
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002150-11.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: NATALIA GOMES DE ALMEIDA GONCALVES - SP288032-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002150-11.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: NATALIA GOMES DE ALMEIDA GONCALVES - SP288032-A
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença que, nos autos da ação civil pública proposta na instância de origem com o fito de compelir o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo – CRF/SP a admitir seus funcionários pelo regime estatutário, julgou improcedente o pedido formulado, resolvendo o mérito, ao argumento de que o Judiciário não poderia ingressar nos diversos passos que seriam necessários para a criação destes cargos estatutários, havendo apenas um requerimento genérico formulado pelo parquet federal. Não houve condenação em honorários advocatícios (ID 94736719, páginas 70-77).
Inconformado, o Ministério Público Federal alega, em seu apelo, que o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo não poderia admitir seus funcionários pelo regime celetista, tendo em vista que tal providência viola o quanto disposto pelo art. 39, caput, da Constituição Federal de 1988, a prever um regime jurídico único para o pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional e o entendimento fixado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal na medida cautelar na ADI 2.135/DF.
Sustenta que o pedido formulado na petição inicial da ação civil pública, ao contrário do quanto assentado pelo juízo de primeiro grau, não seria genérico, sendo, ao revés, perfeitamente passível de tutela jurisdicional. Defende que nesta ação devem ser consideradas apenas a necessidade de se admitir pessoal pelo regime estatutário, não se fazendo necessário adentrar nos procedimentos necessários para o provimento dos cargos sob o regime jurídico único, porque isso nem sequer será feito no âmbito da presente ação. Informa que diversos outros juízos proferiram sentenças de procedência deste mesmo pedido em relação a outros conselhos profissionais, como se pode perceber das ações civis públicas 0018005-64.2012.4.03.6100 e 0002148-41.2013.4.03.6100.
Cita entendimentos doutrinários e requer, ao final, a reforma da sentença, para que o pedido inicialmente vertido seja julgado procedente (ID 94736719, páginas 81-88).
Devidamente intimada, o apelado CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO apresentou suas contrarrazões, aduzindo que o ordenamento jurídico brasileiro prevê a auto-regulamentação das profissões, sendo necessário conferir-se certa autonomia aos conselhos de fiscalização profissional. Assevera, em linhas gerais, que, por mais que os conselhos profissionais se revistam da natureza jurídica de autarquia, eles assumem uma feição sui generis, e que apenas o Presidente da República pode criar cargos públicos em seu âmbito, à luz do art. 61, §1º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, sendo certo que seus funcionários podem seguir o regime jurídico da CLT (ID 94736719, páginas 133-146).
De seu turno, a apelada UNIÃO igualmente apresentou suas contrarrazões, pontificando a sua ilegitimidade passiva, ante a personalidade jurídica própria da autarquia envolvida; a impropriedade da ação civil pública para criação de cargo público; a inexistência de obrigatoriedade para que os conselhos de fiscalização profissional admitam funcionários pelo regime jurídico estatutário, visto que tais conselhos sequer compõem o orçamento público, sobrevivendo das contribuições de seus associados; e a necessidade de se limitar os efeitos da coisa julgada à circunscrição do órgão prolator da decisão (Subseção de São Paulo/SP), ante o que estabelece o art. 92, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 e o art. 11 da Lei n. 5.010/1966, tudo conforme o ID 94736719, páginas 153-155 e ID 94736720, páginas 1-11.
Os autos subiram a esta Egrégia Corte Regional.
Nesta sede recursal, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso de apelação, mediante imposição de possíveis medidas estruturais e de fiscalização (ID 94736720, páginas 15-36).
Neste ponto, vieram-me conclusos os autos.
É o relatório, dispensada a revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002150-11.2013.4.03.6100
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: CONSELHO REGIONAL DE FARMACIA DO ESTADO DE SAO PAULO, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: NATALIA GOMES DE ALMEIDA GONCALVES - SP288032-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Diversas são as questões colocadas nos autos do presente recurso de apelação, sendo algumas delas, aliás, preliminares à análise do mérito. Assim, para bem desenvolver minha fundamentação, passo a apreciar cada uma das temáticas abordadas de forma tópica e individualizada.
Da alegação de que a ação civil pública não se presta à criação de cargos públicos
Nesta preliminar, a União salienta que o assunto debatido nestes autos depende de uma regulamentação, e que a ação civil pública não é o instrumento adequado para se compelir o Poder Público a criar cargos públicos.
Razão não assiste ao ente federal. Ao contrário do que alega por esta preliminar recursal, o objetivo do Ministério Público Federal com a ação civil pública nunca foi o de obter o saneamento de qualquer omissão legislativa, mas apenas o de resguardar a situação jurídica de futuros contratados da autarquia profissional, inserindo-os no regime jurídico único de que cuida o art. 39, caput, da Constituição da República. Sendo assim, a utilização da presente via processual se revela completamente adequada ao fim perseguido. Nesse sentido, aliás, caminha a jurisprudência desta Corte Regional, conforme aresto que transcrevo:
"CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA REJEITADAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. (...)
- Não deve prevalecer a alegação de inadequação da via eleita. Evidentemente, o comando buscado pelo Parquet Federal não visa a sanear qualquer tipo de omissão legislativa, mas dirige-se contra os futuros atos do CRBM da 1ª Região, que tem procedido à contratação de funcionários sob o regime celetista, contrariamente ao comando constitucional.
(...)" (grifei)(TRF-3, AC n. 0002149-26.2013.4.03.6100/SP; Rel. Des. Fed. Mônica Nobre; Quarta Turma; Data de Julgamento: 01.08.2018).
Da alegação de ilegitimidade passiva ad causam da União
Insurge-se a União contra a sua inclusão no polo passivo da ação civil pública, alegando, em suma, que o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo compreende uma autarquia corporativa, ostentando personalidade jurídica própria, motivo pelo qual poderia figurar isoladamente no polo passivo deste feito.
O Ministério Público Federal, em seu parecer ofertado nesta sede recursal, combate a tese esposada pelo ente federal, sustentando que, conquanto o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo realmente ostente personalidade jurídica própria, “a contratação de funcionários pelo regime estatutário impõe articulações político-administrativas que exasperam o seu âmbito de atuação” (ID 94736720, página 17), com o que haveria razão justificável para a manutenção da União no polo passivo da ação civil pública.
Confrontado com as razões jurídicas esposadas por ambas as partes, tenho assistir razão à União. Como se averbou acima, a ação civil pública foi proposta com a finalidade de se preservar futuros agentes públicos do conselho de fiscalização profissional, submetendo-os ao regime jurídico único dos servidores de que trata o art. 39, caput, da Constituição Federal de 1988.
Por evidente, então, que a condenação almejada em juízo tem por mira obrigar a autarquia a observar as normas constitucionais, e não o ente federal a fazê-lo, mesmo porque a União não se confunde com o conselho de fiscalização profissional, na medida em que ambos mantêm personalidades jurídicas distintas entre si. Semelhante entendimento foi adotado por esta Corte Regional na análise de casos passados, como, por exemplo, este que trago à colação:
"DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. CONSELHO PROFISSIONAL. REENQUADRAMENTO DO REGIME CELETISTA PARA O ESTATUTÁRIO. ARTS. 36 A 40 DA CF/88.
1. É pacífico na jurisprudência que os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza jurídica de autarquia, cabendo-lhe a legitimidade exclusiva para figurar no polo passivo da lide, não havendo falar em litisconsórcio passivo necessário da União.
(...)
8. Reconhecida, de ofício, a ilegitimidade da União, extingo o feito, sem resolução do mérito, em relação a ela. Por conseguinte, não conheço da sua apelação. Apelação da parte autora provida." (grifei)
(TRF-3, AC n. 0020902-31.2013.4.03.6100/SP, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, Segunda Turma, Data de Julgamento: 10.04.2018).
Dessa forma, deve-se excluir do polo passivo da ação civil pública o ente federal, ante a sua personalidade jurídica distinta do conselho de fiscalização profissional.
Do mérito recursal
As preliminares recursais foram enfrentadas em sua integralidade, sendo certo que apenas aquela relativa à ilegitimidade passiva da União Federal comportava acolhimento. Nesse momento, ingressamos no mérito recursal propriamente dito. A questão principal que se coloca nos autos destes apelos é a de se saber se o conselho de fiscalização profissional deve admitir seus funcionários pelo regime celetista, como pretende a própria autarquia, ou o estatutário, como almeja o Ministério Público Federal.
Anteriormente à CF/1988, como regra, os servidores dos Conselhos de Fiscalização Profissional, salvo exceções estabelecidas em lei, eram regidos pelo regime celetista, conforme disposto no art. 1º do Decreto-Lei nº 968, de 13.10.1969, confira-se:
"Art. 1º - As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter- geral, relativas à administração interna das autarquias federais."
A Lei nº 8.112, de 11.12.1990, ao regulamentar o art. 39, caput da Constituição Federal (em sua redação original, antes da alteração promovida pela EC n. 19/1998), através do art. 243, instituiu o regime jurídico único para os servidores públicos da União, o qual passou a disciplinar as relações de trabalho dos servidores públicos civis da União, inclusive os servidores dos Conselhos de Fiscalização:
"Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 - Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.
§1o Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação."
Posteriormente, a Lei nº 9.649, de 27.05.1998, no art. 58 estabeleceu que os conselhos de fiscalização profissionais, até então considerados autarquias, são pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, sem qualquer vínculo funcional ou hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Este dispositivo, igualmente, estabeleceu que os empregados dos conselhos de fiscalização seriam regidos pelo regime celetista, in verbis:
" Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.
§1º. A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais.
§2º. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.
§3º. Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
§4º. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes.
§5º. O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais.
§6º. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.
§7º. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo.
§8º. Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput.
§9º. O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994."
No mesmo ano, sobreveio a Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, que deu nova redação ao art. 39 da Carta de 1988, extinguindo a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único aos servidores públicos.
Todavia, o E. STF, em apreciação de medida liminar na ADI 2.135, suspendeu a eficácia do art. 39, com a nova redação dada pela EC n. 19/1998, ao fundamento de vício no processo legislativo. Ressalvou, contudo, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, "da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso".
Nesse contexto, o art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, teve sua constitucionalidade mantida na ADIn nº1.717-6/DF, julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Sydney Sanches, DJ de 28.03.2003, pág.61, conforme ementa abaixo:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao §3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos §1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58.
É importante destacar que na ADIn nº1.717-6, em relação a declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 58, o dispositivo foi julgado prejudicado, diante da alteração do dispositivo constitucional que serviu de parâmetro de controle, em decorrência da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 19/1998, que extinguiu a obrigatoriedade do regime jurídico único.
Sendo assim, de se inferir que diante do afastamento por prejudicialidade da análise do art. 58, § 3º da Lei nº 9.649/1998, subsiste hígido e aplicável o dispositivo, o que leva à conclusão de que a partir de 27.05.1998 - data da edição da Lei nº 9.649/1998 - os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões voltaram a se submeter ao regime da CLT.
Nesse sentido do posicionamento adotado acima, cito as seguintes ementas do C. STJ:
"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CREA/RJ. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. REGIME JURÍDICO. NECESSIDADE DE COTEJO COM AS LEIS DE REGÊNCIA EM CADA PERÍODO. RECORRENTE CONTRATADO, SOB O REGIME CELETISTA, EM 22/06/1982 E DEMITIDO EM 21/05/1997, SEM OBSERVÂNCIA DAS REGRAS ESTATUTÁRIAS ENTÃO VIGENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. O Regime Jurídico aplicável aos funcionários dos Conselhos de Fiscalização Profissional, no âmbito federal, por força do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 968, de 13 de outubro de 1969, era, como regra, o celetista, até o advento da Lei n.º 8.112, de 11 de novembro de 1990 que, pelo seu art. 243, regulamentando o art. 39 da Constituição Federal (redação originária), instituiu o Regime Jurídico Único. Essa situação perdurou até o advento da Emenda Constitucional nº19, de 04 de junho de 1998, que deu nova redação ao art. 39 da Carta Magna, extinguindo a obrigatoriedade de um Regime Único, passando a prevalecer a regra especial insculpida no §3.º do art. 58 da Lei nº Lei n.º 9.649/98 - mantido incólume pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADIn n.º 1.717/DF -, que prevê o regime celetista. (Precedente da Quinta Turma, REsp nº 647327/RJ).
2. In casu, o Recorrente foi admitido pelo Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro - CREA/RJ em 22/06/1982, tendo sido demitido em 21/05/1997, sem observância das regras estatutárias então vigentes. Desse modo, há de ser reconhecido o seu direito à almejada reintegração. 3. Recurso conhecido e provido, para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau, que concedeu a ordem para reconhecer o direito líquido e certo do recorrente à reintegração ao cargo." (STJ - REsp 333064 - Proc. 2001.00876157/RJ - 5ª Turma - d. 18.09.2007 - DJ de 08.10.2007, pág.353 - Rel. Des. Convocada Jane Silva)"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO DO CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA - CREA/RJ. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. REGIME JURÍDICO. NECESSIDADE DE COTEJO COM AS LEIS DE REGÊNCIA EM CADA PERÍODO. 1. O regime jurídico aplicável aos funcionários dos conselhos de fiscalização profissional, no âmbito federal, por força do art. 1º do Decreto-lei n.º 968, de 13 de outubro de 1969, era, como regra, o celetista, até o advento da Lei n.º 8.112, de 11 de novembro de 1990 que, pelo seu art. 243, regulamentando o art. 39 da Constituição Federal (redação originária), instituiu o Regime Jurídico Único, no caso, sendo escolhido o estatutário. Essa situação perdurou até o advento da Emenda Constitucional n.º 19, de 04 de junho de 1998, que deu nova redação ao art. 39 da Carta Magna, extinguindo a obrigatoriedade de um regime único, passando a prevalecer a regra especial insculpida no § 3º do art. 58 da Lei n.º Lei n.º 9.649/98 - mantido incólume pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADIn n.º 1.717/DF -, que prevê o regime celetista.
Trago também à colação julgados dos Tribunais Regionais Federais, no mesmo sentido, vejamos:
"PROCESSO CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - PREVIDENCIÁRIO - SERVIDOR DO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA - APOSENTADORIA COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM SENTIDO ESTRITO - IMPOSSIBILIDADE - NÃO INCIDÊNCIA DA LEI 8.112/90 - APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Os Conselhos de Fiscalização do Exercício Profissional regulam-se por legislação específica, já que são mantidos com recursos próprios e não recebem subvenções ou transferência à conta do orçamento da União. 2. Servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público, criado por Lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos (Artigos 2º e 3º da Lei nº 8.112/90). 3. Nenhum empregado ou servidor de autarquia é funcionário público em sentido estrito. 4. Recurso voluntário improvido. (TRF3, 5ª Turma, vu. AMS 00605695919924036100, AMS 149245. Rel. JUIZ CONVOCADO FAUSTO DE SANCTIS. DJU 13/02/2001, J. 15/08/2000)"
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESPEDIDA DE EMPREGADO DE CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A ESTABILIDADE. AUTARQUIA "SUI GENERIS". - Os Conselhos Profissionais continuam regidos, mesmo após o advento da Constituição Federal, pelo Decreto-lei nº 968/69, o qual excepciona do regime jurídico único os empregados de "autarquias sui generis". Regidos pela CLT e optantes do FGTS, não gozam de estabilidade, quer definitiva, quer provisória. Portanto, o ato de dispensa imotivada, com pagamento de todas as verbas previstas na legislação trabalhista, é absolutamente legal. - Não se aplicam aos empregados dos conselhos de fiscalização do exercício profissional as normas da Lei 8.112/90. Não podem eles ter reconhecida a qualidade de funcionários públicos, nem estão as entidades obrigadas a proceder a concursos públicos para provimento de seus postos. - Apelação improvida. (TRF2, 5ª Turma, vu. AMS 9802044601, AMS 21525. Rel. Desembargadora Federal NIZETE ANTONIA LOBATO RODRIGUES. DJU 24/01/2003, p. 272. J. 13/11/2002)"
"PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL - SERVIDORES - REGIME JURÍDICO - LIMINAR - FUMUS BONI IURIS - PERICULUM IN MORA.(...)
3.- Os conselhos de fiscalização profissional não se encontram abrangidos pelo regime jurídico único previsto pela lei 8.112/90 (AC 94.03.040697-6, REL. JUÍZA SYLVIA STEINER, UNÂNIME, J. 07.04.98, DJ 20.05.98). Ausência do fumus boni iuris. 4.- A não incidência da lei 8.112/90 não implica permissão a arbítrios contra os empregados dos conselhos, protegidos pela legislação trabalhista comum. Ausência do periculum in mora. 5.- Agravo de instrumento provido. (TRF3, 2ª Turma, vu. AI 00066421319944036100, AI 18388. Rel. JUIZ CONVOCADO EM AUXÍLIO ANDRE NEKATSCHALOW. DJ 12/08/1998, J. 30/06/1998)."
À vista disso, em relação ao regime jurídico dos servidores dos conselhos profissionais, em razão de sua natureza sui generis e da existência de legislação própria cuidando da matéria, entendo de ser mantida a forma de contratação celetista, vez que seus empregados não se submetem ao regime estatutário previsto na Lei nº 8.112/1990.
Da impossibilidade de criação de cargo público por sentença judicial
:A prevalecer a pretensão do Ministério Público Federal, se estaria inaugurando, no sistema jurídico-administrativo nacional uma situação de todo inusitada, que seria a possibilidade de se criar cargo público (pois o servidor, ao ser contratado pelo Regime Jurídico Único, assume cargo público) por força de sentença judicial (proferida em sede de ACP, no caso concreto), sem a necessária intervenção legislativa.
Diante dessa constatação, soa deveras incompreensível a defesa - por vezes veemente - que se faz da obrigatoriedade de os Conselhos de Classe brasileiros contratarem segundo os rígidos critérios do Estatuto dos Servidores Públicos da União, quando, em verdade, tais funções não encontram guarida em lei que as qualifique e as quantifique.
Seria até desnecessária lembrar que cargos públicos são, na linguagem doutrinária, "unidades de competência", assumidos por um agente (necessariamente concursado, salvo admissões 'ad nutum'), em "numero certo", com "denominação própria" e integrantes de entidade qualificada como "pessoa jurídica de direito público" e, por fim, "criados por lei".
Portanto, sob quaisquer dessas óticas que se analise a questão, as funções exercidas pelos empregados de Conselhos de Classe não se qualificam como "cargos públicos", pela sua mera compreensão ontológica, à luz dos postulados constitucionais que regem a Administração Pública.
Dos efeitos territoriais da coisa julgada
A análise deste tema restou prejudicada, porquanto a sentença de improcedência do pedido é mantida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam da União, alegada em suas contrarrazões, por se cuidar de matéria cognoscível a qualquer tempo ou grau de jurisdição, e por negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo a sentença, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO DA VIA PROCESSUAL ELEITA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. EXCLUSÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. REGIME JURÍDICO DE TRABALHO. CELETISTA. PRESERVAÇÃO DO ART. 58 DA LEI N. 9.649/1998 MESMO DIANTE DO JULGAMENTO DA ADI N. 1.717. CRIAÇÃO DE CARGO PÚBLICO POR SENTENÇA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DO MPF DESPROVIDA.
1. A União salienta que o assunto debatido nestes autos depende de uma regulamentação, e que a ação civil pública não é o instrumento adequado para se compelir o Poder Público a criar cargos públicos por meio de lei. Razão não assiste ao ente federal. Ao contrário do que alega por esta preliminar recursal, o objetivo do MPF com a ação civil pública nunca foi o de obter o saneamento de qualquer omissão legislativa, mas apenas o de resguardar a situação jurídica de futuros contratados da autarquia profissional, inserindo-os no regime jurídico único de que cuida o art. 39, caput, da Constituição da República. Sendo assim, a utilização da presente via processual se revela completamente adequada ao fim perseguido. Precedentes.
2. Insurge-se a União contra a sua inclusão no polo passivo da ação civil pública, alegando, em suma, que o Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo compreende uma autarquia corporativa, ostentando personalidade jurídica própria, motivo pelo qual poderia figurar isoladamente no polo passivo deste feito. A condenação almejada em juízo tem por mira obrigar a autarquia a observar as normas constitucionais, e não o ente federal a fazê-lo, mesmo porque a União não se confunde com o conselho de fiscalização profissional, na medida em que ambos mantêm personalidades jurídicas distintas entre si. Dessa forma, deve-se excluir do polo passivo da ação civil pública o ente federal, ante a sua personalidade jurídica distinta do conselho de fiscalização profissional.
3. A questão principal que se coloca nos autos destes apelos é a de se saber se o conselho de fiscalização profissional deve admitir seus funcionários pelo regime celetista, como pretende a própria autarquia, ou o estatutário, como almeja o Ministério Público Federal. Anteriormente à CF/1988, como regra, os servidores dos Conselhos de Fiscalização Profissional, salvo exceções estabelecidas em lei, eram regidos pelo regime celetista, conforme disposto no art. 1º do Decreto-Lei nº 968, de 13.10.1969.
4. A Lei nº 8.112, de 11.12.1990, ao regulamentar o art. 39, caput da Constituição Federal (em sua redação original, antes da alteração promovida pela EC n. 19/1998), através do art. 243, instituiu o regime jurídico único para os servidores públicos da União, o qual passou a disciplinar as relações de trabalho dos servidores públicos civis da União, inclusive os servidores dos Conselhos de Fiscalização.
5. Posteriormente, a Lei nº 9.649, de 27.05.1998, no art. 58 estabeleceu que os conselhos de fiscalização profissionais, até então considerados autarquias, são pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, sem qualquer vínculo funcional ou hierárquico com os órgãos da Administração Pública. Este dispositivo, igualmente, estabeleceu que os empregados dos conselhos de fiscalização seriam regidos pelo regime celetista.
6. No mesmo ano, sobreveio a Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998, que deu nova redação ao art. 39 da Carta de 1988, extinguindo a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único aos servidores públicos. Todavia, o E. STF, em apreciação de medida liminar na ADI 2.135, suspendeu a eficácia do art. 39, com a nova redação dada pela EC n. 19/1998, ao fundamento de vício no processo legislativo. Ressalvou, contudo, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, "da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso".
7. Nesse contexto, o art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, teve sua constitucionalidade mantida na ADIn nº1.717-6/DF, julgada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Sydney Sanches, DJ de 28.03.2003, pág.61. É importante destacar que na ADIn nº1.717-6, em relação a declaração de inconstitucionalidade do § 3º do art. 58, o dispositivo foi julgado prejudicado, diante da alteração do dispositivo constitucional que serviu de parâmetro de controle, em decorrência da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 19/1998, que extinguiu a obrigatoriedade do regime jurídico único.
8. Sendo assim, de se inferir que diante do afastamento por prejudicialidade da análise do art. 58, § 3º da Lei nº 9.649/1998, subsiste hígido e aplicável o dispositivo, o que leva à conclusão de que a partir de 27.05.1998 - data da edição da Lei nº 9.649/1998 - os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões voltaram a se submeter ao regime da CLT. Precedentes. À vista disso, em relação ao regime jurídico dos servidores dos conselhos profissionais, em razão de sua natureza sui generis e da existência de legislação própria cuidando da matéria, há de ser mantida a forma de contratação celetista, vez que seus empregados não se submetem ao regime estatutário previsto na Lei nº 8.112/1990.
9. Impossibilidade de se criar, no sistema jurídico-administrativo nacional, cargos públicos por força de decisão judicial, dado que cargos públicos são, na linguagem doutrinária, "unidades de competência", assumidos por um agente (necessariamente concursado, salvo admissões 'ad nutum"), em "número certo", com "denominação própria"e integrantes de entidade qualificada como "pessoa jurídica de direito público" e, por fim, "criados por lei".
10. Ilegitimidade passiva ad causam da União reconhecida nesta sede recursal, por se cuidar de matéria cognoscível a qualquer tempo ou grau de jurisdição. Apelo do MPF desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, por unanimidade, reconheceu a ilegitimidade passiva ad causam da União, alegada em suas contrarrazões, por se cuidar de matéria cognoscível a qualquer tempo ou grau de jurisdição, e negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
