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PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª TurmaAPELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007423-78.2020.4.03.6183 RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. MARCUS ORIONE APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO MACIEL DE ARAUJO Advogado do(a) APELANTE: PEDRO EMANUEL DE SENA SANTOS - SP441654-E APELADO: FRANCISCO MACIEL DE ARAUJO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Advogado do(a) APELADO: PEDRO EMANUEL DE SENA SANTOS - SP441654-E OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I OO Exmo. Sr. Desembargador Federal Marcus Orione (Relator): Interpostos embargos de declaração pelo INSS em que o embargante pretende ver sanados vícios contemplados no art. 1.022 do Código de Processo Civil, que entende existir no acórdão embargado. Inexistente manifestação da parte adversa. É o relatório.V O T OAusente qualquer vício previsto no art. 1.022 do Código de Processo Civil e apontado pelo embargante, a ensejar a integração do acórdão embargado.
Como se percebe, o embargante alega que o acórdão é omisso por não haver se pronunciado expressamente sobre a impossibilidade de reconhecer o tempo especial posterior a 02/12/98, por exposição a agente químico, diante da informação no perfil profissiográfico previdenciário (PPP) de fornecimento e utilização de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz e das teses firmadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema da Repercussão Geral 555 e pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 1.090, o que foi devidamente contemplado pelo julgado nas seguintes passagens:
"No que tange à utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI), o C. Superior Tribunal de Justiça, concluindo o julgamento do REsp n. 2080584/PR em sede de recurso repetitivo, vinculado ao Tema n. 1.090, firmou as seguintes teses: "I - A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido; II - Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI; III - Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor". Percebe-se, pois, que de acordo com o atual entendimento firmado pela Corte Superior, a anotação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) quanto ao uso do EPI eficaz afasta, em princípio, o caráter especial da atividade, competindo ao segurado o ônus de demonstrar quaisquer divergências ou dúvidas quanto ao seu uso ou ineficácia. Importante destacar que a exigência de controle de fornecimento e uso de EPI somente passou a existir a partir de 03 de dezembro de 1998, data da publicação da Medida Provisória n. 1.279, de 02 de dezembro de 1998, convertida na Lei n. 9.732, de 11 de dezembro de 1998. Sendo assim, para os períodos anteriores a 03/12/1998 é despicienda a discussão sobre a utilização ou eficácia do EPI. Necessário ressaltar, outrossim, que o Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral, vinculado ao Tema n. 555, afirmou que o "direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial" (ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014). Contudo, no referido julgamento, a Suprema Corte entendeu que, especificamente quanto ao agente nocivo ruído em níveis superiores aos limites de tolerância, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a sua agressividade a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. Desse modo, no mesmo julgamento, fixou uma segunda tese, de seguinte teor: “Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”. Tal tese aplica-se, de igual maneira, às atividades em que há inerente exposição a agentes biológicos nocivos, tal como ocorre com os enfermeiros/técnicos de enfermagem em hospitais. Com efeito, é impossível assegurar que os agentes biológicos são completamente eliminados com a utilização de equipamentos de proteção, existindo inúmeras variáveis que podem interferir no risco de contaminação, em maior ou menor proporção. Saliento, ainda, por oportuno, que em se tratando de atividades perigosas, tais como a do vigilante e aquelas que expõem o trabalhador à eletricidade em altas voltagens, não há que se cogitar de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. No que se refere à eficácia do EPI quanto aos agentes químicos considerados cancerígenos, cumpre tecer as seguintes considerações: O Decreto nº 3.048/99, em seu artigo 68, § 4º, com a redação dada pelo Decreto nº 8.123/13, permite a análise qualitativa dos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos seguintes termos: "Art. 68. (...) § 4º. A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2º e 3º, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)" Nesse contexto, foi publicada a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 9, contendo a Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (LINACH), que permite a análise qualitativa dos agentes reconhecidamente cancerígenos (Grupo 1) registrados no CAS e que constem no Anexo IV do Decreto nº 3.048/99. Sendo assim, a informação constante do formulário (PPP) no sentido de que houve utilização de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz não afasta o reconhecimento da especialidade por exposição a agentes químicos cancerígenos, até 30 de junho de 2020, véspera da publicação do Decreto nº 10.410/20, que deu nova redação ao §4º do art. 68 do Decreto nº 3.048/99, in verbis: "Art. 68 (...) § 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)" Importante ressaltar, por fim, que malgrado o STJ tenha entendido que o ônus da prova recai sobre o segurado, basta que se demonstre a existência de divergência ou dúvida relevante sobre o uso ou eficácia do EPI para possibilitar o reconhecimento do caráter prejudicial da atividade, observando-se a terceira tese firmada no julgamento do tema n. 1.090 do STJ, in verbis: “Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor”. Tal orientação já havia sido estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema n. 555 da Repercussão Geral, acima referido, no sentido de que "em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial". Há que se observar que a autarquia previdenciária entende como prova "de eliminação ou neutralização dos riscos" a anotação do uso do EPI eficaz, conforme os requisitos estabelecidos no art. 291 da IN INSS n. 128/2022, in verbis: Art. 291. Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da Medida Provisória nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: I - da hierarquia estabelecida na legislação trabalhista, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou provisoriamente até a implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial; II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo; III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do Ministério do Trabalho e Previdência ou do órgão que venha sucedê-la; IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e V - da higienização. Parágrafo único. Entende-se como prova incontestável de eliminação ou neutralização dos riscos pelo uso de EPI, citado no Parecer CONJUR/MPS/Nº 616/2010, de 23 de dezembro de 2010, o cumprimento do disposto neste artigo. Conclui-se, pois, que não basta a anotação no PPP de fornecimento de EPI eficaz, devendo ser registrado, também, o preenchimento das demais condições estabelecidas na Instrução Normativa do próprio ente previdenciário. Caso contrário, o PPP pode ser impugnado, remanescendo dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual. Neste contexto, para a verificação das atividades tidas como agressivas à saúde, para fins de aposentação especial ou de aproveitamento de tempo em condição especial, há que se analisar o enquadramento das atividades desempenhadas pelo segurado no quadro a que se refere o art. 2º, do Decreto no. 53.831, de março de 1964, revigorado pela Lei nº. 5.527/68, além das atividades mencionadas em anexo do Decreto nº. 83.080/79 e, ainda, o Decreto nº. 3.048/99. Nestes, há indicação como especiais de atividades em que haja contato com os agentes agressivos à saúde mencionados na inicial. Portanto, tendo a atividade desenvolvida pelo segurado se dado com contato permanente - e não eventual - com agentes nocivos, considerados intoleráveis ao homem médio, haveria que se aproveitar deste período para o cômputo especial. No presente caso, em que pese as alegações do INSS, o documento de ID 146087419 - Pág. 29/30 expressa de forma clara como se deu o trabalho em condições insalubres no período laborado de 01/08/1990 a 21/03/2018 – na empresa Trinox Industria e Comércio de Peças Para Maquinas de Costura LTDA., sendo suficientes para a prova dos fatos à época destes, uma vez que exerceu as funções de aprendiz ajustador mecânico e fresador e esteve exposto, de forma habitual e permanente, a agentes químicos “óleos e graxa”, atividade considerada insalubre com base no item 1.2.6, Anexo III, do Decreto nº 53.831/64, no item 1.2.6, Anexo I, do Decreto nº 83.080/79, no item 1.0.12, Anexo IV, do Decreto nº 2.172/97, e no item 1.0.12, Anexo IV, do Decreto nº 3.048/99." Cumpre reiterar, ainda, que a discussão no presente caso diz respeito à possibilidade de reconhecimento da especialidade do labor desempenhado pelo segurado quando o Perfil Profissiográfico Previdenciário ou laudo emitido pela empresa empregadora indicar, de forma genérica, a exposição do trabalhador a óleos e graxas, sem fazer referência à composição e/ou concentração de tais agentes químicos". "No que tange à legislação atinente à matéria, tem-se que o Decreto 53.831/64 elenca os hidrocarbonetos como agentes químicos nocivos à saúde, com enquadramento no item 1.2.11 (tóxicos orgânicos). Já o Decreto 83.080/79 traz a previsão do enquadramento nos itens 1.2.10 (hidrocarbonetos e outros compostos de carbono) e 1.2.11 (outros tóxicos; associação de agentes). A seu turno, o Decreto 2.172/97 enquadra a atividade como especial no item 1.0.7 (carvão mineral e seus derivados, inclusive óleos minerais). O Decreto 3.048/99 traz a mesma previsão do regulamento anterior. Verifica-se, pois que deixou de existir previsão específica para o reconhecimento do labor insalubre com "hidrocarbonetos". Contudo, seus derivados são arrolados no item 13 do Anexo II, como causador de doenças profissionais ou do trabalho. Outrossim, o Anexo 13 da NR 15 descreve a manipulação de óleos minerais e o emprego de hidrocarbonetos aromáticos como atividades prejudiciais à saúde. De salientar, ainda, que não obstante os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 não prevejam expressamente os hidrocarbonetos como agentes insalutíferos, contemplam no item 1.0.19 de seu Anexo IVa possibilidade de reconhecimento da especialidade pela exposição a "Outras Substâncias Químicas". Em tal cenário, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 534, firmou tese no sentido de que “as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991).” Em sendo assim, possível concluir que o segurado, mesmo em momento posterior ao advento do Decreto nº 2.172/97, fará jus ao reconhecimento do desempenho de atividade especial quando demonstrar a exposição a agente químico da classe dos "hidrocarbonetos"". "Sendo assim, uma vez comprovada a exposição do segurado a agente cancerígeno, deve ser reconhecida a especialidade do respectivo período, sendo irrelevante o uso de EPI ou EPC, ainda que indicado como eficaz. Não havendo que se fazer qualquer dimensão da dosagem, a simples existência de graxas e minerais, pela composição inerente, bastaria efetivamente a sua menção (até porque, mesmo quando não cancerígeno, o que não é comum, podem causar outras doenças, como visto anteriormente). Além disso, a Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 9/2014 – LINACH (Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos), indica que o benzeno e os óleos minerais são agentes reconhecidamente cancerígenos aos humanos". "Diante dos argumentos expendidos, entendo que é possível o enquadramento quando houver a menção de óleos e graxas no PPP, uma vez que tais produtos contêm em sua fórmula hidrocarbonetos, devendo ser salientado, igualmente, que basta sua presença no meio ambiente de trabalho, sem exigência sobre limite de tolerância. Registre-se, por fim, que ao endossar a declaração do agente como agressivo, a própria empresa traz para si consequências de natureza trabalhista, com a obrigação que isso acarreta do pagamento dos adicionais pertinentes. Ora, não seria de se esperar que a empresa fizesse prova contra si mesma, passível inclusive de ser utilizada na Justiça Laboral, a não ser que a natureza da atividade fosse reconhecidamente agressiva à saúde do trabalhador. Tal solução se justifica, ainda mais, se, analisando-se a profissiografia, fique claro que o manuseio do agente nocivo é inerente ao ambiente do trabalho e à função desempenhada pelo trabalhador. Isso significa que, ainda que os documentos fornecidos pela empregadora façam menções genéricas à presença de "hidrocarbonetos" ou "óleos e graxas", há possibilidade de reconhecimento da especialidade do labor, mormente quando o contexto demonstrado pela prova indique a presença de tal categoria de agentes no ambiente de trabalho do segurado". Destarte, verifica-se que a decisão impugnada apreciou devidamente o pedido. Assim sendo, qualquer inconformismo deverá ser manifestado, por recurso próprio, nas instâncias competentes. Isto posto, rejeito os Embargos de Declaração interpostos pelo INSS. É o voto.E M E N T ADIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO QUANTO AO RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI) E AGENTES QUÍMICOS. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DO ART. 1.022 DO CPC. EMBARGOS REJEITADOS. I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO III. RAZÕES DE DECIDIR IV. DISPOSITIVO E TESE Tese de julgamento: “Não há omissão a ser suprida quando o acórdão examina expressamente a eficácia do EPI, a aplicação dos Temas 555/STF e 1.090/STJ e reconhece a especialidade da atividade por exposição a agentes químicos cancerígenos, sendo incabível o uso dos embargos de declaração para rediscutir o mérito do julgado.” Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 1.022; CF/1988, art. 201, § 1º; Decreto nº 3.048/1999, art. 68, § 4º; Lei nº 9.732/1998; IN INSS nº 128/2022, art. 291. A C Ó R D Ã OVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar os Embargos de Declaração interpostos pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARCUS ORIONE
Relator |
