
| D.E. Publicado em 26/11/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Relator para o acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004369-79.2013.4.03.6105/SP
VOTO-VISTA
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA:
a) da apelação da empresa/ré:
Pedi vista para melhor analisar a controvérsia posta e, do exame dos autos, peço vênia ao E. Relator para acompanhar a divergência, a fim de negar provimento à apelação da ré.
O direito de regresso invocado pelo INSS é justificado pela negligência do empregador, que, ao descumprir as normas reguladoras da segurança e saúde do trabalho, contribui para ocorrência de acidentes no ambiente de trabalho.
A obrigação da empresa não exaure com a mera concessão gratuita de equipamentos adequados a proteção individual do trabalhador. Segundo norma regulamentadora (NR6, item 6.6.1), cabe ao empregador exigir o seu uso, orientar e treinar os empregados sobre a forma adequada de usá-lo, bem como o acompanhamento das atividades praticadas em seu estabelecimento.
A imposição de ressarcimento ao INSS de valores pagos a título de benefícios acidentários em casos de atuação negligente do empregador não se confunde com o pagamento da contribuição ao SAT, tributo voltado ao custeio geral dos benefícios previdenciários decorrentes de acidente de trabalho relativamente a riscos ordinários do empreendimento.
Em outras palavras, a exigibilidade de contribuição previdenciária do Seguro de Acidente do Trabalho presta-se, exclusivamente, para arcar com os benefícios relacionados com os riscos ordinários do trabalho, uma vez que a concessão de benefício previdenciário depende necessariamente de uma prévia fonte de custeio (art. 195, §5º da CF/88).
No entanto, os benefícios acidentários desembolsados pelo INSS em virtude do descumprimento das normas trabalhistas não são abrangidos pela exação, visto que excedem os riscos comuns atribuídos à atividade laboral, impondo-se, nesses casos, o ressarcimento à Autarquia Previdenciária a fim de preservar o equilíbrio atuarial do regime. Assim, não merece guarida a alegação de que a pretensão regressiva do INSS caracteriza bis in idem.
Além disso, a presente ação apresenta dupla finalidade, qual seja, evitar que a inobservância da legislação trabalhista pelo empregador onere toda a sociedade, promovendo, assim, a distribuição do ônus contra quem efetivamente teve a responsabilidade pelo acidente, bem como estimular a obediência por parte das empresas quanto às normas trabalhistas, sobretudo aquelas que visam assegurar a higiene e segurança do trabalho, de forma a garantir ao trabalhador direito constitucional de redução de riscos inerentes ao trabalho contemplado no art. 7º, XXII, da CF/88.
A esse respeito, exaustivamente, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o recolhimento de contribuição previdenciária pela pessoa jurídica não a isenta de responsabilidade por casos de acidente do trabalho decorrentes de culpa por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
Entendimentos expostos nas precedentes apelações 0005492-63.2009.403.6102 e 0001703-70.2011.403.6107 de minha relatoria.
b) da apelação do autor/INSS:
Por outro lado, quanto à apelação do INSS, entendo que comporta parcial acolhimento, para que o ressarcimento pretendido alcance todas as parcelas pagas a título de benefício previdenciário (auxílios-doença e aposentadoria por invalidez), que espelham o valor do dano experimentado.
De outro vértice, quanto aos juros moratórios e à correção monetária, adoto o entendimento no sentido de que, sobrevindo nova lei que altere os respectivos critérios, a nova disciplina legal tem aplicação imediata, inclusive aos processos já em curso.
Contudo, essa aplicação não tem efeito retroativo, ou seja, não alcança o período de tempo anterior à lei nova, que permanece regido pela lei então vigente, nos termos do que foi decidido pelo STJ no REsp n. 1205946/SP, DJE 02/02/2012.
Assim, as parcelas em atraso devem ser acrescidas de juros moratórios, incidentes desde a citação, e atualizadas monetariamente da seguinte forma:
a) até a MP n. 2.180-35/2001, que acresceu o art. 1º-F à Lei n. 9.494/97, deve incidir correção monetária, desde os respectivos vencimentos, pela variação dos indexadores previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros de mora à razão de 1% ao mês;
b) a partir da MP n. 2.180-35/2001 e até a edição da Lei n. 11.960/2009 deve incidir correção monetária, desde os respectivos vencimentos, pela variação dos indexadores previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros de mora à razão de 0,5% ao mês;
c) a partir de 01/07/2009, nos casos de condenação da Fazenda Pública oriunda de relação jurídica não-tributária, adoto o entendimento do e. Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do RE 870.974, recurso em que se reconheceu repercussão geral, declarou a constitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, no que alude à fixação de juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, porém, na parte em que disciplina a atualização monetária, reconheceu sua inconstitucionalidade por ser inadequada a capturar a variação de preços da economia, aplicando, portanto, o índice IPCA-E, previsto no Manual de Orientação de Cálculos da Justiça Federal e que melhor reflete a inflação acumulada no período.
Nesse ponto, deve ser reformada a sentença.
Os honorários advocatícios restaram bem dosados, não comportando alteração.
Por derradeiro, questões atinentes à eventual multa por atraso no pagamento da indenização e ao valor atualizado da verba devem ser aferidas na fase de execução.
Ante o exposto, peço vênia ao E. Relator para divergir e negar provimento à apelação da ré e dar parcial provimento à apelação do INSS para acolher o pleito de indenização em relação a todos os valores pagos a título de benefício previdenciário ao segurado acidentado (auxílios-doença e aposentadoria por invalidez) - item "a)" do pedido recursal (fls. 1141), devendo a atualização do débito ocorrer como especificado acima.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004369-79.2013.4.03.6105/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação de indenização, promovida pelo INSS, buscando a recomposição de benefício social (auxílio doença acidentário), que se viu obrigada a arcar, em razão de acidente ocorrido na empresa requerida, valendo-se de tese de "direito de regresso" em face do empregador.
Fundamenta sua pretensão no artigo 120, da Lei n. 8.213/91, assim redigido:
A sentença foi publicada em 16/04/2015 e julgou procedente o pedido para condenar a requerida ao ressarcimento dos valores despendidos, bem como das prestações vincendas devidas a título de benefício por incapacidade, devendo o ressarcimento das parcelas vincendas ser realizado mediante repasse à Previdência Social, até o dia 10 de cada mês, do valor do benefício mensal pago no mês anterior.
A ré foi condenada, ainda, ao pagamento de verba honorária fixada em 10% do valor da condenação corrigido, excluídas as parcelas vincendas (fls. 1073/1078).
A requerida apela sustentando a ocorrência da prescrição trienal e, no mérito propriamente dito, a inexistência de sua culpa no evento. Alternativamente, pede o retorno dos autos ao Juízo de Origem para produção de prova pericial (fls. 1082/1099).
O INSS apela para que conste expressamente a condenação do réu ao ressarcimento de valores pagos por força do auxílio-doença n° 91/539.172.482-8, do auxílio-doença n° 91/602.873.288-9 e da aposentadoria por invalidez n° 92/603.432.901-2, seja determinada a incidência da taxa SELIC, os honorários advocatícios sejam fixados em 10% sobre as parcelas vencidas e vincendas e o réu seja condenado a ressarcir as parcelas vincendas até o dia 10 de cada mês seguinte aos pagamentos (fls. 1134/1141-verso).
Contrarrazões pelo INSS, apenas (fls. 1105/1133 e 1146).
É o relatório.
VOTO
Da prescrição
Prazo prescricional aplicável
Observe-se, inicialmente, a inaplicabilidade à hipótese do artigo 37, §5º, da Constituição Federal que estabelece a imprescritibilidade das ações de ressarcimento em relação aos "ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não", considerando que a ré (empregadora do segurado) não estava investida de função pública quando da prática do ilícito.
No que se refere ao prazo de prescrição, a Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.251.993/PR, submetido ao regime dos recursos repetitivos, pacificou orientação no sentido de que nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública, seja qual for sua natureza, é quinquenal a prescrição, nos termos do artigo 1º, do Decreto-Lei 20.910/32, e não trienal, como prevê o artigo 206, § 3º, V, do CC/2002.
Assim, pelo princípio da isonomia, o mesmo prazo deve ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é autora, como é o caso da ação de regresso acidentária.
Termo inicial
No que se refere ao termo inicial do prazo prescricional, deve ser computado a partir da data de concessão do benefício, momento em que exsurge para a autarquia previdenciária a pretensão de se ressarcir dos valores despendidos no pagamento de benefício em favor do segurado ou seus dependentes.
Por outro lado, inaplicável à espécie a Súmula 85, do STJ, segundo a qual, "nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação".
Ora, a relação de trato sucessivo que se trava na espécie se dá entre o segurado/dependentes e a Previdência Social, com o pagamento mensal de benefício decorrente do acidente de trabalho e não entre a empregadora, causadora do acidente, e o INSS, de modo que a prescrição atinge o fundo de direito.
O Colendo STJ já se manifestou sobre a questão, conforme ementa que segue:
Conclusão
No caso dos autos, o benefício previdenciário foi concedido em 16/01/2010 (fl. 30) e a presente ação foi ajuizada em 29/04/2013 (fl. 02), sendo de rigor reconhecer que a pretensão autoral não foi atingida pela prescrição, devendo a sentença ser mantida neste ponto.
Do mérito da causa
Da análise do caso concreto, concluo que não se faz presente a condição necessária a justificar a pretensão do Instituto, posto que não resta demonstrado nos autos tenha a empresa ou seus responsáveis deixado de cumprir com a obrigação de atender a normas gerais de segurança e higiene do trabalho, circunstância que impede o Instituto de valer da norma que dá suporte ao pedido, considerando-se a cobertura social suportada pelo empregador para com o Estado.
Compreendendo-se o caso concreto:
Em 31/12/2009, o empregado da requerida e segurado da Previdência Social, sr. Sandro Luiz da Silva, trabalhava em uma sala de descontaminação quando houve uma explosão que destruiu a sala e derrubou uma parede sobre o empregado, causando-lhe lesões.
Primeira premissa: a ação regressiva do artigo 120, da Lei 8.213-91, não se confunde com as culpas in elegendo ou in vigilando.
A ação de regresso prevista no artigo 120, da Lei n 8.213/91, não se confunde com a responsabilidade civil geral, dado que elege como elemento necessário para sua incidência a existência de "negligência quanto às normas gerais de padrão de segurança e higiene do trabalho".
A dicção legal é clara ao não estabelecer a responsabilidade também por negligência quanto a eventuais condutas pontuais em desacordo com aquelas normas de segurança e higiene do trabalho. A lei não elege, como se vê, a responsabilidade (regressiva) em razão de acidente ocorrido sob o manto da infortunística pura.
E o que se há de entender por normas gerais, posta pelo artigo120 supra referido, que dá suporte à ação regressiva?
Normas gerais, no contexto legal da legislação infortunística, são aquelas estabelecidas para dado segmento econômico como "standards" ou padrões de segurança, segundo normas básicas firmadas pelos respectivos órgãos encarregados de estabelecer tais parâmetros mínimos (e gerais) de comportamentos, de uso de equipamentos adequados à execução da atividade laboral, e condutas adequadas a evitar os riscos decorrentes do exercício do trabalho.
Portanto, atendendo a empresa a esses padrões básicos, em todo o conjunto de seu complexo industrial ou comercial, não se há de falar, em ocorrendo evento infortunístico, em sua pronta responsabilidade, uma vez comprovado o estrito cumprimento das regras e princípios gerais da ergasiotiquerologia.
Eventos ocasionais, pontuais, ocorridos dentro de circunstâncias que não decorram diretamente da violação ou descumprimento -pela empresa - de observância de regras e normas gerais de segurança e higiene do trabalho, não se há de falar em ação regressiva contra o empregador.
Registre-se, ainda, que a Lei nº 8.213/91, em seus artigos 19 a 23, estabelece normas sobre acidente de trabalho, prevendo seu artigo 19, o seguinte:
Bem se vê que o conceito de normas gerais está aí bem delineado, estabelecendo-se que em caso de não observância de tais preceitos protetivos do trabalhador, responderá o responsável por delito de contravenção penal.
No caso concreto, não há nenhuma notícia de que tenha se adotado providência penal fundada no descumprimento das normas gerais de segurança e higiene do trabalho, de sorte a se concluir, sequer em tese, pelo eventual descumprimento de norma geral.
Perceba-se que o § 2º do artigo 19, transcrito, é bem didático ao estabelecer os contornos do que se deve entender por normas gerais de segurança e higiene do trabalho, o que não se confunde, repita-se, com a responsabilidade aquiliana tradicional.
Portanto, sem a firme constatação da prática de contravenção penal - a aí compreendida, portanto, violação a normas gerais - não é possível se concluir pelo descumprimento, pelo empregador, das normas gerais de segurança e higiene do trabalho, requisito necessário ao direito de regresso da autarquia.
Segunda premissa: o sistema de seguridade do acidente do trabalho é contributivo-contratual. Responsabilidade da Seguridade Social
Ainda que assim não fosse, o sistema de seguridade de acidentes de trabalho vigente em nosso ordenamento compreende a cobertura de infortúnios ocasionais à Previdência Social, mediante o regime contributivo (CF, art. 201, § 10 : "Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado").
Neste ponto, trago à colação uma breve síntese da evolução histórica sobre a responsabilidade civil quanto aos acidentes do trabalho em nosso ordenamento, conforme os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (Acidente do Trabalho na Nova Constituição. Disponível em https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1016/949):
O Decreto n° 3.724, de 15/01/1919, foi a primeira lei a tratar de acidentes do trabalho no país e admitia o risco profissional do empresário, mas de modo restritivo, abrangendo apenas certas atividades e adotando critério restritivo para as doenças profissionais. Muito embora a indenização estivesse a cargo do empregador, não havia a obrigatoriedade do seguro, de modo que não existia garantia do efetivo pagamento.
Após a Revolução de 1930, adveio o Decreto n° 24.637, de 10/07/1934, que ampliou a área de abrangência da tutela infortunística e - o que é mais importante - obrigou o empregador à contratação de seguro específico para este fim ou à realização de depósito em valor proporcional ao número de empregados, "podendo a importância do depósito, a juízo das autoridades competentes, ser elevada até ao triplo, si se tratar de risco excepcional ou coletivamente perigoso" (art. 30, caput e parágrafos, do Decreto n° 24.637/1934).
Já na Constituição de 1934, promulgada poucos dias depois do decreto, a garantia de reparação dos danos advindos do acidente do trabalho ganhou assento constitucional (art. 121, alínea h da Constituição Federal de 1934).
O Decreto n° 24.637/1934 continuou em vigor sob a égide da Constituição de 1937, até que sobreveio o Decreto-Lei n° 7.036, de 10.11.44. Ali se acolheu a teoria do risco da atividade, dando-se maior amplitude ao conceito de empregado e dos eventos que se poderiam considerar como acidentes do trabalho, incluindo lesões e mortes em que o trabalho não seria causa exclusiva, mas apenas concausa.
O seguro manteve-se obrigatório, mas, se antes tinha de ser contratado perante "companhias ou sindicatos profissionais legalmente autorizados a operar em seguros contra acidentes do trabalho", agora devia ser realizado "na instituição de previdência social a que estiver filiado o empregado" (art. 36, § 1º do Decreto 24.637/1934 e art. 95 do Decreto-Lei n° 7.036/1944).
Sobreveio o Decreto-Lei n° 293, de 28/01/1967, transferindo o seguro para as companhias seguradoras privadas. Não obstante, este regime teve vida curta, posto que sobreveio a Lei n° 5.316, de 14/09/1967, que, além de ampliar o conceito de acidente do trabalho para fins de cobertura infortunística, incluindo eventos ocorridos fora da empresa e longe da vigilância do empregador, tornou obrigatória a contratação do seguro acidentário junto à Previdência Social (art. 1° da Lei n° 5.316/1967).
Com a Constituição de 1969, consagrou-se a transformação total do seguro acidentário em seguro social, com a expressa previsão de que tais riscos estariam cobertos pela "previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, seguro-desemprêgo, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado" (art. 165, XVI da Constituição de 1969).
Evidentemente, este regime contributivo foi adotado pela Constituição Federal de 1988, que deixou a cargo do legislador infraconstitucional disciplinar a cobertura do risco de acidente do trabalho, "a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado" (art. 201, § 10 da Constituição Federal de 1988).
Conclusão:
O que se dessume de toda essa evolução da cobertura social ao acidente do trabalho, é que a responsabilidade pelo pagamento dos eventos decorrentes dos infortúnios é da Seguridade Social, que, por sua vez, conta com ingressos (obrigatórios) de recursos pela iniciativa privada, precisamente para esse tipo de reparação social-laboral.
As duas únicas exceções à exclusividade pela reparação acidentária, pelo INSS, são postas pela própria Constituição , em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que estabelece como direito do trabalho o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (replicado no artigo 121, da Lei 8.213-91 : "O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem").
Já o artigo 120, que não tem estofo constitucional, como se vê dos termos claros do artigo 7º, que trata de dolo ou culpa (responsabilidade civil, portanto), introduziu uma outra exceção à regra da cobertura social exclusivamente pelo INSS (suportada por contribuições dos segmentos econômicos correspondentes), estabelecendo um direito que denomina "de regresso" contra o empregador em caso de descumprimento a "normas gerais de segurança e higiene do trabalho").
Essa hipótese, como se vê, excepciona a regra geral de responsabilidade regressiva do empregador, que conta com cobertura securitária social impositiva, devendo, em razão disso, ser interpretada igualmente de modo excepcional e restrito, sem alargamentos hermenêuticos.
Assim, o direito de regresso posto pelo artigo 120, da Lei nº 8.213/91 só se justificará nas hipóteses de ocorrências das circunstâncias expressas na própria lei de regência excepcional.
E tal raciocínio se justifica por uma razão elementar: à Seguridade Social (autarquia) é dado o encargo de arrecadar recursos e cobrir, precipuamente, o risco social do acidente de trabalho, pagando diretamente ao segurado ou a seus dependentes o respectivo benefício previdenciário.
Apenas excepcionalmente, na hipótese de descumprimento, pelo empregador, de normas padrão de segurança e higiene do trabalho, do qual decorra diretamente o acidente de trabalho, é que exsurge o dever de o empreendedor ressarcir aos cofres da autarquia previdenciária os valores despendidos a este título.
Tanto isto é verdade que a Lei n° 6.367/1976 prevê que os encargos decorrentes da cobertura de acidentes de trabalho serão realizados pelas contribuições previdenciárias devidas pela empresa, acrescendo uma alíquota de 0,4%, 1,2% ou 2,5% à contribuição do empregador de acordo com o grau de risco da atividade empreendida, se classificado como leve, médio ou grave (art. 15, caput e incisos I a III da Lei n° 6.367/1976).
Assim, quanto maior for o risco da atividade empresarial - portanto, maior a probabilidade de o risco social coberto pela Previdência Social vir a se concretizar - tanto maior será a contribuição do empregador à autarquia previdenciária.
Em outras palavras, resta cristalino que o atual regime constitucional da responsabilidade acidentária prevê que o risco social do acidente do trabalho está coberto pelo sistema de seguridade social, gerido pelo INSS e para o qual contribuem os empregadores.
Nesse sentido, aliás, já decidiu essa Corte, como se vê dos seguintes precedentes:
Desta forma, para que se decida pelo dever de ressarcimento à autarquia previdenciária, tornam-se necessárias as demonstrações de que a) a empresa tenha deixado de observar as normas gerais de segurança e higiene do trabalho e b) que o acidente tenha decorrido diretamente desta inobservância, não bastando que se constate eventual "culpa por negligência" para fazer incidir o comando legal em análise.
No caso concreto, o empregado da requerida trabalhava em uma sala de descontaminação quando houve uma explosão que destruiu a sala e derrubou uma parede sobre o empregado, causando-lhe lesões.
Do Relatório de Análise do Acidente elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego - MTE extrai-se a seguinte descrição da tarefa desempenhada pelo empregado (fl. 41):
O mesmo documento descreve o acidente nos seguintes termos:
Resta evidente que o infortúnio ocorreu em momento em que o trabalhador já se encontrava fora da sala de descontaminação.
Com isto, torna-se irrelevante o fato de a requerida ter, depois do acidente, adotado um sistema de carrinho com trilhos para transporte de peças para dentro da sala, dispensando a entrada dos trabalhadores naquele local para o desempenho da tarefa (fl. 42).
Ademais, como a sala foi explodida, é natural que a empresa tenha procedido à sua reconstrução, sendo igualmente de se esperar que tenha implementado melhoramentos com relação ao ambiente destruído, sem que isto possa ser interpretado como confissão de descumprimento de qualquer norma geral de segurança.
Quanto à explosão, a autarquia previdenciária imputa à requerida não ter adotado procedimento seguro para a atividade, uma vez que "o acidente ocorreu justamente por conta de uma explosão dentro da sala de descontaminação, onde a vítima realizara, minutos antes, a purga do condensado (água) da tubulação de vapor, que consiste em 'drenar a mangueira da linha de vapor, (...) até que comece a sair vapor pela mangueira, sem existência alguma de condensado" (fl. 1059).
Esclarece-se que a substância química em questão, a sodamida, reage violentamente quando em contato com água líquida, o que justifica o procedimento em questão.
Neste ponto, embora se note certa divergência nos testemunhos quanto ao tempo necessário para se expurgar completamente a água líquida da tubulação, como bem consignado pelo INSS em suas alegações finais, tenho que não é possível afirmar que tenha sido esta a causa do acidente em questão.
Isto porque o tempo para esta operação variava de acordo com a forma pela qual era feita por cada empregado, como se denota do testemunho do sr. Avelino Antônio Novais (mídia de fl. 991 e fls. 1064/1065).
Há que se registrar, ainda, que a vítima do acidente declarou à fiscalização trabalhista não se lembrar do momento em que ele aconteceu, como é comum em acidentes física e emocionalmente impactantes como este (fl. 41).
Ainda, consta dos autos documento intitulado "Relatório de Inspeção", assinado por Engenheiro e datado de 22/10/2007, no qual se recomendava a instalação de "válvula de segurança no corpo do separador, conforme exigência da NR-13" (fls. 619/622).
Ocorre que não se demonstrou nos autos de que forma tal dispositivo impediria a explosão, que, ao que tudo indica, ocorreu em razão do contato da substância química com água líquida.
Por fim, cumpre consignar que as infrações que o INSS imputa à empresa ré não guardam relação direta com o acidente, a saber: deixar de realizar reunião extraordinária da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), deixar de conceder intervalo para repouso ou alimentação e deixar de prorrogar a jornada normal de trabalho (fl. 5).
Tampouco o alegado descumprimento do dever de fiscalização quanto ao uso do EPI fornecido ao empregado tem relevância para o deslinde da causa porque, dada a natureza do acidente ora discutido, não se pode dizer que o uso de qualquer equipamento pela vítima teria o condão de evitar as lesões por ele experimentadas, com o consequente afastamento de suas atividades laborais e pagamento, pela autora, de benefício previdenciário.
Assim, o certo é que a situação de infortúnio retratada nos autos não induz à conclusão de haver a requerida (empregadora) violado "normas gerais de segurança e higiene do trabalho", a justificar sua responsabilidade civil, de modo regressivo.
Por tais razões, concluo que não restou demonstrada nos autos a criação, pela apelante, de risco extraordinário àquele coberto pela Seguridade Social, não se havendo de falar em seu dever de ressarcimento dos valores gastos pela autarquia apelada a título de benefício previdenciário.
Das custas e honorários advocatícios
Considerando o provimento de seu recurso para se julgar improcedente o pedido, a parte requerida passa a ser integralmente vencedora na demanda, não lhe cabendo arcar com custas processuais nem honorários advocatícios.
Tendo em vista o elevado valor da causa, de R$ 148.957,43 em abril de 2013, bem como a razoável complexidade do feito, que exigiu a produção de prova testemunhal, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios que fixo, por equidade, em R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 20, § 4° do então vigente Código de Processo Civil de 1973.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora e dar provimento à apelação da parte ré para julgar improcedente o pedido, condenando o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal Relator
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