Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5001075-47.2018.4.03.6140
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. COISA JULGADA AFASTADA. ATIVIDADES RURAL E ESPECIAL.
- A coisa julgada material impede o ajuizamento de demanda idêntica à anterior, com fundamento
no já citado inciso V do art. 485, entendendo-se como tal, de acordo com o art. 502, a eficácia
"que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso".
- A causa de pedir trazida nesta demanda, relacionada ao reconhecimento, como especial, do
período de 01.02.78 a 02.03.79, bem como quanto aos períodos laborados como rurícola de
14.06.65 a 31.10.76 e de 01.04.79 a 28.02.85, não foi analisada na demanda anterior. Não se há
falar em coisa julgada quanto ao reconhecimento dos períodos rurais e do lapso especial de
01.02.78 a 02.03.79, tampouco quanto à possibilidade de concessão da aposentadoria, a partir de
23.06.17.
- Afastada a coisa julgada reconhecida na r. sentença. Estando a causa em condições de
imediato julgamento, analisado o mérito, nos termos do artigo 1.013, § 3º do CPC.
- De acordo com o conjunto probatório produzido, viável o reconhecimento da atividade rural no
período de 14.06.65 (quando completou 12 anos) e a 31.10.76. Não há início de prova material
referente ao período posterior de 01.04.79 a 28.02.85.
- Busca o demandante o reconhecimento de atividade especial no período de 01.02.78 a
02.03.79. Há nos autos CTPS que comprova que o autor, no período supramencionado exerceu a
função de prensista na empresa FORJAS SÃO PAULO S/A. Viável o reconhecimento como
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
especial pela atividade de prensista, considerada insalubre em face do enquadramento
profissional do trabalhador no código 2.5.2 do anexo II, do Decreto nº 83.080/79.
- Somados o período rural de 14.06.65 a 31.10.76, com o período especial ora reconhecido de
01.02.78 a 02.03.79, convertido em comum, com os demais períodos incontroversos e aqueles
reconhecidos na ação autuada sob o nº 0010465-22.2014.4.03.6317, conta o autor, na data da
DER, em 23.06.17, com 45 anos, 7 meses e 24 dias, suficientes à concessão da aposentadoria
por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo, em valor a ser
calculado pelo INSS nos termos da legislação vigente à época da DIB.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código
de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na
ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão
de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/21, a apuração do
débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- A fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do
julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do
CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios, a teor da
Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência;
contudo, uma vez que a pretensão do segurado somente foi deferida nesta sede recursal, a
condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente
decisão ou acórdão, atendendo ao disposto no § 11 do artigo 85, do CPC.
- Apelação da parte autora provida, para reformar a sentença extintiva, afastando a coisa julgada
e, nos termos do art. 1.013, § 3º do CPC, julgar procedente o pedido para reconhecer o labor
rural desenvolvido no período de 14.06.65 a 31.10.76; a especialidade do lapso de 01.02.78 a
02.03.79, e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento
administrativo.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001075-47.2018.4.03.6140
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: IVANILDO FERREIRA LEITE
Advogado do(a) APELANTE: FABIO ALCANTARA DE OLIVEIRA - SP197070-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001075-47.2018.4.03.6140
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ajuizada, em 2018, por IVANILDO FERREIRA LEITE contra o INSTITUTO
NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando o reconhecimento de tempo especial
nos períodos de 01/02/1978 a 02/03/1979; 01/04/1985 a 31/08/1986 e de 01/09/1986 a
22/01/1991, convertendo-os para tempo comum com o acréscimo legal de 40%;
reconhecimento de trabalho comum de 09/02/2011 a 09/03/2011 e de trabalho rural de
14/06/1965 a 31/10/1976 e de 01/04/1979 a 28/02/1985, somando-os ao tempo de contribuição
apurado administrativamente, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, desde o requerimento administrativo, em 23/06/2017, com possibilidade de
reafirmação da DER.
Sustenta o autor, na exordial, que o INSS, em sua análise administrativa, “deixou de computar
como tempo especial, convertendo para tempo comum com acréscimo legal de 40%, os
seguintes períodos de trabalho:
FORJAS SÃO PAULO S/A, de 01/02/1978 a 02/03/1979, no qual o autor exerceu a função de
prensista, considerada atividade especial pelo código 2.5.2 do Anexo II do Decreto nº
83.080/79, comprovada pelas anotações na carteira de trabalho número 045582 / série 498a,
especialmente, página 52 (fl. 23 do processo administrativo);
CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO, de 01/04/1985 a 31/08/1986, no qual o autor exerceu a
função de ajudante forjador, atividade já reconhecida e averbada como especial nos autos do
processo nº 0010465-22.2014.4.03.6317, que tramitou perante o Juizado Especial Federal de
Santo André, com trânsito em julgado certificado em 21/06/2017;
CONFORJA S/A CONEXÕES DE AÇO, de 01/09/1986 a 22/01/1991, no qual o autor exerceu
as funções de prensista rebarbador e forjador martelo, atividades já reconhecidas e averbadas
como tempo especial nos autos do processo nº 0010465-22.2014.4.03.6317, que tramitou
perante o Juizado Especial Federal de Santo André, com trânsito em julgado certificado em
21/06/2017.
Igualmente, deixou o INSS de reconhecer e computar o seguinte período de trabalho comum na
contagem de tempo de contribuição:
RIP REMOÇÃO DE ENTULHOS E TRANSPORTES LTDA - ME, de 09/02/2011 a 09/03/2011,
período já reconhecido e averbado nos autos do processo nº 0010465-22.2014.4.03.6317, que
tramitou perante o Juizado Especial Federal de Santo André, com trânsito em julgado
certificado em 21/06/2017.
O INSS também deixou de reconhecer e computar o tempo de trabalho rural exercido pelo
autor, no Município de Águas Belas – PE, em regime de economia familiar, nos seguintes
períodos:
ATIVIDADE RURAL, de 14/06/1965 a 31/10/1976;
ATIVIDADE RURAL, de 01/04/1979 a 28/02/1985”.
Por determinação do Juízo a quo, foram colacionadas aos autos as principais peças da ação
previdenciária nº 0010465-22.2014.4.036317, distribuída em 08/08/14, perante o Juizado
Especial Federal de Santo André/SP, onde o pedido foi julgamento parcialmente procedente
para averbar como especial o período de 01/04/1985 a 22/01/1991 e como comum os períodos
de 02/01/1991 a 22/01/1991 e de 09/02/2011 a 09/03/2011.
A r. sentença reconheceu coisa julgada em relação ao processo n.º 0010465-
22.2014.4.03.6317, indeferiu a petição inicial e julgou extinta a lide, sem análise do mérito, nos
termos do artigo 485, inciso V do Código de Processo Civil. Condenou a parte autora ao
pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa
(artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Código de Processo Civil), atualizados nos termos do Manual
de Cálculos da Justiça Federal em vigor, os quais não poderão ser executados enquanto
perdurar a situação que ensejou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita,
consoante disposto no artigo 98, § 3º, do Estatuto Processual (ID 216651284).
A parte autora interpôs recurso de apelação. Requer seja afastada a coisa julgada, e em ato
contínuo, que seja “reconhecido e computado o labor rural nos períodos de 14/06/1965 a
31/10/1976 e de 01/04/1979 a 28/02/1985; reconhecido e computado como tempo especial os
períodos de trabalho de 01/02/1978 a 02/03/1979, de 01/04/1985 a 31/08/1986 e de 01/09/1986
a 22/01/1991, convertendo-os para tempo comum com aplicação do fator legal de 1,40, bem
como reconhecido e computado o período de atividade comum de 09/02/2011 a 09/03/2011,
concedendo-se ao recorrente o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição – NB
42/183.611.788-1, desde a data do requerimento administrativo de 23/06/2017, ou mediante
reafirmação da DER, se necessário, pagando o INSS as prestações vencidas e vincendas,
acrescidas de juros, correção monetária, honorários de advogado e demais encargos legais” (ID
216651286).
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório.
as
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001075-47.2018.4.03.6140
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APELANTE: IVANILDO FERREIRA LEITE
Advogado do(a) APELANTE: FABIO ALCANTARA DE OLIVEIRA - SP197070-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal, passo ao
exame da matéria objeto de devolução.
DA COISA JULGADA
A coisa julgada material impede o ajuizamento de demanda idêntica à anterior, com fundamento
no já citado inciso V do art. 485, entendendo-se como tal, de acordo com o art. 502, a eficácia
"que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso".
Na espécie, objetiva o requerente, nesta demanda, em decorrência de novo requerimento
administrativo, o reconhecimento, como especial, do período de 01.02.78 a 02.03.79 e, como
rurícola, dos períodos de 14.06.65 a 31.10.76 e de 01.04.79 a 28.02.85, com o aproveitamento,
na nova contagem, dos períodos incontroversos e daqueles reconhecidos, como especiais, em
ação anterior, autuada sob o nº 0010465-22.2014.4.03.6317, de 01.04.85 a 31.08.86 (como
ajudante forjador) e de 01.09.86 a 22.01.91 (como prensista); e como comum de 09.02.11 a
09.03.11 (na empresa RIP REMOÇÃO DE ENTULHOS E TRANSPORTES LTDA – ME), para
fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, com DIB em 23.06.17.
Assim, ao que se vê da sentença proferida nos autos da ação anterior, está, de fato, sob o
manto da coisa julgada o enquadramento pela atividade dos períodos de 01.04.85 a 31.08.86 e
de 01.09.86 a 22.01.91 e a averbação, como comum, do lapso de 09.02.11 a 09.03.11.
A causa de pedir trazida nesta demanda, relacionada ao reconhecimento, como especial, do
período de 01.02.78 a 02.03.79, bem como quanto aos períodos laborados como rurícola de
14.06.65 a 31.10.76 e de 01.04.79 a 28.02.85, não foi analisada na demanda anterior.
Deste modo, não se há falar em coisa julgada quanto ao reconhecimento dos períodos rurais e
do lapso especial de 01.02.78 a 02.03.79, tampouco quanto à possibilidade de concessão da
aposentadoria, a partir de 23.06.17. Nesse sentido é a lição trazida pela nota 19 ao art. 301 do
Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante de Nelson Nery Junior e Rosa
Maria Andrade Nery:
"19. Identidade de ações: caracterização. As partes devem ser as mesmas, não importando a
ordem delas nos pólos das ações em análise. A causa de pedir, próxima e remota
(fundamentos de fato e de direito, respectivamente), deve ser a mesma nas ações, para que se
as tenha como idênticas. O pedido, imediato e mediato, deve ser o mesmo: bem da vida e tipo
de sentença judicial. Somente quando os três elementos, com suas seis subdivisões, forem
iguais é que as ações serão idênticas".
In casu, portanto, afasto a coisa julgada reconhecida na r. sentença. Estando a causa em
condições de imediato julgamento, passo à análise do mérito, nos termos do artigo 1.013, § 3º
do CPC.
1. DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/ CONTRIBUIÇÃO
O primeiro diploma legal brasileiro a dispor sobre a aposentadoria por tempo de serviço foi a Lei
Eloy Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Referido benefício era concedido
apenas aos ferroviários, possuindo como requisito a idade mínima de 50 (cinquenta) anos,
tendo sido suspensa no ano de 1940.
Somente em 1948 tal aposentadoria foi restabelecida, tendo sido mantida pela Lei nº 3.807, de
26 de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS), que preconizava como
requisito para a concessão do benefício o limite de idade de 55 (cinquenta e cinco) anos,
abolido, posteriormente, pela Lei nº 4.130, de 28 de agosto de 1962, passando a adotar apenas
o requisito tempo de serviço.
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 1/69, também disciplinaram tal
benefício com salário integral, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna manteve o benefício, disciplinando-o em seu art. 202 (redação original) da
seguinte forma:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§1º: É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Antes da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, preceituava a Lei nº
8.213/91, nos arts. 52 e seguintes, que o benefício de aposentadoria por tempo de serviço era
devido ao segurado que, após cumprir o período de carência constante da tabela progressiva
estabelecida pelo art. 142 do referido texto legal, completar 30 anos de serviço, se homem, ou
25, se mulher, iniciando no percentual de 70% do salário-de-benefício até o máximo de 100%
para o tempo integral aos que completarem 30 anos de trabalho se mulher, e 35 anos de
trabalho se homem.
Na redação original do art. 29, caput, §1º, da Lei de Benefícios, o salário-de-benefício consiste
na média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses
imediatamente anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento,
até o máximo de 36, apurados no período não superior a 48 meses. Ao segurado que contava
com menos de 24 contribuições no período máximo estabelecido, o referido salário corresponde
a 1/24 da soma dos salários-de-contribuição.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi
convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento
jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer, nos arts. 201 e 202 da
Constituição Federal:
"Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro
e atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei,
obedecidos as seguintes condições:
I - 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se
mulher;
Art. 202 O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma
autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na
constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
(...)"
Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da
aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16
de dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da
legislação então vigente.
Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados
que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da
EC n. 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o
mesmo prazo e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
2. DA ATIVIDADE RURAL:
2.1 INTRODUÇÃO
A Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963, que dispunha sobre o "Estatuto do Trabalhador Rural",
já considerava como segurado obrigatório o trabalhador rural, inclusive os pequenos
produtores, conforme art. 160, in verbis:
"Art. 160. São obrigatoriamente, segurados: os trabalhadores rurais, os colonos ou parceiros,
bem como os pequenos proprietários rurais, empreiteiros, tarefeiros e as pessoas físicas que
explorem as atividades previstas no art. 30 desta lei, estes com menos de cinco empregados a
seu serviço".
A Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, tanto na redação original, como após a
alteração introduzida pela Lei Complementar nº 16, de 30 de outubro de 1.973, manteve sob a
responsabilidade do produtor o recolhimento de contribuição para o custeio do Programa de
Assistência ao Trabalhador Rural (PRO-RURAL).
É o que dispunha o seu art. 15, a saber:
"Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão
das seguintes fontes:
I - da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor, sobre o valor comercial dos
produtos rurais, e recolhida:
a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em
todas as obrigações do produtor;
b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo,
diretamente ao consumidor pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos,
vendê-los ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior" (redação dada
pela LC nº 16, de 3/10/73 )".
O reconhecimento ou não do tempo de serviço rural prestado sob o regime de economia
familiar ou como diarista/boia-fria, está jungido à lei, razão pela qual, ab initio, transcrevo o art.
55, §3º, da Lei nº 8.213/91:
"O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de
segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de
segurado:
(...)
§3º: A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante
justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito
quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente
testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto
no Regulamento."
2.2 REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
A Lei nº 8.213/91, ao disciplinar o regime de economia familiar, assinalou que a atividade rural
deve ser exercida pelos membros da família em condições de mútua dependência e
colaboração, bem como ser indispensável à própria subsistência do núcleo familiar.
Frise-se que o fato da parte autora contar, eventualmente, com o auxílio de terceiros em suas
atividades, não descaracteriza o regime de economia familiar, conforme ressalva feita no art.
11, VII, in verbis:
"Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro, e o arrendatário rurais, o
garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades,
individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de
terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14
(quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo
familiar respectivo.
§ 1º. Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos
membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua
dependência e colaboração, sem a utilização de empregados."
2.3 DOCUMENTOS PARA A COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURÍCOLA
Observo que o art. 106 da Lei nº 8.213/91 apresenta um rol de documentos que não configura
numerus clausus, já que o sistema processual brasileiro adotou o princípio do livre
convencimento motivado, cabendo ao Juízo, portanto, a prerrogativa de decidir sobre a sua
validade e a sua aceitação.
Acerca do tema, algumas considerações se fazem necessárias, uma vez que balizam o
entendimento desta Corte no que diz com a valoração das provas comumente apresentadas.
Declarações de Sindicato de Trabalhadores Rurais somente fazem prova do quanto nelas
alegado, desde que devidamente homologadas pelo Ministério Público ou pelo INSS, órgãos
competentes para tanto, nos exatos termos do que dispõe o art. 106, III, da Lei nº 8.213/91, seja
em sua redação original, seja com a alteração levada a efeito pela Lei nº 9.063/95.
Na mesma seara, declarações firmadas por supostos ex-empregadores ou subscritas por
testemunhas, noticiando a prestação do trabalho na roça, não se prestam ao reconhecimento
então pretendido, tendo em conta que equivalem a meros depoimentos reduzidos a termo, sem
o crivo do contraditório, conforme entendimento já pacificado no âmbito desta Corte.
Igualmente não alcançam os fins colimados, a apresentação de documentos comprobatórios da
posse da terra pelos mesmos ex-empregadores, visto que não trazem elementos indicativos da
atividade exercida pela parte requerente.
Já a mera demonstração, por parte do autor, de propriedade rural, só se constituirá em
elemento probatório válido desde que traga a respectiva qualificação como lavrador ou
agricultor. No mesmo sentido, a simples filiação a sindicato rural só será considerada mediante
a juntada dos respectivos comprovantes de pagamento das mensalidades.
2.3.1 INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL
Tem-se, por definição, como início razoável de prova material, documentos que tragam a
qualificação da parte autora como lavrador, v.g., assentamentos civis ou documentos expedidos
por órgãos públicos. Nesse sentido: STJ, 5ª Turma, REsp nº 346067, Rel. Min. Jorge
Scartezzini, v.u., DJ de 15.04.2002, p. 248.
Da mesma forma, a qualificação de um dos cônjuges como lavrador se estende ao outro, a
partir da celebração do matrimônio, consoante remansosa jurisprudência já consagrada pelos
Tribunais.
Outro aspecto relevante diz com a averbação do tempo de serviço requerida por menores de
idade, em decorrência da atividade prestada em regime de economia familiar. A esse respeito,
o fato da parte autora não apresentar documentos em seu próprio nome que a identifique como
lavrador, em época correspondente à parte do período que pretende ver reconhecido, por si só
não elide o direito pleiteado, pois é sabido que não se tem registro de qualificação profissional
em documentos de menores, que na maioria das vezes se restringem à sua Certidão de
Nascimento, especialmente em se tratando de rurícolas. É necessária, contudo, a apresentação
de documentos concomitantes, expedidos em nome de pessoas da família, para que a
qualificação dos genitores se estenda aos filhos, ainda que não se possa comprovar
documentalmente a união de esforços do núcleo familiar à busca da subsistência comum.
Em regra, toda a documentação comprobatória da atividade, como talonários fiscais e títulos de
propriedade, é expedida em nome daquele que faz frente aos negócios do grupo familiar.
Ressalte-se, contudo, que nem sempre é possível comprovar o exercício da atividade em
regime de economia familiar através de documentos. Muitas vezes o pequeno produtor cultiva
apenas o suficiente para o consumo da família e, caso revenda o pouco do excedente, não
emite a correspondente nota fiscal, cuja eventual responsabilidade não está sob análise nesta
esfera. O homem simples, oriundo do meio rural, comumente efetua a simples troca de parte da
sua colheita por outros produtos de sua necessidade que um sitiante vizinho eventualmente
tenha colhido ou a entrega como forma de pagamento pela parceria na utilização do espaço de
terra cedido para plantar.
De qualquer forma, é entendimento já consagrado pelo C. Superior Tribunal de Justiça (AG nº
463855, Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, j. 09/09/03) que documentos apresentados em
nome dos pais ou outros membros da família que os qualifiquem como lavradores, constituem
início de prova do trabalho de natureza rurícola dos filhos, mormente no presente caso em que
não se discute se a parte autora integrava ou não aquele núcleo familiar à época em que o pai
exercia o labor rural, o que se presume, pois ainda não havia contraído matrimônio e era,
inclusive, menor de idade.
2.3.2 RECONHECIMENTO DE LABOR RURAL ANTERIOR AO DOCUMENTO MAIS ANTIGO
(Resp 1.348.633)
No tocante ao critério de fixação do termo inicial para contagem do tempo a ser reconhecido, o
recente posicionamento do E. Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida em sede de
recurso especial representativo de controvérsia repetitiva (REsp 1.348.633/SP, 1ª Seção, j.
28.08.13), admitiu a possibilidade de reconhecimento de labor rural anterior ao documento mais
antigo juntado como prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos.
2.3.3 MENOR DE 12 ANOS
É certo que o regime de repercussão geral, previsto na Emenda Constitucional n. 45/2004 e
instituído na legislação processual pela Lei n. 11.418/06, tem por finalidade uniformizar e
estabilizar a jurisprudência, de forma sistematizada e de fácil referenciação - mediante a
simples citação do julgamento paradigma.
Dessa forma, a jurisprudência uniformizada e estabilizada, anteriormente à instituição do regime
de repercussão geral é passível do mesmo tratamento ainda, que não tenha sido objeto de
submissão da matéria ao referido regime.
Sob este prisma, saliento ser possível o reconhecimento de tempo de serviço em períodos
anteriores à Constituição Federal de 1988, nas situações em que o trabalhador rural tenha
iniciado suas atividades antes dos 14 anos. É histórica a vedação constitucional ao trabalho
infantil. Em 1967, porém, a proibição alcançava apenas os menores de 12 anos. Isso indica que
nossos constituintes viam, àquela época, como realidade incontestável que o menor
efetivamente desempenhava a atividade nos campos, ao lado dos pais.
Nesse sentido:
“Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de
tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº. 8213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de
violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de
efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento
similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia
do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com
a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir
Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de
instrumento a que se nega provimento.”(AI 529694, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 15/02/2005, DJ 11-03-2005 PP-00043 EMENT VOL-02183-09 PP-
01827 RTJ VOL-00193-01 PP-00417 RDECTRAB v. 12, n. 129, 2005, p. 176-190)
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. COMPROVAÇÃO DO
DISSÍDIO.PROVA DE ATIVIDADE RURÍCOLA EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
MENOR DE 14 ANOS. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS
PREVIDENCIÁRIOS. POSSIBILIDADE. I - Em se tratando de matéria por demais conhecida da
Egrégia Seção, dispensáveis se mostram maiores exigências formais na comprovação da
divergência, bastando a transcrição de ementas. Precedente. II - In casu, ao tempo da
prestação dos serviços - entre 17.08.68 e 31.12.69 - vigorava o art. 165, inciso X, da CF/67,
repetido na E.C.nº 1/69, que admitia o trabalho do menor a partir dos 12 (doze) anos. III -
Reconhecendo a Lei 8.213/91, art. 55, § 2º, o tempo de serviço rural pretérito, sem contribuição,
para efeitos previdenciários - não para contagem recíproca - não podia limitar aos 14 (quatorze)
anos, sem ofensa à Norma Maior. É que o tempo de serviço, para fins de aposentadoria, é
disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como
direito autônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador. IV - Comprovada a atividade rurícola de
menor de 14 anos, antes da Lei 8.213/91, impõe-se seu cômputo para fins previdenciários. A
proibição do trabalho aos menores de catorze anos foi estabelecida pela Constituição em
benefício do menor e não em seu prejuízo. V - Embargos acolhidos.” (EREsp 329.269/RS, Rel.
Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 221)
Antes dos 12 anos, porém, ainda que o menor acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não é crível que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante. Dessa forma, é de se reconhecer o exercício pleno do trabalho
rurícola apenas a partir dos 12 anos de idade.
A questão, inclusive, já foi decidida pela Turma de Uniformização das Decisões dos Juizados
Especiais Federais, que editou a Súmula nº 5:
"A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213 de 24 de
julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (DJ
25.09.2003).
2.4 DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTOS ATÉ 24/07/1991
A teor do § 2º do artigo 55 da Lei n.º 8.213/91, permite-se o cômputo do tempo de serviço do
segurado trabalhador rural, independentemente do recolhimento das contribuições
previdenciárias, somente em relação ao período que antecede a vigência desta Lei, não
havendo, entretanto, dispensa dessas contribuições para o período posterior a 24/07/1991.
Na ausência de comprovação pela parte autora do recolhimento dessas contribuições, a
averbação de período reconhecido em período posterior a 24/07/1991 há que ser adstrita à data
da edição da reportada Lei.
Nesse sentido, já decidiu esta Egrégia Corte, confira-se:
"PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. DECLARATÓRIA. RURÍCOLA. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO PARCIAL
DE TEMPO DE SERVIÇO. INEXIGIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE
CONTRIBUIÇÕES.
(...)
5- Inexigível o recolhimento das contribuições previdenciárias do trabalhador rural com relação
ao cômputo do tempo de serviço que antecede a 24/07/1991, data da edição da Lei n.º
8.213/91, não havendo, entretanto, dispensa dessas contribuições para o período posterior a
essa data, que deve ser considerada como termo ad quem do período a ser averbado,
obrigando sua restrição no caso sob exame. Aplicação do enunciado da Súmula n.º 272 do E.
Superior Tribunal de Justiça.6- Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS parcialmente
provida".(TRF3, 9ª Turma, AC 2004.03.99.003417-6, Desembargador Federal Santos Neves,
DJU 17/05/2007, p. 598).
Destaco, entretanto, que a obrigação de se efetuar o recolhimento das contribuições
previdenciárias ao Instituto Autárquico e promover seu desconto da remuneração do
empregado a seu serviço, compete, exclusivamente, ao empregador, por ser este o responsável
pelo repasse de tal valor aos cofres da Previdência.
A fiscalização do cumprimento da obrigação previdenciária cabe ao INSS, inclusive, tendo
ordenamento jurídico disponibilizado ação própria para haver o seu crédito, a fim de exigir do
devedor o cumprimento da legislação.
Na hipótese de diarista/boia-fria, há determinação expressa no art. 55, §2º, da Lei nº 8.213/91,
segundo a qual o tempo de serviço do trabalhador rural laborado antes da sua vigência, será
computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para fins de
carência.
Em relação ao período em que o segurado laborou em regime de economia familiar, é certo que
ao mesmo cabe o dever de recolher as contribuições tão-somente se houver comercializado a
produção no exterior ou no varejo, isto é, para o consumidor final, a empregador rural pessoa
física ou a outro segurado especial (art. 30, X, da Lei de Custeio).
A pretensão da parte autora, concernente ao mero reconhecimento do tempo de serviço e a
respectiva expedição da certidão, independe de indenização relativamente aos períodos que se
pretende ver reconhecidos, ainda que para fins de contagem recíproca; contudo, merece
destaque a observação trazida pelo eminente Desembargador Federal Sérgio Nascimento, em
seu voto-vista desenvolvido por ocasião do sentido de que "a falta de pagamento da
indenização em discussão não afasta o direito do autor de que seja expedida certidão que
conste a averbação do tempo de serviço rural, reconhecido no presente feito, com a ressalva de
que não foi efetuado o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, tampouco o
pagamento da indenização de que trata o artigo 96, IV, da Lei n.8.213/91".
Frise-se, ainda, que a contagem recíproca constitui direito do segurado da Previdência Social,
tanto para somá-la ao tempo de atividade laborativa exercida unicamente na atividade privada,
quanto para acrescentá-la ao tempo em que também trabalhou no setor público.
3. DA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM
3.1 DO DIREITO À CONVERSÃO ANTES DA LEI 6.887/80 E APÓS A LEI 9.711/98
A teor do julgamento do REsp 1.310.034 e do REsp 1.151.363, ambos submetidos ao regime
do art. 543-C do CPC/1973, inexiste óbice para se proceder à conversão de tempo de serviço
especial em comum, seja antes da Lei 6.887/80 seja após Lei n. 9.711/1998.
3.2 DO RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE EXERCIDA EM ATIVIDADE ESPECIAL
Para o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida e a conversão desse
intervalo especial em comum, cabe ao segurado demonstrar o trabalho em exposição a agentes
agressivos, nos termos da lei vigente à época da prestação do trabalho, observando-se o
princípio tempus regit actum (Pet 9.194/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Seção, julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
3.2.1 PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.032/95
No período anterior à edição da Lei nº 9.032/95, o direito à aposentadoria especial e à
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais é reconhecido em razão da categoria
profissional exercida pelo segurado ou pela sua exposição aos agentes nocivos descritos nos
Anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, a ser comprovada por meio da apresentação
de SB 40, sem a necessidade de apresentação de laudo técnico, exceção feita à exposição ao
ruído.
3.2.2 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.032/95 ATÉ A EDIÇÃO DO DECRETO
Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997
A comprovação da atividade especial exercida após a edição da Lei nº 9.032, de 29 de abril de
1995 - que promoveu a alteração do art. 57 da Lei n. 8213/91 - se dá com a demonstração da
efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, mediante a
apresentação do formulário DSS-8030 (antigo SB 40), o qual se reveste da presunção de que
as circunstâncias de trabalho ali descritas se deram em condições especiais, não sendo,
portanto, imposto que tal documento se baseie em laudo pericial, com exceção ao limite de
tolerância para nível de pressão sonora (ruído).
Anote-se que a relação dos agentes nocivos constante do Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e dos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, em vigor
até o advento do Decreto Regulamentar nº 2.172/97, de 5 de março de 1997, fora substituído
pelo Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.
Relevante consignar que, a partir da Lei nº 9.032/95, não é mais possível o reconhecimento da
atividade especial, unicamente, com fulcro no mero enquadramento da categoria profissional.
3.2.3 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE
1997 E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
Com a edição do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, que regulamentou a Medida
Provisória nº 1523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, é indispensável a apresentação de laudo
técnico para a comprovação de atividade especial.
Cabe esclarecer que a circunstância de o laudo não ser contemporâneo à atividade avaliada
não lhe retira absolutamente a força probatória, em face de inexistência de previsão legal para
tanto e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral (AC 0022396-
76.2005.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Candido Moraes, 2ª Turma, e-DJF1 p.198
de 18/11/2014). Súmula 68 TNU.
Além disso, é de se apontar que o rol de agentes insalubres, como também das atividades
penosas e perigosas não se esgotam no regulamento, tal como cristalizado no entendimento
jurisprudencial na Súmula/TFR n. 198:
"Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata
que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita
em Regulamento."
Nesse sentido, julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 395988,
Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 18.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 630; 5ª Turma, REsp nº 651516,
Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.10.2004, DJ 08.11.2004, p. 291.
3.3 USO DO EPI
No tocante à utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPI, em recente decisão, com
repercussão geral, no ARE 664.335/SC, assentou a Suprema Corte que:
"o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente
nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não
haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial" (grifo nosso). No caso, porém, de
dúvida em relação à efetiva neutralização da nocividade, decidiu que "a premissa a nortear a
Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria
especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para
descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete".
No mais, especificamente quanto à eficácia do equipamento de proteção individual - EPI ao
agente agressivo ruído, o Pretório Excelso definiu que:
"na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido
da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria". Isso porque, "ainda que se pudesse aceitar que o problema
causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que
indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na
eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são
inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são
impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores".
DO PRENSISTA
A profissão de prensista é considerada insalubre em face do enquadramento profissional do
trabalhador no código 2.5.2 do anexo II, do Decreto nº 83.080/79, que prevê a natureza especial
das atividades realizadas por ferreiros, marteleiros, forjadores, estampadores, caldeireiros e
prensadores, independentemente de prova da efetiva exposição aos agentes agressivos até
28/04/1995.
DO CASO DOS AUTOS
DA ATIVIDADE RURAL
Para comprovar os períodos rurais vindicados de 14.06.65 a 31.10.76 e de 01.04.79 a 28.02.85,
o autor, nascido em 14.06.53, juntou aos autos sua certidão de casamento, celebrado em 1975,
em que consta sua ocupação como lavrador.
A testemunha, ouvida na condição de informante, por ser ex-cunhado do autor, conhece o
demandante desde que tinha uns 16 anos de idade, no Pernambuco, num sítio. Eles moravam
vizinhos. O autor morava numa propriedade pertencente ao seu pai chamada Lagoa dos Bois.
Eles reuniam a vizinhança para bater feijão com casca. Eles se ajudavam mutuamente nas
propriedades de seus pais e dos demais vizinhos. A família do autor cuidava da roça, do gado e
da cerca da propriedade rural. O autor na época tinha uns 10 anos quando se conheceram. O
sítio do autor tinha umas 50 quadras de terra, pertencia ao pai do demandante juntamente com
outros familiares. O pai do autor se chamava Antônio Ferreira. Lá era cultivado feijão, milho e
algodão. Tinha boi e vaca, umas 30 cabeças. O autor estudava também com uma professora
que dava aula para um grupo da fazenda do tio, era primário, e ele estudava de manhã quando
não tinha muito serviço na roça. A família do autor não tinha outras fontes de renda. Os irmãos
do autor se chamam Vanaldo, Junior, Valdo, Vanildo, Enoque, Helena, Lia, Maria José, Zuleide,
Simone. O vizinho da fazenda do autor era Sr. Augusto e José Onorio. O depoente saiu de lá
em 1984. O autor se casou com a Sra. Helena em Águas Belas, quando o depoente ainda
morava vizinho. As filhas se chamam Cristiane e Cassiana. A produção da propriedade era
guardada para plantar no próximo ano, para consumo próprio e o que sobrava era vendido. O
autor fez apenas o primário, até a quarta série. Ele foi para São Paulo com a família em 1980.
Conforme se verifica da pesquisa CNIS colacionada com a contestação, o primeiro vínculo
empregatício urbano do autor iniciou 09.12.76.
De acordo com o conjunto probatório produzido, entendo viável o reconhecimento da atividade
rural no período de 14.06.65 (quando completou 12 anos) e a 31.10.76. Não há início de prova
material referente ao período posterior de 01.04.79 a 28.02.85.
DA ATIVIDADE ESPECIAL
Busca o demandante o reconhecimento de atividade especial no período de 01.02.78 a
02.03.79.
Há nos autos CTPS que comprova que o autor, no período supramencionado exerceu a função
de prensista na empresa FORJAS SÃO PAULO S/A. Viável o reconhecimento como especial
pela atividade de prensista, considerada insalubre em face do enquadramento profissional do
trabalhador no código 2.5.2 do anexo II, do Decreto nº 83.080/79.
DO PEDIDO DE CONCESSÃO DA APOSENTADORIA
Somados o período rural de 14.06.65 a 31.10.76, com o período especial ora reconhecido de
01.02.78 a 02.03.79, convertido em comum, com os demais períodos incontroversos e aqueles
reconhecidos na ação autuada sob o nº 0010465-22.2014.4.03.6317, conta o autor, na data da
DER, em 23.06.17, com 45 anos, 7 meses e 24 dias, suficientes à concessão da aposentadoria
por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo, em valor a ser
calculado pelo INSS nos termos da legislação vigente à época da DIB.
CONSECTÁRIOS
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
DA APLICAÇÃO ÚNICA DA SELIC A PARTIR DA EC 113, DE 08/12/213
Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/21, a apuração do
débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
CUSTAS
Conquanto a Lei Federal nº 9.289/96 disponha no art. 4º, I, que as Autarquias são isentas do
pagamento de custas na Justiça Federal, seu art. 1º, §1º, delega à legislação estadual
normatizar sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no
exercício da competência delegada. Note-se que, em se tratando das demandas aforadas no
Estado de São Paulo, tal isenção encontra respaldo na Lei Estadual nº 11.608/03 (art. 6º).
A isenção referida não abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como,
aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios, a teor da Súmula
111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência; contudo,
uma vez que a pretensão do segurado somente foi deferida nesta sede recursal, a condenação
da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente decisão ou
acórdão, atendendo ao disposto no § 11 do artigo 85, do CPC.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para reformar a sentença extintiva,
afastando a coisa julgada e, nos termos do art. 1.013, § 3º do CPC, julgar procedente o pedido
para reconhecer o labor rural desenvolvido no período de 14.06.65 a 31.10.76; a especialidade
do lapso de 01.02.78 a 02.03.79, e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, a
partir da data do requerimento administrativo, nos termos acima expostos, observados os
consectários explicitados.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. COISA JULGADA AFASTADA. ATIVIDADES RURAL E ESPECIAL.
- A coisa julgada material impede o ajuizamento de demanda idêntica à anterior, com
fundamento no já citado inciso V do art. 485, entendendo-se como tal, de acordo com o art. 502,
a eficácia "que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso".
- A causa de pedir trazida nesta demanda, relacionada ao reconhecimento, como especial, do
período de 01.02.78 a 02.03.79, bem como quanto aos períodos laborados como rurícola de
14.06.65 a 31.10.76 e de 01.04.79 a 28.02.85, não foi analisada na demanda anterior. Não se
há falar em coisa julgada quanto ao reconhecimento dos períodos rurais e do lapso especial de
01.02.78 a 02.03.79, tampouco quanto à possibilidade de concessão da aposentadoria, a partir
de 23.06.17.
- Afastada a coisa julgada reconhecida na r. sentença. Estando a causa em condições de
imediato julgamento, analisado o mérito, nos termos do artigo 1.013, § 3º do CPC.
- De acordo com o conjunto probatório produzido, viável o reconhecimento da atividade rural no
período de 14.06.65 (quando completou 12 anos) e a 31.10.76. Não há início de prova material
referente ao período posterior de 01.04.79 a 28.02.85.
- Busca o demandante o reconhecimento de atividade especial no período de 01.02.78 a
02.03.79. Há nos autos CTPS que comprova que o autor, no período supramencionado exerceu
a função de prensista na empresa FORJAS SÃO PAULO S/A. Viável o reconhecimento como
especial pela atividade de prensista, considerada insalubre em face do enquadramento
profissional do trabalhador no código 2.5.2 do anexo II, do Decreto nº 83.080/79.
- Somados o período rural de 14.06.65 a 31.10.76, com o período especial ora reconhecido de
01.02.78 a 02.03.79, convertido em comum, com os demais períodos incontroversos e aqueles
reconhecidos na ação autuada sob o nº 0010465-22.2014.4.03.6317, conta o autor, na data da
DER, em 23.06.17, com 45 anos, 7 meses e 24 dias, suficientes à concessão da aposentadoria
por tempo de contribuição, a partir da data do requerimento administrativo, em valor a ser
calculado pelo INSS nos termos da legislação vigente à época da DIB.
- Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240
Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação
na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à
razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº
11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
- A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/21, a apuração do
débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- A fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do
julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do
CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios, a teor
da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência;
contudo, uma vez que a pretensão do segurado somente foi deferida nesta sede recursal, a
condenação da verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da presente
decisão ou acórdão, atendendo ao disposto no § 11 do artigo 85, do CPC.
- Apelação da parte autora provida, para reformar a sentença extintiva, afastando a coisa
julgada e, nos termos do art. 1.013, § 3º do CPC, julgar procedente o pedido para reconhecer o
labor rural desenvolvido no período de 14.06.65 a 31.10.76; a especialidade do lapso de
01.02.78 a 02.03.79, e conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, a partir da data do
requerimento administrativo. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, para reformar a sentença
extintiva, afastando a coisa julgada e, nos termos do art. 1.013, § 3º do CPC, julgar procedente
o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
