
| D.E. Publicado em 01/03/2017 |
EMENTA
| DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO DAS PARCELAS NOS PROVENTOS DA AUTORA, SEGURADA. INSS. LEGITIMIDADE PASSIVA. AUTORIZAÇÃO EXIGIDA. LEI 10.820/2003. OMISSÃO DA AUTARQUIA. BANCO DO BRASIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0013938-06.2009.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelações e remessa oficial, em ação de indenização por danos materiais ("valor descontado indevidamente em dobro - R$ 9.827,78") e morais ("dez vezes o valor descontado, atualizado - R$ 49.138,90"), contra o INSS e o Banco Nossa Caixa S/A, por ter sido efetuado, no pagamento do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, desconto indevido a título de empréstimo consignado, que não foi contratado, no período de 09/2007 a 10/2008 (artigos 186 e 940, do CC), causando humilhação e transtorno à autora. Na inicial, diante da impossibilidade de obter cópia do processo administrativo, foi requerida também a inversão do ônus da prova para a autarquia-ré, em favor do consumidor (artigo 6º, CDC).
Alegou a autora que recebeu o direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde 03/2007, no Banco Nossa Caixa S/A (agência 1385). Não solicitou/autorizou nenhum empréstimo e também não recebeu nenhum valor/montante que deu origem ao desconto indevido que ocorreu em seu pagamento de aposentadoria a título de "empréstimo consignado", no período de 09/2007 a 11/2008. O valor que foi debitado indevidamente deverá ser devolvido em dobro, com juros e correção monetária (artigos 186 e 940, do CC), devendo ser considerado que a interrupção do desconto indevido só ocorreu após protocolo de recurso em 01/10/2007, e sem a devolução devida. Também deve ser paga indenização por danos morais "pelo transtorno de procurar a agência e o posto do INSS sem sucesso, inclusive registrando pedido de revisão do seu benefício (Doc. 15) em 01/10/2007, mas sem resposta até o momento"; "a humilhação de ter que pedir dinheiro emprestado aos amigos e familiares, para cobrir despesas essenciais"; e porque "os fatos ocorreram por negligência e descontrole das Requeridas que são irrefragáveis e absolutas", além de que o Banco Nossa Caixa S/A agiu com verdadeiro desrespeito ao consumidor, usando de má-fé.
Foram concedidos os benefícios da Justiça Gratuita.
O Juízo a quo determinou a exclusão do Banco Nossa Caixa S/A do polo passivo da ação, para inclusão de seu sucessor, o Banco do Brasil S/A, fixando prazo de dez dias para apresentar o instrumento original do contrato em que formalizado o suposto financiamento impugnado (artigos 359, I, e 389, II, do CPC/1973, f. 109). O Banco do Brasil S/A não exibiu nenhum contrato, e interpôs agravo de instrumento em face da decisão de f. 109, tendo sido negado seguimento ao recurso (f. 134/36).
A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando os réus, solidariamente: (1) à restituição de todos os valores descontados do benefício previdenciário, no período de 09/2007 a 11/2008, a título de reparação do dano material; (2) ao pagamento, a título de reparação dos danos morais, do valor de R$ 4.913,89, com correção monetária desde o arbitramento, e juros de mora; (3) ambas as indenizações com correção pelos índices da tabela das ações condenatórias em geral, sem a SELIC, da Resolução 134/2010-CJF (a partir de cada desconto indevido, para os danos materiais, e a partir do arbitramento, para os danos morais), e juros de mora a partir da última citação realizada nos autos, no percentual previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997; e (4) em honorários advocatícios de 10% sobre toda a condenação, atualizada e acrescida de juros.
Apelou a autora pela procedência integral do pedido nos termos da inicial, bem como pela condenação do Banco do Brasil em litigância de má-fé.
Por sua vez, recorreu o Banco do Brasil S/A, pela reforma parcial da sentença, com o afastamento da condenação a título de danos morais, dada a falta de prova real, além da fixação da sucumbência recíproca, alegando que: (1) se a autora sofreu constrangimentos, não foi por culpa dele, sendo que tal fato não teve nenhuma publicidade ou consequência danosa para a imagem da autora; (2) se houve prejuízo à autora, com certeza não foi causado por comportamento culposo ou doloso do banco, inexistente na espécie a responsabilidade prevista no artigo 186 do CC; (3) se houvesse algum débito cobrado, o banco estaria acobertado por excludente de ilicitude, agindo no exercício regular de direito (artigo 188, I, CC); (4) algumas situações não comportam reparação, pois decorrem de erros passíveis de serem escusados, sendo que simples desconforto e mero incômodo não justificam indenização; (5) a autora não se desincumbiu do ônus da prova no tocante à alegada ocorrência de dano moral (artigo 333, I, CPC), e os fatos narrados não são suficientes para a condenação postulada; (6) ou, quando menos, deve ser reduzido o valor da indenização por danos morais, observando-se o limite do dobro do valor apontado como débito (artigo 1.531, do CC) para impedir enriquecimento ilícito da vítima.
Apelou ainda o INSS, alegando ilegitimidade passiva (artigo 267, VI, CPC), pois o prejuízo foi causado pelo agente financeiro e, no mérito, a improcedência do pedido, por falta de prova do dano, pois: (1) nos empréstimos consignados, previstos na Lei 10.820/2003, apenas são firmados convênios com agentes financeiros, que são os que têm controle das operações; (2) trata-se de direito disponível aos titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social, e os próprios beneficiários podem autorizar tal contratação, como convier (Lei 10.953/2004, IN 121 INSS/DC/2005 e IN 01 INSS/PRES/2005); (3) ainda que seja detentora do numerário e dos dados da folha de pagamento dos benefícios, não é parte interessada nos feitos que discutem má utilização do procedimento por agentes financeiros credenciados para atuar nos termos do artigo 115, da Lei 8.213/1991; (4) qualquer contratação de empréstimo bancário é realizada diretamente com a instituição financeira, que deve conservar em seu poder, pelo prazo de cinco anos, a contar da data do término do empréstimo, os documentos relativos ao empréstimo, além de que o artigo 1º, §4º, da IN 121/2005 INSS/DC estabelece que a instituição financeira é a responsável pela guarda dos documentos reclamados; (5) a autarquia previdenciária, que não detém qualquer documento de autorização assinado pelo beneficiário, só tem conhecimento da operação efetuada após o envio das informações pelas instituições financeiras para a DATAPREV; e (6) incabível a sua condenação à devolução dos valores retidos, porque eles foram repassados ao banco corréu.
Com contrarrazões, os autos vieram-me conclusos em 21/11/2016, com inclusão em pauta para julgamento na sessão de 15/02/2017.
É o relatório.
CARLOS MUTA
Desembargador Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0013938-06.2009.4.03.6183/SP
VOTO
Senhores Desembargadores, consta da sentença apelada (f. 143/46):
Como se observa, a sentença encontra-se devidamente motivada.
Evidentemente, a preliminar de ilegitimidade passiva, arguida pelo INSS, diz respeito ao próprio mérito, na medida em que a autarquia afirmou que não tem responsabilidade pela indenização, que decorreu do prejuízo causado pelo Banco do Brasil S/A.
No caso, a autora é segurada do INSS, titular de aposentadoria por tempo de contribuição, com início de vigência a partir de 19/03/2007 (NB 145.230.689-0, f. 21), tendo sofrido descontos a título de "CONSIGNAÇÃO" nos valores de R$ 1.297,17 (09/2007), R$ 202,74 (10/2007 e de 12/2007 a 06/2008), R$ 356,97 (11/2007), R$ 212,87 (07, 09 e 10/2008), R$ 319,30 (08/2008) e R$ 679,92 (11/2008), conforme extratos de benefício - semestral e anual (f. 27/8).
Alegou a autora, na inicial, que "NÃO SOLICITOU/AUTORIZOU NENHUM EMPRÉSTIMO e muito menos recebeu algum valor/montante que deu origem à dívida" (f. 5), e o Banco do Brasil, apesar da determinação expressa do Juízo a quo (f. 109), não comprovou a existência de contrato de empréstimo e autorização de desconto em folha. Tampouco o INSS comprovou a existência de qualquer contrato assinado pela autora.
O INSS deixou de impugnar os próprios fundamentos da condenação. Basta ver, a tal propósito, que todo o discurso recursal fundou-se na responsabilidade de terceiros (da instituição financeira contratada no empréstimo consignado em folha previdenciária).
O desconto dos proventos deve ser precedido da comprovação de contrato escrito entre segurado e instituição financeira, cabendo ao ente público verificar acerca da efetiva existência do empréstimo consignado, agindo com diligência, em face da natureza alimentar do benefício previdenciário, que sofre o desconto bancário, sob pena de ofensa aos princípios da eficiência e razoabilidade, em conformidade com os artigos 37, CF, e 927, CC, sendo devida a indenização por força até do princípio da solidariedade social por dano injusto, inerente ao risco natural da atividade previdenciária.
É inequívoco que o ato e a responsabilidade, objeto da presente ação, referem-se tanto ao Banco do Brasil S/A como ao INSS e, assim, o que cabe apreciar é se, efetivamente, houve conduta omissiva ou comissiva dos réus, da qual se possa extrair relação de causalidade para o dano invocado.
Havendo causalidade a envolver o INSS, o fato de terceiro ter propiciado ou colaborado para a eclosão do dano, ou o fato de o INSS já ter repassado os valores em questão ao banco corréu, podem ser discutidos pela autarquia em ação própria, não prejudicando ou condicionando o exame da responsabilidade específica do ente previdenciário em relação a seu segurado.
O regime jurídico aplicável à hipótese encontra-se prevista na Lei 10.820, de 17/12/2003, que assim dispõe, especificamente:
Como se observa, para desconto de empréstimo consignado sobre o valor de proventos previdenciários, o INSS deve observar procedimento próprio, a ser estabelecido em normas administrativas, porém, de logo, o legislador fixou a primeira e essencial, consistente na verificação da existência de autorização do titular do benefício para que a autarquia faça tal desconto ("Art. 6º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º desta Lei (...)").
Os autos revelam que o empréstimo bancário foi registrado dentro do histórico de consignações da autora, porém, citado, o INSS não contestou com a juntada da comprovação da autorização feita pela segurada para atender o que determina a lei e eximir-se de responsabilidade civil.
Certo que os proventos da autora sofreram redução dos valores de empréstimo consignado nos pagamentos realizados no período de 09/2007 a 11/2008 (f. 27/8). O INSS é responsável por tais descontos, já que tal procedimento somente seria possível se amparada a conduta administrativa em autorização do segurado, o que não consta ter havido, inclusive porque nada foi comprovado documentalmente pelo INSS a tal respeito. Da mesma forma, o Banco do Brasil S/A não realizou nenhuma prova que afastasse a sua responsabilidade. Pelo contrário, o banco agiu com culpa ao efetuar a concessão do empréstimo consignado sem autorização da segurada e demais comprovações necessárias.
Dizer que a suposta documentação encontra-se na posse do banco, com o qual contratado o empréstimo consignado, não elide a causalidade nem, portanto, a responsabilidade do INSS, de quem a lei exige não a guarda do contrato ou a conferência de sua regularidade, mas a existência, pura e simplesmente, da autorização à própria autarquia previdenciária para tal desconto nos proventos de aposentadoria ou pensão, nada podendo substituir tal dever de diligência, legalmente contemplado, e menos ainda se a justificativa estiver prevista em mera norma administrativa que, sabidamente, não pode revogar a lei congressual.
Para evitar discussão de responsabilidade civil e dano indenizável, o INSS não poderia deixar de precaver-se quanto à observância da exigência legal de autorização para realizar o desconto nos proventos do seu segurado.
Assim, configurada a causalidade e a responsabilidade do INSS e do Banco do Brasil S/A, por tal desconto, feito exclusivamente no pagamento previdenciário do período de 09/2007 a 11/2008 (f. 27/8), devem os réus arcar, solidariamente, com os danos morais decorrentes de tal situação, que não se limitam a mero aborrecimento, tendo sido necessário à autora sujeitar-se a atos e procedimentos para garantir o restabelecimento do pagamento regular e integral de seus proventos (recurso de 01/10/2007, f. 30).
A propósito de situações que tais, a jurisprudência tem reconhecido o dano moral, conforme revela, entre outros, o seguinte julgado:
Tendo em vista o período reduzido em que o desconto foi efetuado, e o restabelecimento do pagamento integral dos proventos, sem maiores incidentes ou fatores capazes de agravar o sofrimento moral, a indenização não pode alcançar o montante pleiteado pela autora ("dez vezes o valor descontado, atualizado").
Assim, resta claro que a autora sofreu danos morais por desconto em seus proventos que somente poderia ter sido feito mediante prévia autorização do segurado ao próprio INSS, o que não houve, causando dano moral e dever legal de ressarcimento pelos corréus, solidariamente, que se mantém no valor fixado pela sentença ("R$ 4.913,89, com correção monetária desde o arbitramento e juros de mora"), o que não acarreta enriquecimento sem causa e se revela razoável e proporcional, para fins de censura da conduta dos réus e reparação do dano sofrido pela autora, observadas, ainda, as situações econômica do ofensor e econômica e social do ofendido, e demais circunstâncias do caso concreto.
No tocante aos danos materiais, a sentença condenou os réus, solidariamente, à restituição de todos os valores descontados do benefício previdenciário, no período de 09/2007 a 11/2008, pugnando a autora pela majoração do valor com a sua fixação "em dobro", e o INSS pela sua exclusão da condenação, ao argumento de que os valores retidos foram repassados ao banco corréu.
Considerando que o INSS foi responsável pelos descontos indevidos dos valores referentes ao empréstimo consignado, repassando-os em seguida à instituição financeira concedente desse empréstimo, deve ser feita a restituição das parcelas à autora (ressalvada a possibilidade de discutir o repasse dos valores ao banco corréu em ação própria).
O dano material sofrido consistiu no valor do benefício, retido e repassado indevidamente para pagamento do empréstimo consignado, que não foi efetivamente contratado pela segurada, de forma que a condenação fixada na sentença, para o Banco do Brasil S/A e o INSS, solidariamente, encontra-se em conformidade com a responsabilidade atribuível a cada um dos réus, diante das condutas praticadas e do bem jurídico a ser protegido, pois resta claro dos autos que foi a ação conjunta e indissociável dos réus, em termos de causalidade concreta, ainda que inexistente dolo ou predisposição para causar o dano, que propiciou o resultado lesivo, sofrido pela autora.
Porém, não pode ser acolhido o pedido da autora para "a restituição do valor descontado indevidamente em dobro - R$ 9.827,78", vez que inaplicável o disposto no artigo 940 do CC, tendo em vista que tal dispositivo refere-se aos casos de cobrança por dívida já paga, sendo ainda imprescindível a demonstração de má-fé do credor na cobrança excessiva:
Portanto, nos limites da devolução, a condenação imposta a título de indenização por danos morais e materiais, não comporta qualquer reforma.
Improcedente, também, o pedido da autora de condenação do Banco do Brasil S/A em litigância de má-fé, vez que a interposição de recurso, em si, não se enquadra na hipótese do artigo 17 do CPC/1973.
A verba honorária deve ser mantida em 10% sobre o valor da condenação, tal como fixada, em conformidade com a jurisprudência uniforme da Turma e os critérios do artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil/1973, vigente à época da sentença.
Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial.
É como voto.
CARLOS MUTA
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