
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5012074-05.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: JAILTON CARDOSO DOS SANTOS
Advogado do(a) REU: FIAMA VIDAL ZELAYA FLORES - SP390195-A
OUTROS PARTICIPANTES:
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5012074-05.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: JAILTON CARDOSO DOS SANTOS
Advogado do(a) REU: FIAMA VIDAL ZELAYA FLORES - SP390195-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, com fundamento nos incisos V e VIII do art. 966 do Código de Processo Civil, em face de JAILTON CARDOSO DOS SANTOS, visando à desconstituição da sentença proferida nos autos do processo nº 5012699-22.2022.4.03.6183, que tramitou perante a 1ª Vara Previdenciária Federal de São Paulo.
A sentença rescindenda, transitada em julgado em 18/03/2024, reconheceu o direito do réu à aposentadoria por invalidez, com termo inicial (DIB) fixado em 27/02/2015, com base no laudo pericial que apontou incapacidade total e permanente desde aquela data.
O INSS, no entanto, sustenta que houve:
-
Erro de fato (art. 966, VIII, do CPC), ao ser considerada data diversa daquela constante do pedido inicial, que se referia ao benefício NB nº 6308973797, cuja DER seria 03/01/2020, DIB em 31/12/2019 e DCB em 30/07/2020;
-
Violação manifesta à norma jurídica (art. 966, V, do CPC), em especial aos arts. 141 e 492 do CPC, ao se proferir decisão ultra petita, desconsiderando os limites objetivos da demanda.
Requereu, também, a concessão de tutela provisória para suspender os efeitos da sentença rescindenda durante o processamento da ação.
Por decisão proferida em 27/05/2025, deferida parcialmente a antecipação de tutela, reconhecendo a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Determinou-se a suspensão parcial do cumprimento de sentença, permitindo o prosseguimento apenas quanto à parcela incontroversa, correspondente à implantação e aos atrasados do benefício de aposentadoria por invalidez desde 31/07/2020 — data mínima postulada na petição inicial do feito originário.
O réu, regularmente citado, apresentou contestação.
Encerrada a instrução processual, apenas o réu apresentou razões finais, nas quais reiterou a tese de inexistência de erro de fato, defendendo que a fixação da DIB observou os elementos probatórios e que a ação rescisória configura mera tentativa de reexame da valoração da prova — o que não se admite na via rescisória.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência da ação rescisória.
É o breve relatório.
Decido.
3ª Seção
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5012074-05.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REU: JAILTON CARDOSO DOS SANTOS
Advogado do(a) REU: FIAMA VIDAL ZELAYA FLORES - SP390195-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): A decisão rescindenda transitou em julgado em 19.12.2023 e a presente ação foi ajuizada em 29.05.2025, ou seja, dentro do prazo previsto no artigo 975 do CPC/2015.
DA DECISÃO RESCINDENDA E DA PRETENSÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A NORMA JURÍDICA E ERRO DE FATO CONFIGURADOS.
A petição inicial do feito subjacente revela que o ora réu postulou o restabelecimento do benefício por incapacidade cessado em 31.07.2020 ou, alternativamente, a concessão do benefício requerido em 26.11.2020:
A sentença rescindenda, por sua vez, condenou o INSS a conceder ao ora réu o benefício de "aposentadoria por invalidez, a partir da data do requerimento administrativo (27/02/2015 – ID 289248529 – pág. 6), momento em que já estava totalmente incapacitada para o trabalho, conforme afirma o laudo pericial de ID 273979872, observada a prescrição quinquenal":
Nesta ação rescisória, o INSS sustenta que a decisão rescindenda incorreu em erro de fato e manifesta violação a norma jurídica, na medida em que fixou o termo inicial do benefício de incapacidade em 27.02.2015, apesar de o autor do feito subjacente ter postulado a concessão de mencionado benefício a partir de 30.07.2020.
Segundo a autarquia, o erro de fato ficou caracterizado, pois "A r. sentença indicou a DER como sendo 27/02/2015 por considerar, equivocadamente, que a demanda se tratava do benefício NB n. 6097107203, cuja DER e DIB se deram em 17.05.2015", mas "a ação envolvia o benefício NB n° 6308973797, com DER em 03/01/2020, DIB em 31/12/2019 e DCB em 30/07/2020". Aduz, ainda, que, ao assim proceder, o julgado incorreu em manifesta violação ao disposto nos artigos 141 e 492 do CPC.
Pois bem.
O artigo 966, V, do CPC/2015, dispõe que “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] V - violar manifestamente norma jurídica”.
O CPC atual, absorvendo a influência do pós-positivismo jurídico que atribui força normativa não só à lei, mas também às demais fontes do Direito, tais como a Constituição Federal e os princípios, atualizou o CPC/1973, que previa, no art. 485, inciso V, do CPC/73, que "A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] violar literal disposição de lei".
Logo, para que se possa reputar relevante a fundamentação apresentada na exordial, é preciso verificar se a decisão rescindenda, de fato, violou, de forma manifesta, a norma extraída dos dispositivos citados na exordial.
No que diz respeito ao erro de fato, o CPC/2015 dispõe, no artigo 966, VIII, que a "decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos", esclarecendo o § 1o que "Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado".
A interpretação de tais dispositivos revela que há erro de fato quando o julgador chega a uma conclusão partindo de uma premissa fática falsa; quando há uma incongruência entre a representação fática do magistrado, o que ele supõe existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz que há o erro de fato quando "a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato enseja uma decisão putativa, operando-se no plano da suposição.
Além disso, a legislação exige, para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se estabelece uma controvérsia sobre a premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o magistrado sobre ela emite um juízo, um eventual equívoco nesse particular não se dá no plano da suposição e sim no da valoração, caso em que não se estará diante de um erro de fato, mas sim de um possível erro de interpretação, o qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966, VIII, do CPC/2015.
Por fim, exige-se que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele a decisão seria outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos processuais, não sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de demonstrá-lo.
Na singularidade dos autos, verifico que a alegação autárquica procede, pois a decisão rescindenda, ao condenar o INSS a conceder o benefício de incapacidade a partir de 27/02/2015, quando o autor postulou a concessão de benefício a partir de 31.07.2020 ou, alternativamente, a partir de 26.11.2020, desconsiderou os termos do pedido, o que não se coaduna com o princípio da congruência positivado nos artigos citados na inicial desta ação.
Friso que a planilha apresentada pelo ora réu na ação subjacente para fins de justificação do valor atribuído à causa não deixa dúvidas de que ali realmente se postulou exclusivamente o pagamento de valores a partir de julho/2020:
Destarte, há que se acolher a pretensão de rescisão parcial do julgado atacado, desconstituindo o capítulo da sentença atinente ao termo inicial do benefício deferido. Em caso análogo, assim já se manifestou esta C. Terceira Seção:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA E COISA JULGADA QUANTO AO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DESCONSTITUIÇÃO PARCIAL DO JULGADO. REJULGAMENTO.
I. CASO EM EXAME
1. Ação rescisória aforada pelo INSS contra Vanderli de Souza Nakaoka, com fundamento nos incisos IV e V, do artigo 966, do Código de Processo Civil, objetivando rescindir a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Presidente Epitácio-SP, nos autos da ação previdenciária nº 1004161-19.2021.8.26.0481, na parte em que fixou o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez desde a data do início da incapacidade fixada no laudo pericial, em 04/2016.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em saber (i) se estão presentes os pressupostos para a rescisão do julgado e (ii) se há direito à alteração do termo inicial do benefício em juízo rescisório em ação para concessão do benefício por incapacidade.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Diante do requerimento de restabelecimento de benefício desde a cessação em 04/10/21, a sentença proferida na ação subjacente extrapolou os limites do pedido ao conceder benefício desde 04/2016 (DII), contemplando período maior que o requerido pela parte autora, pelo que, à toda evidência, violou o princípio da congruência, sendo ultra petita quanto ao termo inicial do benefício, com violação manifesta das normas insculpidas nos artigos 492 e 1013, do Código de Processo Civil de 2015.
4. Houve ofensa à coisa julgada em relação à concessão de aposentadoria por invalidez em período anterior a outubro de 2021, porque não poderia a sentença proferida na ação matriz conceder aposentadoria por invalidez retroativamente a período em que o acórdão transitado em julgado em ação antecedente reconheceu a incapacidade temporária e determinou a concessão de auxílio-doença com reabilitação profissional, o que também impõe a rescisão parcial do julgado rescindendo quanto ao termo inicial, nos termos do art. 966, IV, do CPC.
5. Nos limites do quanto rescindido, no caso da ação subjacente, o termo inicial do benefício deve ser fixado no dia imediatamente posterior ao da cessação, compensando-se os valores eventualmente pagos a título de auxílio-doença ou outro benefício cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei nº 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/1993) após a data de início do benefício concedido nesta ação.
6. Condenada a parte ré em honorários advocatícios fixados R$ 1.000,00.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Pedido rescindente julgado procedente para desconstituir em parte a sentença proferida na ação nº 1004161-19.2021.8.26.0481 no capítulo que fixou a data inicial do benefício e, em juízo rescisório, fixado o termo inicial do benefício em 05/10/2021.
Tese de julgamento: 1. Vedada a fixação de termo inicial de benefício previdenciário em data mais remota que aquela constante do pedido na matriz, sob pena de julgamento ultra petita e violação da coisa julgada operada em ação anterior.
______________
Dispositivos relevantes citados: CPC arts. 966, V e VIII, 492, 1.013; Lei 8.213/1991, art. 124.
Jurisprudência relevante citada: TRF/3ªR, AR 5008483-06.2023.4.03.0000, rel. Des. Fed. Nelson Porfírio, Terceira Seção, j. 08.08.24.
(TRF 3ª Região, 3ª Seção, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 5000223-03.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 29/11/2024, DJEN DATA: 04/12/2024)
Por tais razões, acolho os pedidos de rescisão parcial do julgado, desconstituído o capítulo da sentença rescindenda relacionado ao termo inicial do benefício.
DO JUÍZO RESCISÓRIO.
Ultrapassado o iudicium rescindens, de rigor o rejulgamento do feito de origem no que tange ao capítulo desconstituído, relativo ao termo inicial do benefício.
Nesse passo, registro que, nos termos do artigo 43 da Lei 8.213/91, em regra, "A aposentadoria por invalidez será devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença".
Na singularidade dos autos, é incontroverso que o réu recebeu auxílio-doença previdenciário de 31.12.2019 a 30.07.2020, sendo que o perito judicial concluiu que a incapacidade total e permanente do segurado iniciou-se em 2015.
Destarte e considerando os termos do pedido deduzido no feito subjacente, forçoso é concluir que o terno inicial da aposentadoria deferida na decisão rescindenda deve ser fixado em 31.07.2020.
No mais, fica integralmente mantida a sentença rescindenda.
DA VERBA HONORÁRIA
Vencido o réu, condeno-o ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, suspensa a exigibilidade, por ser ele beneficiário da justiça gratuita.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por (i) rescindir parcialmente a sentença impugnada, desconstituindo o seu capítulo relativo ao termo inicial do benefício deferido no feito subjacente; (ii) em sede de juízo rescisório, fixar o termo inicial do benefício de aposentadoria por invalidez do réu em 31.07.2020, mantendo quanto ao mais a sentença; e (iii) condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios, tudo nos termos antes expostos.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. FIXAÇÃO DE TERMO INICIAL DIVERGENTE DO PEDIDO INICIAL. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO MANIFESTA A NORMA JURÍDICA CONFIGURADOS. DESCONSTITUIÇÃO PARCIAL DO JULGADO. REJULGAMENTO COM FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO EM CONSONÂNCIA COM O PEDIDO INICIAL.
I. CASO EM EXAME
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Ação rescisória ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS com fundamento nos incisos V e VIII do art. 966 do CPC, visando à desconstituição parcial da sentença proferida nos autos do processo nº 5012699-22.2022.4.03.6183, a qual reconheceu o direito do réu à aposentadoria por invalidez com termo inicial (DIB) em 27/02/2015. O INSS alegou erro de fato e violação manifesta aos arts. 141 e 492 do CPC, ao argumento de que o pedido original se referia ao restabelecimento ou concessão de benefício por incapacidade a partir de 31/07/2020 ou, subsidiariamente, 26/11/2020.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há duas questões em discussão: (i) definir se a sentença rescindenda incorreu em erro de fato ao fixar termo inicial diverso daquele postulado na petição inicial; e (ii) estabelecer se houve violação manifesta à norma jurídica, especialmente aos artigos 141 e 492 do CPC, ao proferir decisão ultra petita.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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A sentença rescindenda fixou como termo inicial da aposentadoria por invalidez a data de 27/02/2015, com base em laudo pericial que apontava incapacidade total e permanente desde então, desconsiderando os limites objetivos do pedido inicial, que tratava exclusivamente de períodos posteriores a 31/07/2020.
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A decisão incorreu em erro de fato e julgamento ultra petita, violando o princípio da congruência previsto nos arts. 141 e 492 do CPC, ao conceder benefício previdenciário com termo inicial anterior ao delimitado pelo autor na petição inicial.
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Em juízo rescisório, fixou-se o termo inicial do benefício em 31/07/2020, data imediatamente posterior à cessação do auxílio-doença anteriormente concedido, nos termos do art. 43 da Lei 8.213/1991, conforme requerido na ação subjacente.
IV. DISPOSITIVO E TESE
6. Pedido procedente.
Tese de julgamento:
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Caracteriza erro de fato e julgamento ultra petita a fixação de termo inicial de benefício previdenciário em data anterior àquela expressamente postulada na petição inicial, em afronta aos arts. 141 e 492 do CPC.
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Em ação rescisória, é possível a desconstituição parcial do julgado e a fixação do termo inicial do benefício em conformidade com o pedido original.
Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 966, V e VIII; 492; 141; 975; Lei 8.213/1991, art. 43.
Jurisprudência relevante citada: TRF/3ª Região, AR 5008483-06.2023.4.03.0000, rel. Des. Fed. Nelson Porfírio, Terceira Seção, j. 08.08.2024; TRF/3ª Região, AR 5000223-03.2024.4.03.0000, rel. Des. Fed. Gilberto Rodrigues Jordan, j. 29.11.2024, DJEN 04.12.2024.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
