Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5004671-79.2020.4.03.6104
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/12/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/12/2021
Ementa
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO
DE SUSPENSÃO DE COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO-
ACIDENTE CUMULADO COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
- Trata-se de mandado de segurança objetivando a suspensão de cobrança pelo INSS de valores
pagos a título de auxílio-acidente.
- Não se conhece da parte do apelo do INSS que alega inocorrência de decadência, requer a
exclusão do auxílio-acidente do cálculo da aposentadoria concedida e pede o reconhecimento da
prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação, pois dissociadas as
razões recursais do decisum apelado, notadamente em função de se tratar de mandado de
segurança, cujo pedido não abrange parcelas pretéritas, tampouco há discussão no feito quanto à
base de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição ou reconhecimento de decadência
pela sentença.
- O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, destinado a proteger direito
líquido e certo da violação efetiva ou iminente, praticada com ilegalidade ou abuso de poder por
parte de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder
Púbico, diretamente relacionada à coação, de vez que investida nas prerrogativas necessárias a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ordenar, praticar ou ainda retificar a irregularidade impugnada, a teor do disposto no art. 5º, LXIX,
da Constituição Federal, art. 1º da Lei nº 1.533/51 e art. 1º da atual Lei nº 12.016/09.
- No caso, adequada é a via eleita, uma vez que se mostra possível a apreciação do pleito do
impetrante sem necessidade de dilação probatória, por meio da análise da documentação
apresentada.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o
poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria
uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, independente da impossibilidade de cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria
concedida após 1997, mister para a cobrança de valores pelo INSS a prova da má-fé do
segurado na percepção do benefício.
- Nesse contexto, extrai-se dos autos que em nenhum momento o INSS mencionou a existência
de qualquer tipo de fraude ou conduta do impetrante que tenha induzido em erro a administração
ou contribuído para o erro administrativo.
- Considerando competir ao INSS a verificação de incompatibilidade de benefícios, resta
evidenciado o erro da administração e excluída a existência de má-fé do segurado, ao deixar a
autarquia de cancelar o benefício de auxílio-acidente quando da implementação do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição, pelo que de rigor a manutenção da sentença que
suspendeu a cobrança de valores indicados, recebidos de boa-fé.
- Sem honorários advocatícios, conforme Súmulas 105/STJ e 512/STF.
- Apelação do INSS parcialmente conhecida e desprovida. Remessa oficial desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004671-79.2020.4.03.6104
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENCIA EXECUTIVA
INSS SANTOS
APELADO: JOAO BATISTA QUADROS
Advogados do(a) APELADO: LEONARDO VAZ - SP190255-N, THIAGO QUEIROZ - SP197979-
N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004671-79.2020.4.03.6104
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENCIA EXECUTIVA
INSS SANTOS
APELADO: JOAO BATISTA QUADROS
Advogados do(a) APELADO: LEONARDO VAZ - SP190255-N, THIAGO QUEIROZ - SP197979-
N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação em mandado de segurança impetrado por JOÃO BATISTA QUADROS
contra ato do Gerente da Agência do INSS em Santos/SP, com pedido liminar, objetivando seja
obstada a autoridade coatora de realizar qualquer desconto ou redução no benefício de
Aposentadoria por Tempo de Contribuição do impetrante (NB 185200888-9) ou de inscrevê-lo
em dívida ativa ou, caso já o tenha inscrito, cancelar o ato, em razão de valores recebidos
indevidamente no período de 23/04/2014 a 17/04/2020 a título de auxílio-acidente.
Indeferida a liminar, sobreveio sentença de procedência do pedido para afastar a cobrança e
restituição por meio de descontos ou redução no benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição (benefício nº 185200888—9), do montante de R$ 30.853,42, apurado a título de
cumulação indevida de aposentadoria por tempo de contribuição com auxílio-acidente. Com
remessa oficial.
Apela o INSS e requer o recebimento do apelo no duplo efeito. Alega inocorrência de
decadência, vedação à cumulação de auxílio-acidente com qualquer aposentadoria, após a
vigência da Lei 9.528/97, possibilidade de cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo
segurado, ainda que recebidos de boa-fé. Subsidiariamente, pede a exclusão do auxílio-
acidente do cálculo da aposentadoria concedida e alega prescrição quinquenal das parcelas
vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação.
Com contrarrazões.
O MPF opinou pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
ks
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5004671-79.2020.4.03.6104
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, GERENCIA EXECUTIVA
INSS SANTOS
APELADO: JOAO BATISTA QUADROS
Advogados do(a) APELADO: LEONARDO VAZ - SP190255-N, THIAGO QUEIROZ - SP197979-
N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Inicialmente, não se conhece da parte do apelo do INSS que alega inocorrência de decadência,
requer a exclusão do auxílio-acidente do cálculo da aposentadoria concedida e pede o
reconhecimento da prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação,
pois dissociadas as razões recursais do decisum apelado, notadamente em função de se tratar
de mandado de segurança, cujo pedido não abrange, e nem poderia, parcelas pretéritas,
tampouco há discussão no feito quanto à base de cálculo da aposentadoria por tempo de
contribuição ou reconhecimento de decadência pela sentença.
No mais, tempestivo o apelo e presentes os demais requisitos de admissibilidade recursal.
Com o presente julgamento, fica prejudicado o pedido de recebimento do apelo no duplo efeito.
DO MANDADO DE SEGURANÇA
O writ of mandamus é o meio processual destinado à proteção de direito líquido e certo,
evidente prima facie e demonstrável de imediato, sendo indispensável prova pré-constituída à
apreciação do pedido. A necessidade de dilação probatória torna inadequada a via
mandamental.
Confira-se o magistério de Hugo de Brito Machado:
"Se os fatos alegados dependem de prova a demandar instrução no curso do processo, não se
pode afirmar que o direito, para cuja proteção é este requerido, seja líquido e certo". (Mandado
de Segurança em Matéria Tributária, 4ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, p. 98-99).
Igualmente se manifesta o saudoso Hely Lopes Meirelles:
"As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito podem ser de todas as
modalidades admitidas em lei, desde que acompanhem a inicial, salvo no caso de documento
em poder do impetrado (art. 6º parágrafo único), ou superveniente às informações. Admite-se
também, a qualquer tempo , o oferecimento de parecer jurídico pelas partes, o que não se
confunde com documento. O que se exige é prova preconstituída das situações e fatos que
embasam o direito invocado pelo impetrante". (Mandado de Segurança, Ação Civil Pública,
Mandado de Injunção e Hábeas Data, 19ª ed. atualizada por Arnold Wald, São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 35).
Ainda sobre o assunto, confira-se o seguinte precedente desta Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. MANDADO DE
SEGURANÇA . SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO. INDÍCIO DE FRAUDE. INADEQUAÇÃO DA VIA
ELEITA. PRECEDENTES .
I - Agravo legal interposto em face da decisão que afastou o reconhecimento da decadência e,
com fundamento no §3º do art. 515 do CPC, denegou a segurança pleiteada, em mandado de
segurança preventivo, extinguindo o feito sem julgamento do mérito, a teor do artigo 267, I e VI,
do CPC, ao fundamento da impropriedade da via eleita, que pressupõe direito líquido e certo e
ato lesivo da autoridade.
II (...) VII - Não há comprovação do direito líquido e certo do impetrante, e tampouco de ato
lesivo da autoridade, em razão do envio de correspondência para apresentação de defesa, a
fim de restar demonstrada a regularidade da concessão do benefício.
VIII - O ponto fulcral da questão diz respeito à impropriedade da via eleita. A manutenção e
restabelecimento de benefício previdenciário traz consigo circunstâncias específicas que
motivaram cogitar-se a suspensão, além da certificação da ocorrência de ilegalidades, a
reavaliação dos documentos que embasaram a concessão, o cumprimento dos trâmites do
procedimento administrativo, para lembrar apenas alguns aspectos, e não será em mandado de
segurança que se vai discutir o direito ao benefício, cuja ameaça de suspensão decorre de
indícios de irregularidade na concessão.
IX - A incerteza sobre os fatos decreta o descabimento da pretensão através de mandado. Em
tais circunstâncias, o direito não se presta a ser defendido na estreita via da segurança, e sim
através de ação que comporte dilação probatória. Segue, portanto, que ao impetrante falece
interesse de agir (soma da necessidade e adequação do provimento jurisdicional invocado).
Precedentes jurisprudenciais. X - Agravo legal improvido."
(8ª Turma, AMS n° 1999.03.99.103526-9, Rel. Des. Fed. Marianina Galante, j. 05/09/2011,
DJF3 15/09/2011, p. 1019).
O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, destinado a proteger direito
líquido e certo da violação efetiva ou iminente, praticada com ilegalidade ou abuso de poder por
parte de autoridade pública (ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder
Púbico), diretamente relacionada à coação, de vez que investida nas prerrogativas necessárias
a ordenar, praticar ou ainda retificar a irregularidade impugnada, a teor do disposto no art. 5º,
LXIX, da Constituição Federal, art. 1º da Lei nº 1.533/51 e art. 1º da atual Lei nº 12.016/09.
PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO.
É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos".
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam
ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou
oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial".
Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de irregularidade, sem o regular
procedimento administrativo, não implica suspensão ou cancelamento unilateral do benefício,
por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição
Federal, ao consagrar como direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório e da
ampla defesa, in verbis:
"Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
Ainda, o art. 115, II, da lei 8213/91 impõe à autarquia a cobrança dos valores pagos
indevidamente, identificados em regular processo administrativo, sem comprovação na CTPS e
no CNIS.
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ
O e. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão
levada a julgamento foi a “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, fixou a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido."
Extrai-se da tese fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores
recebidos indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção.
A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que “Guarda relação com o princípio de direito
segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza. Recomenda ao juiz que
presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por quem a alega. Deve este, ao
julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por pressuposta a boa-fé objetiva,
que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade,
honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e
costumes do lugar” (Direito Civil Brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013,
10ª ed., p. 54/61).
DO CASO DOS AUTOS
A controvérsia instaurada nos autos diz com a possibilidade de suspensão de cobrança de
valores que teriam sido indevidamente recebidos a título de auxílio-acidente por indevida
cumulação com aposentadoria por tempo de contribuição. Confira-se o pedido:
“(...) Diante de todo exposto, requer a Vossa Excelência: a) Seja o presente “mandamus”
julgado TOTALMENTE PROCEDENTE, para fins de DETERMINAR QUE A AUTORIDADE
COATORA se abstenha de realizar qualquer desconto ou redução no benefício de
Aposentadoria por Tempo de Contribuição (benefício nº 185200888- 9) do impetrante ou de
inscrever o nome do impetrante na dívida ativa ou, caso já o tenha inscrito, cancelar o ato (a
inscrição);”
Do ofício de fls. 14, ord. cresc., id 190116019, infere-se que o impetrante foi comunicado da
suspensão do benefício de auxílio-acidente e de que deveria restituir aos cofres públicos os
valores recebidos indevidamente, no período compreendido entre 23/04/2014 e 17/04/2020, no
montante de R$ 30.853,42, atualizados até 17/04/2020.
Das informações prestadas pela autoridade coatora à fl. 35, id 190116027, consta:
“Informamos que o auxílio-acidente nb 94/075.529.156-5 (DIB) 07/05/1985 foi
suspenso/cessado após ter sido detectado que o impetrante estava aposentado desde
15/02/2018.
Cessado com base na Medida Provisória nº 1.596-14, de 10 de novembro de 1997, convertida
na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997. A partir de 11 11 1997 o Auxílio-acidente deve ser
cessado quando do requerimento de Aposentadoria e ou emissão de CTC.
Cessação em conformidade com paragrafo IX Art. 167 Decreto 3.048/1999 não é permitido
recebimento de auxílio-acidente com Aposentadoria.
Informamos ainda que os valores da renda mensal do auxílio-acidente foram incluídas no
cálculo da renda mensal inicial da Aposentadoria NB 42/185.200.888-9.
Anexo cópia do relatório datado de 17/04/2020 e demonstrativo da calculo da RMI da
aposentadoria.”
O manejo de mandado de segurança exige prova pré-constituída do alegado direito líquido e
certo, o que inviabiliza a dilação probatória.
É dizer que o impetrante deve demonstrar desde logo, por meio da prova documental, a
existência de seu direito.
Todavia, in casu, não há falar-se em inadequação do via eleita, pois a análise da documentação
apresentada revela que o impetrante instruiu o mandamus de maneira suficiente ao exame do
direito alegado.
Portanto, adequada a via eleita, uma vez que se mostra possível a apreciação do pleito do
impetrante sem necessidade de dilação probatória.
De outro lado, o impetrante pleiteia seja suspensa a cobrança de valores que o INSS imputa
indevidamente recebidos a título de auxílio-acidente, ao argumento de irrepetibilidade de verbas
alimentares e boa-fé no recebimento dos valores pagos, juntando como meio de prova ofícios e
cartas de concessão de fls. 13/24, id 190116019.
Em seu recurso de apelação, o INSS faz menção à possibilidade de cobrança independente da
existência de boa-fé.
Independente da impossibilidade de cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria
concedida após 1997, mister para a cobrança de valores pelo INSS a prova da má-fé do
segurado na percepção do benefício.
Nesse contexto, extrai-se dos autos que em nenhum momento o INSS mencionou a existência
de qualquer tipo de fraude ou conduta do impetrante que tenha induzido em erro a
administração ou contribuído para o erro administrativo.
Considerando competir ao INSS a verificação de incompatibilidade de benefícios, resta
evidenciado que houve erro da administração, ao deixar de cancelar o benefício de auxílio-
acidente quando da implementação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
donde, com espeque em precedente obrigatório do C. STJ exarado no Resp 1.381.734/RN
(Tema 979), de rigor a manutenção da sentença que suspendeu a cobrança de valores
indicados, recebidos de boa-fé.
Sem honorários advocatícios, conforme Súmulas 105/STJ e 512/STF.
Ante o exposto, não conheço de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida, nego-lhe
provimento e à remessa oficial.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO
DE SUSPENSÃO DE COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AUXÍLIO-
ACIDENTE CUMULADO COM APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
- Trata-se de mandado de segurança objetivando a suspensão de cobrança pelo INSS de
valores pagos a título de auxílio-acidente.
- Não se conhece da parte do apelo do INSS que alega inocorrência de decadência, requer a
exclusão do auxílio-acidente do cálculo da aposentadoria concedida e pede o reconhecimento
da prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação, pois dissociadas
as razões recursais do decisum apelado, notadamente em função de se tratar de mandado de
segurança, cujo pedido não abrange parcelas pretéritas, tampouco há discussão no feito quanto
à base de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição ou reconhecimento de
decadência pela sentença.
- O mandado de segurança é ação civil de rito sumário especial, destinado a proteger direito
líquido e certo da violação efetiva ou iminente, praticada com ilegalidade ou abuso de poder por
parte de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder
Púbico, diretamente relacionada à coação, de vez que investida nas prerrogativas necessárias
a ordenar, praticar ou ainda retificar a irregularidade impugnada, a teor do disposto no art. 5º,
LXIX, da Constituição Federal, art. 1º da Lei nº 1.533/51 e art. 1º da atual Lei nº 12.016/09.
- No caso, adequada é a via eleita, uma vez que se mostra possível a apreciação do pleito do
impetrante sem necessidade de dilação probatória, por meio da análise da documentação
apresentada.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
- In casu, independente da impossibilidade de cumulação de auxílio-acidente com
aposentadoria concedida após 1997, mister para a cobrança de valores pelo INSS a prova da
má-fé do segurado na percepção do benefício.
- Nesse contexto, extrai-se dos autos que em nenhum momento o INSS mencionou a existência
de qualquer tipo de fraude ou conduta do impetrante que tenha induzido em erro a
administração ou contribuído para o erro administrativo.
- Considerando competir ao INSS a verificação de incompatibilidade de benefícios, resta
evidenciado o erro da administração e excluída a existência de má-fé do segurado, ao deixar a
autarquia de cancelar o benefício de auxílio-acidente quando da implementação do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição, pelo que de rigor a manutenção da sentença que
suspendeu a cobrança de valores indicados, recebidos de boa-fé.
- Sem honorários advocatícios, conforme Súmulas 105/STJ e 512/STF.
- Apelação do INSS parcialmente conhecida e desprovida. Remessa oficial desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer de parte da apelação do INSS e, na parte conhecida,
negar-lhe provimento e negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
