Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5011365-89.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/12/2019
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL COMPROVADA EM PARTE. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA EM
PARTE. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA EM PARTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
1. A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está
condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91.
2. Não há nenhuma documentação em nome do requerente ou de seus genitores, para
comprovar o trabalho rural anterior a 1980, portanto, insuficiente para sustentar a tese de que
trabalhou desde criança, em regime de economia familiar, no campo. No mesmo sentido, as
testemunhas, apesar de corroborarem o descrito na exordial, não suprem as lacunas existentes
por falta de provas materiais. Dessa forma, diante da prova material acostada aos autos, aliada à
prova testemunhal, colhida sob o crivo do contraditório, restou configurado o labor rural exercido
pelo autor no período de 01/01/1980 a 31/01/1984.
3. Quanto ao ruído, da análise dos documentos juntados aos autos, e de acordo com a legislação
previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividades especiais no
período de 04/01/1990 a 31/07/1990, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a
função de apontador e esteve exposto a ruído de 95 dB (A); no período de 24/05/1993 a
15/12/1994, vez que, conforme PPP e laudos técnicos juntados aos autos, exerceu a função de
operador júnior de medição e esteve exposto a ruído de 90 dB (A); e no período de 01/02/2007 a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
25/05/2010, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a atividade de operador de
extrusora e esteve exposto a ruído sempre superior a 88 dB (A), atividades consideradas
insalubres com base no item 1.1.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, item 1.1.5, Anexo I, do
Decreto nº 83.080/79, item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e item 2.0.1, Anexo IV, do
Decreto nº 3.048/99.
4. Quanto ao período de 16/12/1994 a 04/03/2003, tanto o PPP juntado aos autos, quanto os
laudos técnicos, atestam que o responsável técnico esteve presente somente no período de
dezembro de 1994, de forma que não poderia averiguar a insalubridade dos períodos posteriores,
embora pudesse atestar a insalubridade do período anterior, mantidas as mesmas condições de
trabalho no momento das medições, motivo pelo qual não pode ser computado como especial o
período posterior a dezembro de 1994.
5. Computado o período de trabalho especial, ora reconhecido, acrescidos dos períodos
incontroversos, constantes do CNIS, até a data do ajuizamento da ação, perfazem-se mais de
trinta e cinco anos de contribuição, o que autoriza a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição integral, na forma do artigo 53, inciso II, da Lei nº 8.213/91, correspondente a 100%
(cem por cento) do salário-de-benefício.
6. Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação da parte autora parcialmente provida.
Benefício concedido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5011365-89.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: EDUARDO AFONSO DE ARAUJO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA CRISTINA DE CARVALHO DUTRA - SP138904-A,
SINVAL MIRANDA DUTRA JUNIOR - SP159517-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, EDUARDO AFONSO DE
ARAUJO
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA CRISTINA DE CARVALHO DUTRA - SP138904-A,
SINVAL MIRANDA DUTRA JUNIOR - SP159517-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5011365-89.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
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INSS
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SINVAL MIRANDA DUTRA JUNIOR - SP159517-A
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação previdenciária, ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural e atividade
especial que, somados aos demais períodos de trabalho registrados em CTPS, seria suficiente
para concessão do benefício.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido ao reconhecer o período de 01/01/1980 a
31/01/1984 como tempo de atividade rural, e os períodos de 04/01/1990 a 31/07/1990, de
21/11/1994 a 15/12/1994, e de 01/07/2007 a 25/05/2010, como especiais, mas não concedeu o
benefício de aposentadoria pleiteado. Por fim, condenou o INSS ao pagamento de honorários
advocatícios fixados em 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Irresignado, o INSS interpôs apelação sustentando, preliminarmente, que a parte autora não
trouxe aos autos início de prova material bastante para comprovar o trabalho rural, motivo pelo
qual não faz jus ao reconhecimento do período pleiteado. Afirma, também, que a parte autora não
provou que os períodos laborados podem ser considerados como especiais, tendo em vista a não
comprovação de exposição de forma habitual e permanente a agentes nocivos.
A parte autora apresentou apelação, pleiteando o reconhecimento da atividade rural desde os 12
anos de idade, bem como o reconhecimento do exercício de atividade especial no período de
19/11/2003 a 31/01/2007, além dos períodos já reconhecidos em sentença, o que seria suficiente
à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. Subsidiariamente, pleiteia
a reafirmação da DER e a majoração do percentual da verba honorária.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5011365-89.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: EDUARDO AFONSO DE ARAUJO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: ADRIANA CRISTINA DE CARVALHO DUTRA - SP138904-A,
SINVAL MIRANDA DUTRA JUNIOR - SP159517-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, EDUARDO AFONSO DE
ARAUJO
Advogados do(a) APELADO: ADRIANA CRISTINA DE CARVALHO DUTRA - SP138904-A,
SINVAL MIRANDA DUTRA JUNIOR - SP159517-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Verifico, em juízo de admissibilidade, que os recursos ora analisados mostram-se formalmente
regulares, motivados (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de
adequação (art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse
recursal e inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-os e passo a apreciá-los nos termos do
artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Passo, agora, à análise do mérito recursal.
A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está
condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91.
A par do tempo de serviço/contribuição, deve também o segurado comprovar o cumprimento da
carência, nos termos do artigo 25, inciso II, da Lei nº 8.213/91. Aos já filiados quando do advento
da mencionada lei, vige a tabela de seu artigo 142 (norma de transição), em que, para cada ano
de implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número
de meses de contribuição inferior aos 180 (cento e oitenta) exigidos pela regra permanente do
citado artigo 25, inciso II.
Para aqueles que implementaram os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de
serviço até a data de publicação da EC nº 20/98 (16/12/1998), fica assegurada a percepção do
benefício, na forma integral ou proporcional, conforme o caso, com base nas regras anteriores ao
referido diploma legal.
Por sua vez, para os segurados já filiados à Previdência Social, mas que não implementaram os
requisitos para a percepção da aposentadoria por tempo de serviço antes da sua entrada em
vigor, a EC nº 20/98 impôs as seguintes condições, em seu artigo 9º, incisos I e II.
Ressalte-se, contudo, que as regras de transição previstas no artigo 9º, incisos I e II, da EC nº
20/98 aplicam-se somente para a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, e não para a
integral, uma vez que tais requisitos não foram previstos nas regras permanentes para obtenção
do referido benefício.
Desse modo, caso o segurado complete o tempo suficiente para a percepção da aposentadoria
na forma integral, faz jus ao benefício independentemente de cumprimento do requisito etário e
do período adicional de contribuição, previstos no artigo 9º da EC nº 20/98.
Por sua vez, para aqueles filiados à Previdência Social após a EC nº 20/98, não há mais
possibilidade de percepção da aposentadoria proporcional, mas apenas na forma integral, desde
que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e de
30 (trinta) anos, para as mulheres.
Portanto, atualmente vigoram as seguintes regras para a concessão de aposentadoria por tempo
de serviço/contribuição:
1) Segurados filiados à Previdência Social antes da EC nº 20/98:
a) têm direito à aposentadoria (integral ou proporcional), calculada com base nas regras
anteriores à EC nº 20/98, desde que cumprida a carência do artigo 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/91,
e o tempo de serviço/contribuição dos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91 até 16/12/1998;
b) têm direito à aposentadoria proporcional, calculada com base nas regras posteriores à EC nº
20/98, desde que cumprida a carência do artigo 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/91, o tempo de
serviço/contribuição dos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91, além dos requisitos adicionais do art.
9º da EC nº 20/98 (idade mínima e período adicional de contribuição de 40%);
c) têm direito à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98,
desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os
homens, e de 30 (trinta) anos, para as mulheres;
2) Segurados filiados à Previdência Social após a EC nº 20/98:
- têm direito somente à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC
nº 20/98, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para
os homens, e 30 (trinta) anos, para as mulheres.
In casu, a parte autora alega que trabalhou como rural desde os 12 anos de idade que, somado
aos períodos especiais de 04/01/1990 a 31/07/1990, de 21/11/1994 a 15/12/1994, de 19/11/2003
a 31/01/2007, e de 01/07/2007 a 25/05/2010, contabilizaria tempo suficiente à concessão do
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento dos períodos acima
mencionados – excetuados os incontroversos, já reconhecidos administrativamente pelo INSS (o
período de 19/11/2003 a 31/01/2007 como especial, e o período de 01/01/1980 a 31/12/1982
como rural) – bem como o preenchimento dos requisitos para concessão do benefício vindicado.
Atividade Rural
Cumpre observar que o artigo 4º da EC nº 20/98 estabelece que o tempo de serviço reconhecido
pela lei vigente é considerado tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no Regime
Geral da Previdência Social.
Por seu turno, o artigo 55 da Lei nº 8.213/91 determina que o cômputo do tempo de serviço para
o fim de obtenção de benefício previdenciário se obtém mediante a comprovação da atividade
laborativa vinculada ao Regime Geral da Previdência Social, na forma estabelecida em
Regulamento.
E, no que se refere ao tempo de serviço de trabalho rural anterior à vigência da Lei nº 8.213/91, o
artigo 55, em seu § 2º, prevê o seguinte:
"§ 2º. O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência
desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento." (g. n.)
Cabe destacar ainda que o artigo 60, inciso X, do Decreto nº 3.048/99 admite o cômputo do
tempo de serviço rural anterior a novembro de 1991 como tempo de contribuição (TRF 3ª Região,
AC nº 1037578/SP, 8ª Turma, Des. Rel. Therezinha Cazerta, e-DJF3 Judicial 1 17/07/2012).
De acordo com a jurisprudência, suficiente, a tal demonstração, início de prova material,
corroborado por prova testemunhal, atentando-se, dentre outros aspectos, que: em regra, são
extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou os conviventes, aparecem
qualificados como lavradores; o abandono da ocupação rural, por parte de quem se empresta a
qualificação profissional, em nada interfere no deferimento da postulação, desde que se anteveja
a persistência do mister campesino, pelo requerente; mantém a qualidade de segurado, o obreiro
que cessa sua atividade laboral, em consequência de moléstia; a prestação de labor urbano,
intercalado com lides rurais, de per si, não desnatura o princípio de prova documental amealhado;
durante o período de graça, a filiação e consequentes direitos, perante a Previdência Social ficam
preservados.
Ressalte-se ser possível o reconhecimento do tempo de atividade rural prestado, já aos 12 (doze)
anos de idade, consoante precedentes dos Tribunais Superiores: STF, AI 476.950-AgR, Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 11.3.2005; STJ, AR 3629/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Revis.
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, julg. 23.06.2008, DJe 09.09.2008.
Quanto à prova testemunhal, pacificado no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que
apenas ela não basta para a comprovação da atividade rural, requerendo a existência de início de
prova material, conforme entendimento cristalizado na Súmula 149, que assim dispõe: "A prova
exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da
obtenção do benefício previdenciário". Em suma, a prova testemunhal deve corroborar a prova
material, mas não a substitui.
No caso em concreto, o requerente juntou aos autos, como início de prova material, certificado de
cadastro no INCRA, em nome do pai do autor, qualificado como “trabalhador rural”, referente aos
exercícios de 1980, 1981 e 1982; e título eleitoral do autor, datado de 14/02/1980, no qual é
qualificado como “lavrador”. Os outros documentos apresentados, não atestam a qualidade de
rural do autor ou de seus genitores em período anterior a 1980, de forma que não consta nos
autos início de prova material de exercício de trabalho rural anterior a 01/01/1980.
Assim, considero extremamente frágil e insuficiente o início de prova material apresentado para
comprovar o trabalho rural anterior a 1980. Não há nenhuma documentação em nome do
requerente ou de seus genitores, portanto, insuficiente para sustentar a tese de que trabalhou
desde criança, em regime de economia familiar, no campo. No mesmo sentido, as testemunhas,
apesar de corroborarem o descrito na exordial, não suprem as lacunas existentes por falta de
provas materiais.
Dessa forma, diante da prova material acostada aos autos, aliada à prova testemunhal, colhida
sob o crivo do contraditório, restou configurado o labor rural exercido pelo autor no período de
01/01/1980 a 31/01/1984.
Da atividade especial:
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Por sua vez, dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma
vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25
(vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou
periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº
8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo
seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por
laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então
denominado informativo SB-40.
Foram baixados pelo Poder Executivo os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os
serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades
profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o
critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o
tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no
decreto baixado pelo Poder Executivo como penosas, insalubres ou perigosas,
independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo
152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá
ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da
legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e
Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir
da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão
a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas
atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original,
estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até
então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas a
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até
então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-
se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg.
28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº
53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação
daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas,
deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel.
Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a
considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído
superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos
tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº
4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente
agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o
entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997
caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo
543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo
que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a
atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A).
Nesse sentido, segue a ementa do referido julgado:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E
RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO.
LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE
85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC
1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela
vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel.
Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman
Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
2. O limite de tolerância para configuração da especial idade do tempo de serviço para o agente
ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto
2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto
4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-
LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto
3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo
da especial idade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral.
4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e
da Resolução STJ 8/2008." (STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN
BENJAMIN, DJe 05/12/2014)
Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não descaracteriza a natureza
especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os
agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente
reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC nº 2000.03.99.031362-0/SP;
1ª Turma; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11) e do Colendo
Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 458).
Quanto ao ruído, da análise dos documentos juntados aos autos, e de acordo com a legislação
previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividades especiais:
- no período de 04/01/1990 a 31/07/1990, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a
função de apontador e esteve exposto a ruído de 95 dB (A), atividade considerada insalubre com
base no item 1.1.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, item 1.1.5, Anexo I, do Decreto nº
83.080/79, item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº
3.048/99.
- no período de 24/05/1993 a 15/12/1994, vez que, conforme PPP e laudos técnicos juntados aos
autos, exerceu a função de operador júnior de medição e esteve exposto a ruído de 90 dB (A),
atividade considerada insalubre com base no item 1.1.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, item
1.1.5, Anexo I, do Decreto nº 83.080/79, item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e item
2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99.
- no período de 01/02/2007 a 25/05/2010, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a
atividade de operador de extrusora e esteve exposto a ruído sempre superior a 88 dB (A),
atividade considerada insalubre com base no item 1.1.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, item
1.1.5, Anexo I, do Decreto nº 83.080/79, item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e item
2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99.
Quanto ao período de 16/12/1994 a 04/03/2003, tanto o PPP juntado aos autos, quanto os laudos
técnicos, atestam que o responsável técnico esteve presente somente no período de dezembro
de 1994, de forma que não poderia averiguar a insalubridade dos períodos posteriores, embora
pudesse atestar a insalubridade do período anterior, mantidas as mesmas condições de trabalho
no momento das medições, motivo pelo qual não pode ser computado como especial o período
posterior a dezembro de 1994.
Os períodos registrados em CTPS são suficientes para garantir o cumprimento da carência, de
acordo com a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/1991.
Desse modo, computado o período de trabalho especial, ora reconhecido, acrescidos dos
períodos incontroversos, constantes do CNIS, até a data do ajuizamento da ação, perfazem-se
mais de trinta e cinco anos de contribuição, conforme planilha anexa, o que autoriza a concessão
da aposentadoria por tempo de contribuição integral, na forma do artigo 53, inciso II, da Lei nº
8.213/91, correspondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, com valor a ser
calculado nos termos do artigo 29 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.876/99.
Assim, positivados os requisitos legais, reconhece-se o direito da parte autora à aposentadoria
por tempo de contribuição, a ser implantada a partir da data do ajuizamento da ação, uma vez
que na ocasião em que o INSS tomou ciência da sua pretensão, data do requerimento
administrativo, a parte ainda não contava com tempo suficiente à concessão do benefício
vindicado.
Quanto ao cálculo dos juros de mora e correção monetária, apliquem-se os critérios estabelecidos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à
época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
Quanto à verba honorária, esta Turma firmou o entendimento no sentido de que os honorários
advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre a soma das parcelas devidas até a
data da prolação da sentença, ainda que improcedente ou anulada (artigo 85, §§ 2º e 3º, do
Código de Processo Civil), aplicada a Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a
qual os honorários advocatícios, nas ações de cunho previdenciário, não incidem sobre o valor
das prestações vencidas após a data da prolação da sentença. Assim, fixo a verba honorária
devida pelo INSS em 10% (dez por cento) sobre a soma das parcelas vencidas até a data da
sentença.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento ao
recurso adesivo da parte autora, para conhecer o exercício de trabalho rural apenas no período
de 01/01/1980 a 31/01/1984, conhecer o exercício de atividade especial nos períodos de
04/01/1990 a 31/07/1990, de 24/05/1993 a 15/12/1994, e de 01/07/2007 a 25/05/2010, e
conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data do
ajuizamento da ação, nos termos acima expostos.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
ATIVIDADE RURAL COMPROVADA EM PARTE. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA EM
PARTE. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PROVIDA EM PARTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
1. A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está
condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91.
2. Não há nenhuma documentação em nome do requerente ou de seus genitores, para
comprovar o trabalho rural anterior a 1980, portanto, insuficiente para sustentar a tese de que
trabalhou desde criança, em regime de economia familiar, no campo. No mesmo sentido, as
testemunhas, apesar de corroborarem o descrito na exordial, não suprem as lacunas existentes
por falta de provas materiais. Dessa forma, diante da prova material acostada aos autos, aliada à
prova testemunhal, colhida sob o crivo do contraditório, restou configurado o labor rural exercido
pelo autor no período de 01/01/1980 a 31/01/1984.
3. Quanto ao ruído, da análise dos documentos juntados aos autos, e de acordo com a legislação
previdenciária vigente à época, a parte autora comprovou o exercício de atividades especiais no
período de 04/01/1990 a 31/07/1990, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a
função de apontador e esteve exposto a ruído de 95 dB (A); no período de 24/05/1993 a
15/12/1994, vez que, conforme PPP e laudos técnicos juntados aos autos, exerceu a função de
operador júnior de medição e esteve exposto a ruído de 90 dB (A); e no período de 01/02/2007 a
25/05/2010, vez que, conforme PPP juntado aos autos, exerceu a atividade de operador de
extrusora e esteve exposto a ruído sempre superior a 88 dB (A), atividades consideradas
insalubres com base no item 1.1.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, item 1.1.5, Anexo I, do
Decreto nº 83.080/79, item 2.0.1, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e item 2.0.1, Anexo IV, do
Decreto nº 3.048/99.
4. Quanto ao período de 16/12/1994 a 04/03/2003, tanto o PPP juntado aos autos, quanto os
laudos técnicos, atestam que o responsável técnico esteve presente somente no período de
dezembro de 1994, de forma que não poderia averiguar a insalubridade dos períodos posteriores,
embora pudesse atestar a insalubridade do período anterior, mantidas as mesmas condições de
trabalho no momento das medições, motivo pelo qual não pode ser computado como especial o
período posterior a dezembro de 1994.
5. Computado o período de trabalho especial, ora reconhecido, acrescidos dos períodos
incontroversos, constantes do CNIS, até a data do ajuizamento da ação, perfazem-se mais de
trinta e cinco anos de contribuição, o que autoriza a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição integral, na forma do artigo 53, inciso II, da Lei nº 8.213/91, correspondente a 100%
(cem por cento) do salário-de-benefício.
6. Apelação do INSS parcialmente provida. Apelação da parte autora parcialmente provida.
Benefício concedido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento ao
recurso adesivo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
