trata-se de matéria, já sumulada pela Corte Superior, no enunciado de nº 149:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
Cumpre ressaltar que o Poder Judiciário não está adstrito ao rol de documentos, enumerados pelo artigo 106 da Lei 8.213/91 (STJ, AgRg no REsp n. 847.712/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 3/10/2006, DJ de 30/10/2006, p. 409.).
Destaca-se, ainda, que não é necessário, conforme preceitos da súmula 14 da TNU, que a parte autora tenha um documento para cada ano do período de carência, bastando que os anos em que não existem tais documentos sejam relativamente próximos daqueles que contêm início de prova material. Ademais, a Corte Superior, no julgamento dos REsp´s 1348633/SP, 1348130/SP e 1348382/SP, submetidos ao regime dos recursos repetitivos, firmou orientação na possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório (Tema 638):
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Do caso dos autos
Conforme disposto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher. Assim, de pronto, verifica-se o cumprimento pela parte autora do requisito etário, posto que preencheu a idade mínima à época do requerimento administrativo (ID 265695155 - Pág. 1), incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 120 meses (tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/91) .
Para demostrar o direito à benesse pleiteada, a parte juntou CNIS, no qual consta vínculos rurais. Ressalta a requerente que perdeu a carteira de trabalho.
Pois bem. Como é sabido, o ambiente rural é marcado pela informalidade e pela simplicidade de seus trabalhadores. Isso significa que não há como exigir que o segurado traga documentos que relatem exatamente como se desenrolou o seu histórico laboral. Tal exigência seria completamente desarrazoada e configuraria prova diabólica, expediente rechaçado pelo sistema processual brasileiro. Não por menos que, na seara previdenciária, a legislação e a jurisprudência específicas permitem que o início de prova material ateste a verossimilhança das pretensões a benefícios previdenciários, desde que corroborado por idônea e robusta prova testemunhal.
Além disso, a prova testemunhal colhida pode não somente corrobora o início de prova material como também estende a sua eficácia probatória. Assim, face a imprescindibilidade de tal prova, ao decidir sem a observância de tal aspecto, ocorreu violação ao direito da parte, atentando inclusive contra os princípios do contraditório e da ampla defesa insculpidos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Nesse sentido:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA ORAL. SENTENÇA ANULADA. - O julgamento antecipado da lide, quando necessária a produção de provas ao deslinde da causa, implica cerceamento de defesa, ensejando a nulidade da sentença proferida. - Sentença anulada. Apelação prejudicada.” (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003669-58.2022.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 01/09/2022, DJEN DATA: 08/09/2022);
Ante o exposto, anulo a r. sentença e determino o retorno dos autos à Vara de Origem para prosseguir com a instrução do feito, notadamente para a produção de prova testemunhal, e, após, ser proferido novo julgamento, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE.
Nos termos dos arts. 48 e seguintes da Lei n.º 8.213/91, a aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, e o preenchimento etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
Segundo a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça, apresentado início de prova material, corroborado pela prova testemunhal colhida no curso da instrução processual, é possível o reconhecimento de tempo de serviço trabalhado como trabalhador rural para fins previdenciários (art. 11, Lei n.º 8.213/91).
Ausência de produção da prova oral para ampliar a eficácia probatória dos documentos juntados aos autos.
Ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Sentença anulada.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
