
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081001-04.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RENAN DE LIMA TANOBE - SP361878-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081001-04.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RENAN DE LIMA TANOBE - SP361878-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO: Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença de procedência (ID 267829962 - Pág. 5) proferida nos seguintes termos:
“No caso dos autos, inegável que a atividade rural foi francamente preponderante, uma vez que há amparo probatório seguro a respaldar o alegado tempo de atividade rural durante o período de carência, ainda que intercalado, resultando tempo superior ao legalmente exigido, estando preenchido os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, pondo fim à fase cognitiva, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social INSS a implantar o benefício de aposentadoria por idade rural à parte autora.”
Em síntese, a autora, Marli dos Santos, moveu ação em face do INSS objetivando concessão de aposentadoria por idade rural, sob alegação de exercício da atividade campesina pelo período exigido, bem como preenchimento do requisito etário.
Apela a autarquia sustentando, em síntese, que não restou devidamente comprovado o labor rurícola, em regime de economia familiar, pelo período de carência exigido em lei, bem como em período imediatamente anterior ao requerimento. Ressaltou que o período como empregada rural descaracteriza a qualidade de condição de segurada especial.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
É O RELATÓRIO.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5081001-04.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARLI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: RENAN DE LIMA TANOBE - SP361878-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): diante da regularidade formal do recurso de apelação, com base no art. 1.011, do CPC, passo à análise do objeto da insurgência recursal propriamente dita.
Aposentadoria por idade do trabalhador rural
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disposto nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1º e 2º; e 143 da Lei nº 8.213/91 e regulamentado pelo art. 56 do RPS (redação dada pelo Decreto nº 10.410/2020).
O § 1 da Lei de Benefícios propiciou eficácia a regra constitucional disciplinada no inciso I do art. 202 da CF, a qual reduziu exigência etária em 5 anos para trabalhadores rurais, ou seja, idade mínima de 60 anos para o homem e de 55 anos para a mulher.
Cabe esclarecer que a distinção na idade foi mantida pela EC nº 103/2019, com a nova redação ao art. 201, § 7º, II, mantendo-se a exigência etária para essa aposentadoria voltada aos trabalhadores rurais e aos que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Além do requisito etário, é imprescindível a comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou ao implemento da idade exigida, em número de meses igual à carência, nos termos do disposto no art. 142 da Lei 8.213/91.
No que tange ao cumprimento de carência pelo trabalhador rural (art. 26, inciso III), cumpre destacar que não se exige o recolhimento de contribuição previdenciária por determinado número de meses, mas a comprovação do exercício da atividade rural durante o respectivo período (STJ, AgInt no REsp n. 1.793.400/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6/6/2019, DJe de 17/6/2019; REsp n. 502.817/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 14/10/2003, DJ de 17/11/2003, p. 361; REsp n. 207.425/SP, relator Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 21/9/1999, DJ de 25/10/1999, p. 123).
No que concerne a comprovação da atividade rural, a Lei 8.213/91, bem como a jurisprudência consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça exigem início de prova material. Sendo, pois, a prova exclusivamente testemunhal insuficiente para tal finalidade. Trata-se de matéria, já sumulada pela Corte Superior, no enunciado de nº 149:
“A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
Cumpre ressaltar que o Poder Judiciário não está adstrito ao rol de documentos, enumerados pelo artigo 106 da Lei 8.213/91 (STJ, AgRg no REsp n. 847.712/SP, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 3/10/2006, DJ de 30/10/2006, p. 409.).
Destaca-se, ainda, que não é necessário, conforme preceitos da súmula 14 da TNU, que a parte autora tenha um documento para cada ano do período de carência, bastando que os anos em que não existem tais documentos sejam relativamente próximos daqueles que contêm início de prova material. Ademais, a Corte Superior, no julgamento dos REsp´s 1348633/SP, 1348130/SP e 1348382/SP, submetidos ao regime dos recursos repetitivos, firmou orientação na possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob o contraditório (Tema 638):
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil.
Do caso dos autos
Conforme disposto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91, a aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher. Assim, de pronto, verifica-se o cumprimento pela parte autora do requisito etário, posto que preencheu a idade mínima à época do requerimento administrativo (ID 267829825 - Pág. 1), incumbindo-lhe, pois, demonstrar atividade campestre por 180 meses.
Para demostrar o direito à benesse pleiteada, a parte juntou cópia dos seguintes documentos:
-Perfil Profissiográfico Previdenciário, no qual consta a requerente como trabalhadora braçal em capinação no período de 03.05.1999 a 02.10.2019;
-Carteira de trabalho da parte autora com anotação como serviços gerais no período de 03.05.1999 a 02.10.2019.
Pois bem. Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213, cujo caráter é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Por fim, desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal.
Destarte, depreende-se dos autos início de prova material suficiente. Ainda, destaca-se que os depoimentos testemunhais foram firmes e convincentes no sentido de afirmação do exercício de atividade campesina pelo requerente no período de carência exigido pela lei, bem como da permanência do labor rural nos dias atuais, de maneira que não somente corrobora o início de prova material como também estende a sua eficácia probatória.
Cabe esclarecer, ainda, que de acordo com a regulamentação dada pelo INSS (art. 247 da IN PRES/ INSS nº 128/2022) são beneficiados com a aposentadoria por idade rural os trabalhadores rurais enquadrados nas categorias de: I – empregados rurais; II – contribuintes individuais que prestam serviço de natureza rural a empresa(s), a outro contribuinte individual equiparado a empresa ou a produtor rural pessoa física; III – contribuintes individuais garimpeiros, que trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar, na forma do § 1º do art. 1091; IV – trabalhadores avulsos que prestam serviço de natureza rural; e V – segurado especial.
Frise-se que não se transfere ao empregado rural a obrigação de comprovar os recolhimentos das contribuições referente período laborativo anotado na carteira profissional, uma vez que é de responsabilidade exclusiva do empregador o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social, não podendo, assim, o segurado ser prejudicado em razão de qualquer conduta negligente do empregador neste sentido. Precedente do STJ: REsp 566405/MG, Relatora Ministra Laurita Vaz, j.18/11/03, DJ 15/12/03, p 394.
De rigor, portanto, o deferimento de benefício, porquanto comprovado o exercício da atividade rural pelo período da carência legalmente exigido, bem como o exercício em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, conforme estabelecido pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP.
Desprovido o recurso do INSS, cabível a majoração dos honorários em grau recursal, os quais majoro em 2%, em observância aos critérios do art. 85, §2º c.c. §11º do CPC.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É O VOTO.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. VERIFICADO. PROVA TESTEMUNHAL COESAS E HARMÔNICA. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. APELAÇÃO. NÃO PROVIMENTO.
Nos termos dos arts. 48 e seguintes da Lei n.º 8.213/91, a aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, e o preenchimento etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
Verificada a existência de início de prova material, que foi corroborado por prova testemunhal robusta, coesa e detalhada relativa à atividade rural pela parte autora, por período superior ao exigido pela legislação previdenciária.
Esclareça que a prova testemunhal colhida nos autos não somente corrobora o início de prova material como também estende a sua eficácia probatória. Consoante relevante tese, firmada pela Corte Superior, em sede de recursos repetitivos, segundo a qual “Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório (STJ, Recursos repetitivos, Tema 638).
Honorários recursais majorados.
Recurso de apelação não provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
