Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003444-83.2022.4.03.6104
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/06/2024
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 24/06/2024
Ementa
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE
PERMANENTE. VALOR DO BENEFÍCIO. COMPENSAÇÃO DOS VALORES
ADMINISTRATIVOS JÁ PAGOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSECTÁRIOS.
- Demonstrado nos autos que a parte autora implementou os requisitos legais para a concessão
da aposentadoria por incapacidade permanente em período anterior à vigência da EC 103/2019,
conforme conclusões periciais, judicial e administrativa, e à vista da concessão administrativa de
benefícios por incapacidade, em interregno antecedente à Emenda Constitucional, sem a
recuperação da capacidade laboral.
- Desse modo, o valor do benefício deve ser calculado nos termos do disposto no art. 44 da Lei n°
8.213/1991, legislação de regência anterior à Emenda Constitucional, em cuja vigência houve a
implementação das condições para a concessão do benefício. Inteligência do princípio "tempus
regit actum".
- Determinada a compensação dos valores eventualmente pagos a título de auxílio por
incapacidade temporária ou outro benefício cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei
8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993) após a data de início do benefício concedido nesta
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ação.
- Não configurada a prescrição quinquenal, pois não decorreram mais de 05 anos entre a data do
requerimento administrativo e da propositura da presente ação.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- A sentença determinou “Custas na forma da lei”, o que implica a isenção ao pagamento das
custas processuais nas ações propostas na Justiça Federal, conforme art. 4º, I, da Lei Federal nº
9.289/96. Falta de interesse recursal.
-. Apelação do INSS não conhecida em parte e, na parte conhecida, provida em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003444-83.2022.4.03.6104
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FULVIO NOGUEIRA
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003444-83.2022.4.03.6104
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FULVIO NOGUEIRA
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta em face dasentença, integrada por embargos de declaração,
que julgou procedente pedido para condenar o réu a revisar o cálculo da renda mensal inicial
(RMI) da aposentadoria por incapacidade permanente (NB 32/635.062.600-5), considerando
como DII (Data de Início da Incapacidade) o dia 1º/9/2019.
Consequentemente, condenou o réu a restituir os valores indevidamente descontados a título
de consignação pela autarquia, desde fevereiro de 2022, com acréscimo dos consectários
legais, e declarou a nulidade do ato administrativo que determinou a respectiva cobrança.
Houve antecipação dos efeitos da tutela para fins de determinar a revisão da RMI, no prazo
máximo de 30 (trinta) dias, independentemente do trânsito em julgado, ratificando-a na parte
que deferiu a cessação do desconto consignado sobre o benefício.
Inconformado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) requer a reforma da sentença e
reconhecimento da DII permanente somente em 5/2021 e a manutenção do cálculo da renda
mensal do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente de acordo com as regras
previstas na Emenda Constitucional n. 103/2019.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:
Com a devida vênia, divirjo da e. relatora.
DO CASO DOS AUTOS
VALOR DO BENEFÍCIO
Cumpre-me observar que, conforme o princípio tempus regit actum, um dos pilares do direito
previdenciário, deve-se considerar preenchidos os requisitos legais para a concessão dos
benefícios previdenciários à data do implemento das condições pelo segurado.
Nesse sentido, observo que o perito judicial indicou o início da incapacidade laborativa “desde
2007” (Discussão: - ID 280329080).
Da mesma forma, o perito administrativo aponta que o requerente implementou as condições
para a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente desde 01.09.2019 (ID
280329092 – pág. 59), frise-se, marco temporal anterior à vigência da EC 103/2019.
Por sua vez, os documentos médicos juntados aos autos (ID 280329049 – págs. 16-25) se
coadunam à conclusão pericial, pois demonstram a existência de incapacidade laboral, pelas
mesmas patologias constatadas na perícia judicial, desde pelo menos 2018, bem como
evidenciam a persistência dessa incapacidade em momento posterior.
Vale destacar que o autor gozou de auxílio por incapacidade temporária nos períodos de
18.04.2007 a 01.10.2015, de 03.11.2015 a 15.05.2018 e de 19.06.2018 a 12.05.2021,
convertido em aposentadoria por incapacidade permanente em 13.05.2021 (CNIS - ID
280329049 – págs. 61-62), ou seja, não houve a recuperação da capacidade laborativa.
Assim, verifica-se que o requerente implementou as condições para a concessão da
aposentadoria permanente em período anterior à vigência da Emenda Constitucional n°
103/2019 (data da publicação em 13.11.2019), desde 09.2019, conforme conclusão pericial
administrativa.
Portanto, o valor da aposentadoria por incapacidade permanente deve observar a legislação de
regência vigente à época do implemento dos requisitos legais pela parte autora (art. 44 da Lei
n° 8.213/1991), nos termos da sentença.
COMPENSAÇÃO DOS VALORES ADMINISTRATIVOS JÁ PAGOS.
Verifica-se que o juízo “a quo” fixou a DIB sem indicar a necessidade do desconto de valores
inacumuláveis.
Desse modo, determino a compensação dos valores eventualmente pagos a título de auxílio por
incapacidade temporária ou outro benefício cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei
8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993) após a data de início do benefício concedido
nesta ação.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL PARCELAS ATRASADAS
O Superior Tribunal de Justiça já pacificou a questão da prescrição das parcelas vencidas
anteriormente ao ajuizamento da ação previdenciária, com a edição da Súmula 85:
"Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública - aqui incluído o INSS -
figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição
atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação."
Considerando o ajuizamento da ação em 06.06.2022 e a data do início do benefício fixada em
01.09.2019, verifica-se que não há parcelas atingidas pela prescrição quinquenal.
CONSECTÁRIOS
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios, a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas
vencidas até a sentença de procedência.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
Falta de interesse recursal do INSS, pois a sentença determinou “Custas na forma da lei”, o que
implica a isenção ao pagamento das custas processuais nas ações propostas na Justiça
Federal, conforme art. 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/96.
PREQUESTIONAMENTO
Por derradeiro, a sentença não ofendeu qualquer dispositivo legal, não havendo razão ao
prequestionamento.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com a devida vênia a e. relatora, não conheço de parte da apelação e, na parte
conhecida, dou parcial provimento à apelação do INSS, apenas para determinar a
compensação dos valores eventualmente pagos a título de auxílio por incapacidade temporária
ou outro benefício cuja cumulação seja vedada por lei após a data de início do benefício
concedido nesta ação, observado o exposto acerca dos honorários advocatícios, nos termos da
fundamentação.
É o voto.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003444-83.2022.4.03.6104
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FULVIO NOGUEIRA
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Trata-se de ação de conhecimentona qual aparte autora requer, em síntese,a cessação dos
descontos decorrentes da redução do valor deseu benefício previdenciário, em razão da
conversão de auxílio-doença em aposentadoria por incapacidade permanente (DIB 13/5/2021),
fruto da aplicação das disposições da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019.
Pelo que se colhe-se dos autos, quando da conversão, com eficácia retroativa, houve drástica
redução do valor da renda mensal, o que geroudiferençaem seu desfavor, que passou a ser
descontada da aposentadoria.
Salienta a inconstitucionalidade dos dispositivos que introduziramnovo coeficiente de cálculo
para a aposentadoria por incapacidade permanente, em virtude de ofensa aos princípios da
igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título
VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal
(CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em
13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência
Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de
incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada(...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III,
da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade
permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente
incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação
em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que,
estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e
insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e
será pago enquanto perdurar essa condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC
n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à
luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas,
mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e
Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade
de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a
demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime
Geral da Previdência Social.
Quanto ao cálculo do salário de benefício, com o advento da Emenda Constitucional n. 103, de
12/11/2019, o cálculo da renda mensal inicial (RMI) foi alterado, tendo sido, sobretudo,
retomada a diferenciação do valor do benefício com fundamento na origem da incapacidade
(acidentária ou não-acidentária), como outrora previsto na redação primitiva da Lei n.
8.213/1991 (antes da alteração introduzida pela Lei n. 9.032/1995).
A RMI, para as aposentadorias por incapacidade permanente não acidentárias,corresponderá a
60% (sessenta por cento) do salário de benefício, com acréscimo de 2% (dois por cento) para
cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição, se homem, e 15
anos de contribuição, se mulher. A seu turno, o salário de benefício será calculado com
amparona média aritmética simples de 100% (cem por cento) dos salários de contribuição do
segurado a partir da competência de julho/1994.
Já para aaposentadoriapor incapacidade permanenteacidentária, a RMI do benefício será de
100% (cem por cento) do salário de benefício, sendo este apurado, também, com base na
média aritmética simples de 100% (cem por cento) dos salários de contribuição do segurado a
partir da competência de julho/1994.
Nesse sentidoé o teor da Portaria INSS n. 450/2020:
"Subseção II
Aposentadoria por incapacidade permanente
Art. 40. A aposentadoria por invalidez passa a ser chamada aposentadoria por incapacidade
permanente e poderá ser concedida nas modalidades previdenciária e acidentária.
Art. 41. Para a aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária, a RMI será de 60%
(sessenta por cento) do SB, acrescidos de 2% (dois por cento) para cada ano de contribuição
que exceder 15 (quinze) anos de contribuição, no caso da mulher, e 20 (vinte), no caso do
homem, nos termos do art. 26 da EC nº 103, de 2019.
Art. 42. Para a aposentadoria por incapacidade permanente acidentária, a RMI será 100% (cem
por cento) do SB."
Na hipótese, consoante emerge da carta de concessão, a parte autora obteve aposentadoria
por invalidez previdenciária com DIB fixada em 13/5/2021 (NB 42/635.062.600-5).
De fato, a incapacidade que enseja o reconhecimento da aposentadoria por incapacidade
certamente difere daquela que permite a proteção por meio do auxílio por incapacidade
temporária, ocorrendo em momentos distintos.
Assim, ainda que a aposentadoria tenha sido precedida de auxílio por incapacidade temporária,
o direito à aposentadoria nasce apenas no momento em que a incapacidade se torna
definitiva/insusceptível de reabilitação, inexistindo, portanto, direito adquirido ao regramento
pretérito.
Nessa esteira, apenas na perícia administrativa realizada em 13/5/2021 foi constatada a
incapacidade total e permanente com indicação de concessão de aposentadoria.
Ora! Como a incapacidade permanente não acidentária –fato gerador do benefício deferido
–surgiu após o advento da EC n. 103/2019, as regras aplicáveis à jubilação são aquelas
vigentes no momento do surgimento da contingência definitiva (tempus regit actum), o que inclui
o critério de cálculo do artigo 26 da EC n. 103/2019 (60% do salário de benefício, com
acréscimo de 2% para cada ano de contribuição) e, nesse aspecto, não cabe cogitar de
ilegalidade, tampouco de inconstitucionalidade.
Efetivamente, a circunstância de a nova fórmula de cálculo da RMI ser, em tese, prejudicial ao
segurado em relação à regra anteriormente prevista não se afigura suficiente, por si mesma, a
tornar a norma inconstitucional por ofensa aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade.
Embora não se negueo impacto significativo em parcela dos segurados, ela resultou de opção
legislativa, a fim de assegurar acontinuidade de cobertura previdenciária aos trabalhadores
diante de conjunturas sociais, econômicas e demográficas, bem como da necessidade de
conservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema de previdência social. E seu conteúdo
não extrapolou o espaço de conformação admitido pela Constituição Federal.
Nesse sentido:
"REVISÃO DE RMI DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CONCEDIDA APÓS A EC 103/19
– SENTENÇA IMPROCEDENTE – RECURSO DA PARTE AUTORA – MANTER PELO 46"
(RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL/SP, 5000019-04.2022.4.03.6345, Rel. Juiz Fed
FLAVIA PELLEGRINO SOARES, 4ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, j.
19/08/2022, Data da Publicação/Fonte DJEN DATA: 29/8/2022)
Ademais, "os dispositivos constitucionais tem aplicabilidade imediata, alcançando os efeitos
futuros de fatos passados (retroatividade mínima)" (cf. STF, RE n. 140499, Rel. Min. Moreira
Alves, 1ª Turma, j. 20/3/2001, Dj 14/5/2001, republic 18/5/2001).
Em suma: controvérsia acerca de critério de cálculo dos benefícios previdenciários exige
incursionar em temas de política legislativa, situação vedada ao Poder Judiciário, o qual não
pode assumir o papel do legislador positivo, em observância ao estado democrático de direito.
No mais,conquanto a perícia médica judicial de23/6/2022tenha constatado a incapacidade
laboral total e permanente da parte autora (nascido em 1976), em virtude doquadro clínico e
laboratorial de pós-operatório de artroplastia de quadril, com substituição dos quadris por
próteses de polietileno, ela foi conclusiva pela possibilidade de reabilitação profissionalpara o
exercício de outras atividades laborativas que lhe garantam subsistência, como porteiro e
ascensorista.
Por sua vez, aperícia administrativa de4/10/2019foi no mesmo sentido, pois, embora reconheça
incapacidade desde 1º/9/2019 (DII), consignou a possibilidade de reabilitação profissional do
segurado.
É importante destacar o fato de que a autarquia previdenciária deu oportunidade à parte autora
departicipação no Programa de Reabilitação Profissional, conforme comprovam os documentos
acostados aos autos. Contudo, houvesucessivas interrupções e comprovada recusa daparte
autora acursar a reabilitação profissional ofertada.
Somente depois da queda e fratura de membro superior direito, ocorrida em 1º/3/2021,
associadaà limitação importante da deambulação já existente, é que foi constatada
administrativamente a incapacidade total e permanente do requerente, com conversão do
auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente a contar
da perícia administrativa realizada em 13/5/2021, não havendo, nesse aspecto,qualquer
incorreção no ato administrativo.
Não se ignora a resposta ao item 5 dos quesitos apresentados pelo autor ao perito judicial, na
qual este afirmou a incapacidadepermanentemente daqueleantes de 14/11/2019 (dia
imediatamente posterior à data de publicação da EC n. 103/2019).
Lembro, por oportuno, de que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial, especialmente
quando há elementos de prova que autorizam convicção em sentido diverso, como é o caso
destes autos.
Nessa esteira, não houve equívoco algum do INSS ao fixar a DIB da aposentadoria por
incapacidade permanente em 13/5/2021, porquanto os documentos juntados aos autos, de
fato,demonstram agravamento clínico nessa data.
Por consequência, a hipótese dos autos não autoriza a pretensão de que a RMI da
aposentadoria do segurado mantenha o coeficiente de cálculo previsto na legislação pretérita.
DA DEVOLUÇÃO DE VALORES
AAdministração Pública goza de prerrogativas, dentre as quais o controle administrativo, sendo-
lhe dado rever os atosde seus próprios órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade (artigo
37 da Constituição Federal de 1988), bem como revogando os atos cuja conveniência e
oportunidade não mais subsistam.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas n. 346 e 473 do STF,
tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade, da moralidade
administrativa e da supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos
constitucionais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF/1988), além da
Lei n. 9.784/1999, aplicável à espécie:
"A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos."
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação
judicial."
Por sua vez, à luz doCódigo Civil (artigo876), percebepagamento indevido todo"aquele que
recebeu o que não era devido" e, por consequência,"fica obrigado a restituir".
Ademais, deve ser levado em consideração o princípio geral do direito, positivado como regra
no atual Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito ou sem causa.
É o que textualmente estabelece o artigo 884 do Código Civil:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido."
Na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos
indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei
n. 8.213/1991.
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares,sãorepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Nesse sentido: TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1028622 - 0021597-
06.2005.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS, julgado em
24/05/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/07/2010 PÁGINA: 1303; TRF 3ª Região, SÉTIMA
TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1627788 - 0016651-78.2011.4.03.9999, Rel.
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 02/10/2017, e-DJF3
Judicial 1 DATA:16/10/2017.
Neste caso, a conversão do benefício de auxílio por incapacidade temporária para
aposentadoria por incapacidade permanente foi realizada administrativamente, conforme perícia
médica realizada em 13/5/2021, observando-se a legislação de regência.
Consideradas, contudo,a data de início do benefício (DIB) da aposentadoria por incapacidade
permanente (NB 32/635.062.600-5) fixada em 13/5/2021, a data de cessação do benefício
(DCB) deauxílio por incapacidade temporária (NB 31/623.614.299-1) fixada no dia
imediatamente anterior (12/5/2021), e o recebimento (indevido) pelo segurado deauxílio por
incapacidade temporária até a competência 1/2022 (paga em 4/2/2022), houve a necessidade
de se realizar o acerto de contas entre os dois benefícios, porque o cálculo da RMI da
aposentadoria por invalidez concedida depois daEC n. 103/2019 resultou em valor inferior ao
benefício pretérito, nos termos das alterações constitucionais e legislativas referidas no capítulo
anterior deste julgado.
Como se nota, a parte autora recebeu valores a mais a título de renda mensal do auxílio por
incapacidade temporária depois dafixação da data de início do benefício de aposentadoria por
incapacidade permanente (DIB: 13/5/2021), a qual foi efetivamente implantada na competência
2/2022.
Quanto a esse aspecto, sublinhe-se o fato de que este caso não se confunde com erro
administrativo tratado no Tema n. 979 do STJ, porque os valores indevidos decorreram da
estrita aplicação pelo INSS do mencionadonovo regramento legislativo constitucional do
benefício deferido.
Assim, por tratar-se de valores indevidos, é plenamente legítima a cobrança administrativa.
Incide naespécie, portanto, a regra da repetibilidade dos valores indevidamente recebidos
(artigos 115, II, da Lei n. 8.213/1991e 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999), a qual prescinde da
aferição da presença ou não de boa-fé objetiva da beneficiária ou da natureza alimentar do
benefício.
Dessa forma, não cabe cogitar dacessação dos descontos aventados no benefício de
aposentadoria por incapacidade permanente (NB 32/635.062.600-5).
Em decorrência, impõe-se a reforma da sentençapara julgar improcedentes os pedidos de
revisão e de inexigibilidade dos valoresrecebidos indevidamente.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, já majorados em razão
da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11 do CPC, suspensa, porém, a
exigibilidade, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC).
Diante do exposto, dou provimento à apelação para, nos moldes da fundamentação deste
julgado, julgar improcedente ospedidos e revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema
Repetitivo n. 692 do STJ.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela provisória anteriormente
concedida.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE
PERMANENTE. VALOR DO BENEFÍCIO. COMPENSAÇÃO DOS VALORES
ADMINISTRATIVOS JÁ PAGOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSECTÁRIOS.
- Demonstrado nos autos que a parte autora implementou os requisitos legais para a concessão
da aposentadoria por incapacidade permanente em período anterior à vigência da EC
103/2019, conforme conclusões periciais, judicial e administrativa, e à vista da concessão
administrativa de benefícios por incapacidade, em interregno antecedente à Emenda
Constitucional, sem a recuperação da capacidade laboral.
- Desse modo, o valor do benefício deve ser calculado nos termos do disposto no art. 44 da Lei
n° 8.213/1991, legislação de regência anterior à Emenda Constitucional, em cuja vigência
houve a implementação das condições para a concessão do benefício. Inteligência do princípio
"tempus regit actum".
- Determinada a compensação dos valores eventualmente pagos a título de auxílio por
incapacidade temporária ou outro benefício cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei
8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993) após a data de início do benefício concedido
nesta ação.
- Não configurada a prescrição quinquenal, pois não decorreram mais de 05 anos entre a data
do requerimento administrativo e da propositura da presente ação.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
- A sentença determinou “Custas na forma da lei”, o que implica a isenção ao pagamento das
custas processuais nas ações propostas na Justiça Federal, conforme art. 4º, I, da Lei Federal
nº 9.289/96. Falta de interesse recursal.
-. Apelação do INSS não conhecida em parte e, na parte conhecida, provida em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
maioria, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, dar-lhe
parcial provimento, nos termos do voto do Desembargador Federal Gilberto Jordan, que foi
acompanhado pelo Desembargador Federal Fonseca Gonçalves, pela Desembargadora
Federal Cristina Melo (4º voto) e pelo Juiz Federal Convocado Denilson Branco (5º voto).
Vencida a Relatora, que dava provimento à apelação. Julgamento nos termos do art. 942, caput
e § 1º, do CPC. Lavrará acórdão o Desembargador Federal Gilberto Jordan, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
