Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002838-49.2018.4.03.6119
Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/04/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2020
Ementa
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO. REJEITADA. JUSTIÇA GRATUITA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE
ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO COM A REAFIRMAÇÃO DA DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
I - Manutenção do benefício de Justiça Gratuita deferido à autora, uma vez que a documentação
acostada, isoladamente, não evidencia a alteração de sua condição econômica.
II - Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi
convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento
jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer o artigo 201 da Constituição
Federal o direito à aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, ao
completar 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem e 30 (trinta) anos de contribuição,
se mulher.
III - Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da
aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de
dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da
legislação então vigente.
IV - Ao segurado inscrito perante o Regime Geral de Previdência Social anteriormente à
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, mas que, nessa data (16 de dezembro de
1998), ainda não tivesse preenchido os requisitos necessários à sua aposentação, mesmo na
forma proporcional, aplicam-se as regras de transição estabelecidas pelo art. 9º da referida
normação constitucional.
V - Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados
que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da
EC 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o
mesmo prazo; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
VI - No caso dos autos, restou parcialmente comprovado o exercício de labor em condições
insalubres.
VII - A somatória do tempo de serviço laborado pela parte autora autoriza a concessão do
benefício pleiteado com a reafirmação da DER, ante o preenchimento dos requisitos legais.
VIII - In casu, em virtude da somatória do tempo de contribuição após a data do requerimento
administrativo e ao ajuizamento da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do
cumprimento do requisito temporal exigido.
IX - A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
X - Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
XI - Matéria preliminar rejeitada, apelo do INSS parcialmente provida e apelação da autora
provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002838-49.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: PATRICIA MARIA SILVESTRE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VERA LUCIA DA FONSECA - SP278561-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002838-49.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: PATRICIA MARIA SILVESTRE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VERA LUCIA DA FONSECA - SP278561-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelações em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria especial ou por tempo
de contribuição com pedido de reafirmação da data de entrada do requerimento.
A r. sentença de nº 102681870-01/09 julgou o pedido nos seguintes termos:
“Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a reconhecer
como especiais os períodos laborados de 02/09/1991 a 02/03/2000 – na empresa Laboratório de
Análises Clínicas Anchieta S/C. Ltda. e de 02/02/2017 a 30/03/2017 – na empresa Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e os períodos de 30/06/2003 a 27/10/2003 e de
30/03/2013 a 31/07/2013, em que o autor esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, bem
como conceder à parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição a partir da data do
requerimento administrativo (30/03/2017 – Num. 8182111 - Pág. 15). Os juros moratórios são
fixados à razão de 1% ao mês, a partir da citação, nos termos do art. 406 do CC e do art. 161, §
1º, do CTN. A correção monetária incide sobre as diferenças apuradas desde o momento em que
se tornaram devidas, na forma do atual Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal, aprovado pelo Presidente do Conselho da Justiça Federal. Os honorários
devem ser concedidos em 15% sobre o valor da condenação atualizado, tendo em vista que a
parte autora decaiu em parcela mínima dos pedidos. O INSS encontra-se legalmente isento do
pagamento de custas. Presentes os requisitos, concedo a tutela de evidência, prevista no art.
311, do Código de Processo Civil, para determinar a imediata implantação do benefício, oficiando-
se ao INSS. Publique-se. Intime-se.”
Em razões recursais de nº 102681875-01/09, requer a autora a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição com a reafirmação da DER e o cumprimento da tutela antecipada.
Igualmente inconformado, em apelação de nº 102681876-01/16, inicialmente, alega o INSS
nulidade do decisum por ausência de fundamentação, além de impugnar a concessão dos
benefícios da justiça gratuita. No mérito, pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que
não restou demonstrada a especialidade do labor com a documentação apresentada.
Subsidiariamente, insurge-se no tocante aos honorários advocatícios e correção monetária.
É o sucinto relato.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002838-49.2018.4.03.6119
RELATOR:Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: PATRICIA MARIA SILVESTRE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: VERA LUCIA DA FONSECA - SP278561-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivos os recursos e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais,
passo ao exame da matéria objeto de devolução.
Inicialmente, cumpre ressaltar que não há que se falar em nulidade do decisum, eis que a r.
sentença de primeiro grau atende todos os requisitos previstos no art. 489 do Código de Processo
Civil e no art. 93, IX, da Constituição Federal.
Ainda antes de adentrar no mérito, em observância ao princípio do tantum devolutum quantum
appellatum, destaco que a presente decisão irá analisar apenas a possibilidade de concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição, deixando de apreciar o benefício de aposentadoria
especial, eis que tal pleito não foi renovado pela autora em suas razões de apelação.
Por outro lado, com relação à concessão dos benefícios da justiça gratuita, cabe a parte contrária
impugnar a alegação de insuficiência de recursos e não o Juiz "ex oficio" fazer tal impugnação,
cabe apenas ao Juiz indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos
pressupostos legais para a concessão de gratuidade.
Frise-se que o benefício é concedido em caráter precário, pois se alterada sua situação financeira
de modo que lhe permita arcar com as custas processuais e honorários advocatícios o benefício é
cassado.
Não é por outra razão que vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência
ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5
(cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor
demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a
concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
É de se ressaltar que no caso em espécie estamos tratando do benefício à pessoa natural, cuja
situação financeira, numa economia instável como a nossa, que lhe ceifa, constantemente, à
capacidade de saldar despesas imediatas básicas como: alimentação, vestuário, assistência
médica, afora gastos com água e luz.
Mesmo se a condição econômica da pessoa natural interessada na obtenção da gratuidade da
justiça for boa, mas se sua situação financeira for ruim ele tem direito ao benefício, pois são
conceitos distintos o de situação econômica e o de situação financeira.
Dessa forma, o extrato do CNIS de nº 102681868-31, isoladamente, indicando que a autora a
auferiu rendimento no montante de R$7.556,57 no mês de junho de 2018 não desconstitui a
presunção relativa de falta de recursos.
1. DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
O primeiro diploma legal brasileiro a dispor sobre a aposentadoria por tempo de serviço foi a Lei
Eloy Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Referido benefício era concedido
apenas aos ferroviários, possuindo como requisito a idade mínima de 50 (cinquenta) anos, tendo
sido suspensa no ano de 1940.
Somente em 1948 tal aposentadoria foi restabelecida, tendo sido mantida pela Lei nº 3.807, de 26
de agosto de 1960 (Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS), que preconizava como requisito
para a concessão do benefício o limite de idade de 55 (cinquenta e cinco) anos, abolido,
posteriormente, pela Lei nº 4.130, de 28 de agosto de 1962, passando a adotar apenas o
requisito tempo de serviço.
A Constituição Federal de 1967 e sua Emenda Constitucional nº 1/69, também disciplinaram tal
benefício com salário integral, sem alterar, no entanto, a sua essência.
A atual Carta Magna manteve o benefício, disciplinando-o em seu art. 202 (redação original) da
seguinte forma:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§1º: É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Antes da Emenda Constitucional n. 20/98, de 15 de dezembro de 1998, preceituava a Lei nº
8.213/91, nos arts. 52 e seguintes, que o benefício de aposentadoria por tempo de serviço era
devido ao segurado que, após cumprir o período de carência constante da tabela progressiva
estabelecida pelo art. 142 do referido texto legal, completar 30 anos de serviço, se homem, ou 25,
se mulher, iniciando no percentual de 70% do salário-de-benefício até o máximo de 100% para o
tempo integral aos que completarem 30 anos de trabalho se mulher, e 35 anos de trabalho se
homem.
Na redação original do art. 29, caput, §1º, da Lei de Benefícios, o salário-de-benefício consiste na
média aritmética simples de todos os últimos salários-de-contribuição dos meses imediatamente
anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de
36, apurados no período não superior a 48 meses. Ao segurado que contava com menos de 24
contribuições no período máximo estabelecido, o referido salário corresponde a 1/24 da soma dos
salários-de-contribuição.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi
convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento
jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer, nos arts. 201 e 202 da
Constituição Federal:
"Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei a:
(...)
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei,
obedecidos as seguintes condições:
I - 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se
mulher;
Art. 202 O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma
autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na
constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.
(...)"
Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da
aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de
dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da
legislação então vigente.
Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados que
cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da EC n.
20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o mesmo
prazo e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
2. DA CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM
2.1 DO DIREITO À CONVERSÃO ANTES DA LEI 6.887/80 E APÓS A LEI 9.711/98
A teor do julgamento do REsp 1.310.034 e do REsp 1.151.363, ambos submetidos ao regime do
art. 543-C do CPC, inexiste óbice para se proceder à conversão de tempo de serviço especial em
comum, seja antes da Lei 6.887/80 seja após Lei n. 9.711/1998.
2.2 DO RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE EXERCIDA EM ATIVIDADE ESPECIAL
Para o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida e a conversão desse intervalo
especial em comum, cabe ao segurado demonstrar o trabalho em exposição a agentes
agressivos, nos termos da lei vigente à época da prestação do trabalho, observando-se o
princípio tempus regit actum (Pet 9.194/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção,
julgado em 28/05/2014, DJe 03/06/2014).
2.2.1 PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 9.032/95
No período anterior à edição da Lei nº 9.032/95, o direito à aposentadoria especial e à conversão
do tempo trabalhado em atividades especiais é reconhecido em razão da categoria profissional
exercida pelo segurado ou pela sua exposição aos agentes nocivos descritos nos Anexos dos
Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79, a ser comprovada por meio da apresentação de SB 40, sem
a necessidade de apresentação de laudo técnico, exceção feita à exposição ao ruído.
2.2.2 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.032/95 ATÉ A EDIÇÃO DO DECRETO
Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997
A comprovação da atividade especial exercida após a edição da Lei nº 9.032, de 29 de abril de
1995 - que promoveu a alteração do art. 57 da Lei n. 8213/91 - se dá com a demonstração da
efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, mediante a
apresentação do formulário DSS-8030 (antigo SB 40), o qual se reveste da presunção de que as
circunstâncias de trabalho ali descritas se deram em condições especiais, não sendo, portanto,
imposto que tal documento se baseie em laudo pericial, com exceção ao limite de tolerância para
nível de pressão sonora (ruído).
Anote-se que a relação dos agentes nocivos constante do Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de
março de 1964, e dos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, em vigor até
o advento do Decreto Regulamentar nº 2.172/97, de 5 de março de 1997, fora substituído pelo
Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.
Relevante consignar que, a partir da Lei nº 9.032/95, não é mais possível o reconhecimento da
atividade especial, unicamente, com fulcro no mero enquadramento da categoria profissional.
2.2.3 PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DO DECRETO Nº 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997
E DEMAIS CONSIDERAÇÕES
Com a edição do Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997, que regulamentou a Medida
Provisória nº 1523/96, convertida na Lei nº 9.528/97, é indispensável a apresentação de laudo
técnico para a comprovação de atividade especial.
Cabe esclarecer que a circunstância de o laudo não ser contemporâneo à atividade avaliada não
lhe retira absolutamente a força probatória, em face de inexistência de previsão legal para tanto e
desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral (AC 0022396-
76.2005.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Candido Moraes, 2ª Turma, e-DJF1 p.198
de 18/11/2014). Súmula 68 TNU.
Além disso, é de se apontar que o rol de agentes insalubres, como também das atividades
penosas e perigosas não se esgotam no regulamento, tal como cristalizado no entendimento
jurisprudencial na Súmula/TFR n. 198:
"Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata
que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em
Regulamento."
Nesse sentido, julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça: 6ª Turma, REsp nº 395988, Rel.
Min. Hamilton Carvalhido, j. 18.11.2003, DJ 19.12.2003, p. 630; 5ª Turma, REsp nº 651516, Rel.
Min. Laurita Vaz, j. 07.10.2004, DJ 08.11.2004, p. 291.
2.3 USO DO EPI
No tocante à utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPI, em recente decisão, com
repercussão geral, no ARE 664.335/SC, assentou a Suprema Corte que:
"o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo
à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá
respaldo constitucional à aposentadoria especial" (grifo nosso). No caso, porém, de dúvida em
relação à efetiva neutralização da nocividade, decidiu que "a premissa a nortear a Administração
e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto
porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar
completamente a relação nociva a que o empregado se submete".
No mais, especificamente quanto à eficácia do equipamento de proteção individual - EPI ao
agente agressivo ruído, o Pretório Excelso definiu que:
"na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido
da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria". Isso porque, "ainda que se pudesse aceitar que o problema
causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que
indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação
dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores
que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle
efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores".
3. DO CASO DOS AUTOS
Pleiteia a requerente o reconhecimento, como especial e sua respectiva conversão para comum,
dos períodos em que teria trabalhado sujeita a agentes agressivos, tendo juntado a
documentação abaixo discriminada:
- 02/09/1991 a 02/03/2000: Perfil Profissiográfico Previdenciário (nº 102681857-01/02) - auxiliar
de recepção em laboratório de análises clínicas - exposição a agentes biológicos: enquadramento
do lapso de 02/09/1991 a 05/03/1997 com base no código 1.3.4 do Decreto nº 83.080/79, não
sendo possível o reconhecimento do intervalo posterior, ante a não apresentação de laudo
técnico, documento indispensável para a comprovação pretendida a partir de 06/03/1997, bem
como pela ausência de indicação, no formulário, do responsável pelos registros ambientais,
informação esta que supre a exigência do laudo;
- 02/02/2017 a 30/03/2017: inviabilidade de reconhecimento ante a não apresentação de
formulário e laudo a ele referente indicando a exposição da segurada a agentes agressivos.
Ressalte-se que o trabalho exercido junto à atividade-meio da área da saúde, em hospitais,
clínicas e afins, seja como motorista de ambulância, auxiliar de limpeza ou outros, mas exposto
de maneira habitual e permanente a agentes biológicos mediante o contato com doentes ou
materiais infecto-contagiantes, é considerada insalubre ex vi de seu enquadramento nos Decretos
nº 53.831/64 (item 1.3.2) e nº 83.080/79 (item 1.3.4). Precedente TRF3: 10ª Turma, AC nº
2008.03.99.002113-8, Rel. Juiz Fed. Conv. Leonel Ferreira, j. 12/08/2008, DJF3 27/08/2008.
Por outro lado, os interregnos compreendidos entre 30/06/2003 e 27/10/2003 e 30/03/2013 e
31/07/2013, em que a segurada esteve em gozo de auxílio-doença, devem ser reconhecidos
como exercido em condições especiais, nos termos em que decidido pelo C. STJ no julgamento
do REsp nº 1.759.098, in verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL ADMITIDO COMO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 1.036 DO CÓDIGO FUX. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TEMPO
DE SERVIÇO ESPECIAL, PARA FINS DE APOSENTADORIA, PRESTADO NO PERÍODO EM
QUE O SEGURADO ESTEVE EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA DE NATUREZA NÃO
ACIDENTÁRIA. PARECER MINISTERIAL PELO PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Até a edição do Decreto
3.048/1999 inexistia na legislação qualquer restrição ao cômputo do tempo de benefício por
incapacidade não acidentário para fins de conversão de tempo especial. Assim, comprovada a
exposição do Segurado a condições especiais que prejudicassem a sua saúde e a integridade
física, na forma exigida pela legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de
afastamento em que o Segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este acidentário
ou previdenciário. 2. A partir da alteração então promovida pelo Decreto 4.882/2003, nas
hipóteses em que o Segurado fosse afastado de suas atividades habituais especiais por motivos
de auxílio-doença não acidentário, o período de afastamento seria computado como tempo de
atividade comum. 3. A justificativa para tal distinção era o fato de que, nos períodos de
afastamento em razão de benefício não acidentário, não estaria o Segurado exposto a qualquer
agente nocivo, o que impossibilitaria a contagem de tal período como tempo de serviço especial.
4. Contudo, a legislação continuou a permitir o cômputo, como atividade especial, de períodos em
que o Segurado estivesse em gozo de salário-maternidade e férias, por exemplo, afastamentos
esses que também suspendem o seu contrato de trabalho, tal como ocorre com o auxílio-doença
não acidentário, e retiram o Trabalhador da exposição aos agentes nocivos. Isso denota
irracionalidade na limitação imposta pelo decreto regulamentar, afrontando as premissas da
interpretação das regras de Direito Previdenciário, que prima pela expansão da proteção
preventiva ao Segurado e pela máxima eficácia de suas salvaguardas jurídicas e judiciais. 5. Não
se pode esperar do poder judicial qualquer interpretação jurídica que venha a restringir ou
prejudicar o plexo de garantias das pessoas, com destaque para aquelas que reivindicam legítima
proteção do Direito Previdenciário. Pelo contrário, o esperável da atividade judicante é que
restaure visão humanística do Direito, que foi destruída pelo positivismo jurídico. 6. Deve-se levar
em conta que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção quanto aos benefícios auxílio-
doença acidentário ou previdenciário. Por outro lado, a Lei 9.032/1995 ampliou a aproximação da
natureza jurídica dos dois institutos e o § 6o. do artigo 57 da Lei 8.213/1991 determinou
expressamente que o direito ao benefício previdenciário da aposentadoria especial será
financiado com os recursos provenientes da contribuição deque trata o art. 22, II da Lei
8.212/1991, cujas alíquotas são acrescidas conforme a atividade exercida pelo Segurado a
serviço da empresa, alíquotas, estas, que são recolhidas independentemente de estar ou não o
Trabalhador em gozo de benefício. 7. Note-se que o custeio do tempo de contribuição especial se
dá por intermédio de fonte que não é diretamente relacionada à natureza dada ao benefício por
incapacidade concedido ao Segurado, mas sim quanto ao grau preponderante de risco existente
no local de trabalho deste, o que importa concluir que, estando ou não afastado por benefício
movido por acidente do trabalho, o Segurado exposto a condições nocivas à sua saúde promove
a ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária destinada ao custeio do benefício de
aposentadoria especial. 8. Tais ponderações permitem concluir que o Decreto 4.882/2003
extrapolou o limite do poder regulamentar administrativo, restringindo ilegalmente a proteção
exclusiva dada pela Previdência Social ao trabalhador sujeito a condições especiais que
prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física. 9. Impõe-se reconhecer que o Segurado faz
jus à percepção de benefício por incapacidade temporária, independente de sua natureza, sem
que seu recebimento implique em qualquer prejuízo na contagem de seu tempo de atividade
especial, o que permite a fixação da seguinte tese: O Segurado que exerce atividades em
condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz
jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial. 10. Recurso especial do
INSS a que se nega provimento.”
(STJ, REsp 1.759.098/RS, 1ª Seção, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
26/06/2019)
Como se vê, restou demonstrado o exercício de atividade em condições especiais nos
interregnos de 02/09/1991 a 05/03/1997, 30/06/2003 a 27/10/2003 e 30/03/2013 a 31/07/2013.
Assentado esse ponto, cumpre examinar se preenchidos os requisitos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição.
Com a somatória do tempo incontroverso e o labor especial ora reconhecido, a requerente
totalizou até a data do requerimento administrativo (30/03/2017 – nº 102681856-01), menos de 30
anos de contribuição, o que impossibilita o deferimento do benefício vindicado.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 1.727.064 - SP, em
que se discutia o Tema 995, assegurou a possibilidade de reafirmação da DER (Data de Entrada
do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do
benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da
prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015,
observada a causa de pedir.
Desse modo, em consonância com o entendimento esposado, com a nova contagem do tempo
de contribuição até 29/05/2018, a parte autora faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição.
4. CONSECTÁRIOS LEGAIS
TERMO INICIAL
In casu, em virtude da somatória do tempo de contribuição após a data do requerimento
administrativo e ao ajuizamento da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do
cumprimento do requisito temporal exigido (29/05/2018).
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no
princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a
fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado,
com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015,
bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas
até a sentença de procedência.
5. DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento ao apelo do
INSS, reformando a r. sentença de primeiro grau para deixar de reconhecer, como especial, os
períodos de 06/03/1997 a 02/03/2000 e 02/02/2017 a 30/03/2017, bem como no tocante à
correção monetária e verba honorária, e dou provimento à apelação da autora, para determinar a
concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição com a reafirmação da data
de entrada do requerimento administrativo e sua implantação por conta da tutela antecipada
concedida, na forma acima fundamentada, observando-se os honorários advocatícios
estabelecidos. Mantenho a tutela antecipada concedida anteriormente.
Oficie-se ao Instituto Autárquico para adaptar o cumprimento da antecipação dos efeitos da tutela
ao teor desta decisão.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINAR AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO. REJEITADA. JUSTIÇA GRATUITA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE
ESPECIAL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO COM A REAFIRMAÇÃO DA DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
I - Manutenção do benefício de Justiça Gratuita deferido à autora, uma vez que a documentação
acostada, isoladamente, não evidencia a alteração de sua condição econômica.
II - Com o advento da Emenda Constitucional nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço foi
convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, tendo sido excluída do ordenamento
jurídico a aposentadoria proporcional, passando a estabelecer o artigo 201 da Constituição
Federal o direito à aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, ao
completar 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem e 30 (trinta) anos de contribuição,
se mulher.
III - Entretanto, o art. 3º da referida Emenda garantiu o direito adquirido à concessão da
aposentadoria por tempo de serviço a todos aqueles que até a data da sua publicação, em 16 de
dezembro de 1998, tivessem cumprido todos os requisitos legais, com base nos critérios da
legislação então vigente.
IV - Ao segurado inscrito perante o Regime Geral de Previdência Social anteriormente à
promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, mas que, nessa data (16 de dezembro de
1998), ainda não tivesse preenchido os requisitos necessários à sua aposentação, mesmo na
forma proporcional, aplicam-se as regras de transição estabelecidas pelo art. 9º da referida
normação constitucional.
V - Foram contempladas, portanto, três hipóteses distintas à concessão da benesse: segurados
que cumpriram os requisitos necessários à concessão do benefício até a data da publicação da
EC 20/98 (16/12/1998); segurados que, embora filiados, não preencheram os requisitos até o
mesmo prazo; e, por fim, segurados filiados após a vigência daquelas novas disposições legais.
VI - No caso dos autos, restou parcialmente comprovado o exercício de labor em condições
insalubres.
VII - A somatória do tempo de serviço laborado pela parte autora autoriza a concessão do
benefício pleiteado com a reafirmação da DER, ante o preenchimento dos requisitos legais.
VIII - In casu, em virtude da somatória do tempo de contribuição após a data do requerimento
administrativo e ao ajuizamento da ação, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do
cumprimento do requisito temporal exigido.
IX - A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação
superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da
decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
X - Os honorários advocatícios deverão ser fixados na liquidação do julgado, nos termos do inciso
II, do § 4º, c.c. §11, do artigo 85, do CPC/2015.
XI - Matéria preliminar rejeitada, apelo do INSS parcialmente provida e apelação da autora
provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, dar parcial provimento ao apelo do INSS e dar
provimento à apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
